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OS ESTADOS DAS ARTES VISUAIS FORA DOS CENTROS (PARTE II)ANTÓNIO PINTO RIBEIRO2010-03-01(...) No âmbito deste trabalho inventariam-se oito casos de estudo de situações emergentes e tradicionalmente tidas como periféricas: Brasil, Chile, China e Hong Kong, Grécia, Turquia, África do Sul e Moçambique, sendo que não há um modelo que lhes seja comum e muito menos um estado das artes semelhante. (...) GRÉCIA É um país com pouca tradição na criação artística moderna e contemporânea, para o que contribui, decididamente, a sua instável situação económica. O mercado continua muito direccionado para a arte da antiguidade, embora nas últimas décadas se tenha registado o aparecimento de algumas galerias em Salónica e Atenas onde podem ser vistas obras de arte contemporânea. Os ateliês dos artistas são também um lugar privilegiado para a aquisição directa de trabalhos. Para além das galerias, existem três museus de arte contemporânea (dois nacionais) que promovem os artistas contemporâneos e, dada a dimensão do país, existem bastantes coleccionadores. As galerias gregas tentam estar cada vez mais presentes nas feiras internacionais, mas são também cada vez mais os coleccinadores estrangeiros que viajam à Grécia para comprar peças de arte. No entanto, não existem bons dealers e tudo depende da iniciativa dos próprios artistas, que têm colaborações regulares com galerias de Nova Iorque e Londres. O Estado e os diversos governos têm estado quase ausentes desta área da actividade artística e criatividade, não se podendo falar da existência de uma política cultural para o sector. As prioridades têm sido sempre o teatro e a música, raramente as artes plásticas e quando há interesse, este é pontual e no âmbito de grandes eventos, como actonteceu na China com os recentes Jogos Olímpicos. Na falta de uma política governamental concertada, as iniciativas são pontuais e não têm continuidade. O apoio do Estado vem de forma indirecta, através dos museus nacionais de arte contemporânea (um em Atenas e outro, o mais recente, em Salónica). Começa a existir algum mecenato de origem bancária, de contornos muito conservadores, e de fundações privadas, como a Fundação Onassis, mas não se podem ainda considerar significativos. Para a maioria dos artistas contactados é um facto que os apoios da União Europeia, através de várias linhas de financiamento, têm tido uma importância fulcral no estímulo à produção artística, sendo a Grécia um dos países que melhor tem sabido beneficiar destes apoios. TURQUIA Recentemente, quer dizer, nos últimos cinco anos e em função da participação de muitos artistas turcos em fóruns internacionais criou-se um pequeno mercado de arte na Turquia. Os coleccionadores compram indiferentemente tanto aos artistas, como às galerias, muitas delas presentes nas principais feiras de arte. E a par dos turcos, os artistas do Médio Oriente têm também compradores e curadores interessados em expô-los. Mas, os museus turcos só há pouco começam, e muito lentamente, a comprar arte contemporânea. Do ponto de vista governamental, não tem sido notória uma política cultural de apoio ou incentivo à criação contemporânea. O Ministro da Cultura e do Turismo, como é designado, tem criado algumas linhas de acção, mas direccionadas para a conservação do património. No entanto, esta recente alteração no estado das artes na Turquia não surgiu do nada. Na verdade, há histórias de galerias solitárias – Borusan Art Gallery, Platform Garanti Contemporary Art Center –, de espaços alternativos, quase clandestinos – Hafriyat, Oda Projesi e Apartment Projesi – de coleccionadores singulares, isolados e anónimos que sustentaram alguns projectos artísticos a partir da década de 1990. O acontecimento mais importante para a vida artística da Turquia no que diz respeito às artes visuais é a Bienal de Istambul, organizada pela primeira vez em 1987 por uma instituição de carácter privado – The İstanbul Foundation for Culture and Arts. Alternativa ao circuito trendy das bienais euro-americanas, no seu programa conjugam-se sempre aspectos de natureza estética com outros eminentemente políticos. A 11ª e última, realizada em 2009, teve por título “What Keeps Mankind Alive” e foi comissariada pelo colectivo de Zagreb, o WHW (What, How & for Whom). Esta é uma Bienal que ensaia modelos diferentes de produção, de curadoria e de finaciamento e é sempre motivo de debate franco, público e apaixonado entre a comunidade artística turca e do Médio Oriente. Um dos aspectos mais singulares da produção artística mais recente dos artistas turcos prende-se com as questões de documentação e arquivo, bem como da publicação sistemática, o que originou a criação de galerias de arte – BAS, Yapi Kredi, Garanti Galeri, Platform Garanti – dedicadas a estes aspectos da produção de narrativas artísticas. A diáspora turca está fortemente representada em Berlim, tendo desde há muito acompanhado a emigração para o principal país de destino dos turcos, a Alemanha. ÁFRICA DO SUL O mercado das artes para os artistas sul-africanos é prioritariamente internacional. 