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FRANCIS ALŸS: A STORY OF DECEPTIONPATRÍCIA ROSAS2011-07-28FRANCIS ALŸS: A STORY OF DECEPTION MoMA, 8 de Maio a 1 de Agosto 2011 MoMA PS1, 8 de Maio a 12 de Setembro 2011 A Story of Deception (2003-2006) é uma película de 16 mm, com cerca de 4 minutos, cor e sem som, que dá título à exposição retrospectiva do artista belga Francis Alÿs (n. 1959), dividida entre o MoMA e o MoMA PS1, em Nova Iorque, e comissariada por Klaus Biesenbach, director do PS1, e assistida por Cara Starke, curadora assistente no departamento de Arte Performativa e Media do MoMA. Apresentada nas galerias do PS1, a peça A Story of Deception mostra uma estrada na paisagem árida da Patagónia, na Argentina, e no horizonte uma miragem. Ao contrário da maior parte dos trabalhos em vídeo e filme de Alÿs, em que o artista trabalha o som minuciosamente, esta obra não tem propositadamente som, vive de uma imagem fixa em loop. Com esta ilusão longínqua, que serve de mote à exposição, estará Alÿs tão desesperançado que introduz o público neste espaço com uma “história de decepção” e confronta-o com a presença de um lugar (ou de um caminho) inalcançável? Foi na cidade do México que Francis Alÿs começou a sua actividade artística. Sediado desde 1986 na capital mexicana com uma população de mais de 8 milhões de pessoas, e uma área metropolitana de 21 milhões, Alÿs sentiu um gigantesco choque cultural quando chegou ao México, vindo de Veneza onde exercia Arquitectura. Alÿs foi ocupando o seu espaço através da caminhada: uma forma de reconhecimento, que resultou num conhecimento profundo da cultura da América Latina tão presente nas suas performances e nos vídeos. Inevitavelmente, o México é a cidade eleita para a crítica política e social basilares nos trabalhos do artista, patentes nesta retrospectiva. Paradox of Praxis I (Sometimes doing something leads to nothing) e Cuentos Patrióticos, de 1997, são ambos vídeos sobre o México. Cuentos Patrióticos refere-se a um evento político ocorrido em 1968, que originou o protesto dos estudantes contra o governo mexicano na praça Zócalo, a quarta maior praça do mundo e o centro da identidade nacional do México. No filme de Alÿs, de 24 minutos, o plano está fixo sobre a praça vazia. O artista entra em cena com uma ovelha atrás dele, e caminha em redor do estandarte da bandeira que se encontra no centro da praça. Formando uma procissão, cada ovelha entra, uma a uma, individualmente na praça. A certa altura as ovelhas começam a sair da linha, ou seja, a sair de cena, e o filme acaba com a praça novamente vazia. A composição é magnífica, o preto e branco cria uma imagem harmoniosa, num absurdo de acção incapaz de se abandonar, numa mensagem que se relaciona eventualmente com a ideia de cortejo, de seguir as ideias ou os passos dos outros, ausência de uma identidade capaz e individualizada. Em Paradox of Praxis I (Sometimes doing something leads to nothing), Francis Alÿs empurra uma pedra de gelo nas ruas da cidade do México, com as mãos, depois com o pé; à medida que o gelo é deslocado, vai derretendo, terminando o filme com o plano de uma pequena poça de água. Nesta performance de 9 horas, apenas vemos 5 minutos do esforço do artista que empurra o bloco de gelo, e que resulta em nada. Tal como em Rehearsal I (1999-2001), a referência ao Mito de Sísifo de Camus é evidente. O esforço de Sísifo que carrega a pedra até ao cimo da montanha é vão, porque ao chegar ao topo Sísifo vai ver a pedra rolar para baixo novamente. Personagem da mitologia grega, Sísifo foi utilizado por Camus para reforçar o absurdo da vida humana: os homens estão condenados a repetir continuamente a tarefa cansativa e inútil que lhes foi imposta, limitados por uma liberdade monótona e repetitiva. Rehearsal I apresenta um automóvel a subir e a descer uma colina na fronteira américo-mexicana. No vídeo ouve-se o som de uma banda: quando toca o carro sobe a colina, quando os músicos fazem uma pausa o carro pára, e quando os músicos estão a afinar os instrumentos o carro desce novamente a colina, nunca chegando ao outro lado da colina. O humor é constante nos trabalhos de Francis Alÿs, mas também estão sempre presentes na sua obra o esforço e a persistência para mudar alguma coisa. Alÿs não baixa os braços, como parecia querer fazer-nos acreditar em A Story of Deception. When faith moves mountains (2002) comprova o verdadeiro sentido do título, da fé de facto fazer mover montanhas. Cerca de 500 participantes reunidos ao longo de uma linha movem areia de uma duna em Lima, Peru, alterando em alguns centímetros a localização da duna, e revelando um esforço colectivo imenso para um resultado tão pequeno. Este vídeo é acompanhado por um conjunto de desenhos, esboços, que apresentam o trabalho realizado a priori pelo artista, com instruções ou comentários a notícias, documentos, etc. Este tipo de documentação, mostrado em vitrinas, é constante ao longo da exposição, junto a filmes como Duett (realizado para a Bienal de Veneza, em 1999), Re-enactments (2001) ou The Modern Procession (2002). São as histórias que enriquecem a obra de Francis Alÿs, mas é igualmente uma técnica impressionante no trabalho da imagem em movimento, sobretudo no que diz respeito ao som, ao rigor compositivo, aos ritmos de construção que completam o seu trabalho. E, neste sentido, Guards (2004-2005) ou Tornado (2000-2010) são excelentes exemplos. Guards, filmado em Londres, apresenta 64 Coldstream Guards, a tropa de infantaria da elite do exército britânico. Arquitecturalmente coreografada pelas ruas da cidade, a formatura em quadrado é fortemente marcada pelo bater das botas da Guarda, realçando assim o som dos passos. Em Tornado, a construção do filme tem mais que ver com ritmos estruturais da composição (por isso demora dez anos a ser produzido) do que propriamente com uma estrutura narrativa. Magistralmente conseguido, acompanhamos a formação do tornado até Alÿs com a câmara na mão entrar no seu centro, aí permanecer e depois sair, numa persistência e resistência inesquecíveis. A violência reforçada pelo som do tornado é magnífica. Francis Alÿs nunca desiste. A decepção não significa desistência. É preciso procurar mudar alguma coisa, por mais pequena que seja, ou mesmo que não leve a lado nenhum. Mas basta apenas relembrar Beckett, citado na entrada da exposição de Alÿs no MoMA: Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Failed again. Fail better. Patrícia Rosas |