60% a 80% das vendas das galerias sul-africanas são para o estrangeiro e as feiras de arte internacionais jogam um papel fundamental nestas vendas, tal como as revistas de arte e os curadores sul-africanos. Uma grande parte dos artistas sul-africanos mais sucedidos vive no estrangeiro, como Candice Breitz, Robin Rhode e Marlene Dumas, confirmando um fenómeno que emergiu com muita força no início da década de 1990. Mas, também é um facto que artistas notáveis, como David Goldblatt, William Kentridge, Berni Searle e Nicholas Hlobo, vivem e trabalham na África do Sul. No entanto, estes artistas beneficiam da abertura ao mercado global e ao enorme investimento e curiosidade que os curadores têm direccionado à produção artística deste país. As galerias têm conseguido criar um mercado local e internacional e com isso desenvolvido um coleccionismo muito importante, onde se destaca a coleção da família Enthoven, em Stellenbosch, e a Gordon Schachat Collection, em Joanesburgo. O focus da Colecção Enthoven é a África do Sul, com peças compradas tanto no país como no estrangeiro. É deste modo que artistas já no circuito internacional, como Anton Kannemeyer, Conrad Botes, e Nicholas Hlobo, têm sido apoiados juntamente com os artistas locais. Por seu lado, a Colecção Schachat é uma colecção com uma forte presença de artistas estrangeiros, mas com a subtileza de traçar ligações a África, de que um dos exemplos são as obras do nigeriano Yinka Shonibare. A estratégia de aquisição da Schachat é centrada num número muito reduzido de artistas: Robin Rhode, Berni Searle, Johannes Phokela, William Kentridge, Wim Botha e David Goldblatt. A criação, em 2008, da feira de arte contemporânea de Joanesburgo (Joburg Art Fair) veio gerar enormes expectativas face ao desenvolvimento de um mercado local, pretendendo também ser uma mostra da criação contemporânea sul-africana. No circuito das galerias, existem três muito importantes, cuja qualidade e singularidade faz delas duas das melhores galerias do mundo. São elas The Goodman Gallery – cuja galeria-mãe está em Joanesburgo, mas que tem um segundo espaço na Cidade do Cabo –, que representa William Kentridge, Mikhael Subotzky e Lolo Veleko, entre outros artistas. Do mesmo modo, a Galeria Michael Stevenson, com os seus 500 metros quadrados na Cidade do Cabo, é uma galeria fundamental para conhecer a arte contemporânea sul-africana nas suas várias disciplinas, representando artistas como Berni Searle, Pieter Hugo, Nicholas Hlobo, e Guy Tillim. Nos últimos três anos esta galeria programou também artistas de outras regiões culturais e agora trabalha com Meschac Gaba (Benin/Holanda), Odili Odita (USA/Nigeria), e Youssef Nabil (EUA/Egipto). Em Joanesburgo a parceria Brodie/Stevenson é uma plataforma importante para a apresentação dos artistas mais jovens. Na África do Sul os organismos públicos têm tido um papel muito secundário na arte contemporânea. Excepção deve ser feita à Johannesburg Art Gallery e ao Nelson Mandela Metropolitan Art Museum em Port Elizabeth, que têm inclusivamente um programa de aquisições anuais e a constituição de acervo contemporâneo. Em relação a outros organismos, a galeria do The Standard Bank, aberta em Joanesburgo em 1990, tem uma programação anual de exposições de arte contemporãnea. As mais recentes foram as retrospectivas de Willem Boshoff e de Marlene Dumas. Dada a ausência de apoio governamental e de uma política cultural para esta área, são muitas vezes as galerias a realizar o papel pequenos centros de arte contemporânea. A Goodman e a Michael Stevenson fazem-no permanentemente. A Goodman acaba de fechar uma exposição dedicada a Gavin Turk e Thomas Hirschhorn inaugurou na Michael Stevenson, a 21 de Janeiro, a sua última exposição. MOÇAMBIQUE Moçambique é um país com uma das mais fortes tradições de fotografia, arte em que muito cedo se destacou Ricardo Rangel recentemente falecido. A par desta tradição artística, iniciada nos anos 50 do século passado, há que mencionar uma outra figurada por Chichorro, Malangatana e Shikhani que, na sequência da apropriação por parte de pintores africanos da arte modernista europeia, passaram a ter uma visibilidade internacional importante, sendo considerados muitas vezes como os mais representativos da artes visuais moçambicanas. Depois do período colonial, a guerra civil que durou quase duas décadas estrangulou as poucas estruturas que Moçambique possuía ao nível da exibição e de formação artística. Recentemente, a par do Museu Nacional de Arte (MUSART) que tem em exposição permanente o seu acervo de artistas moçambicanos e pontualmente organiza exposições temporárias, embora estas não tenham ainda muita implantação junto da sociedade moçambicana, existe a Escola Nacional de Artes Visuais (criada em 1983), que dá formação ao nível do ensino secundário e o ISAC – Instituto Superior de Artes e Cultura – o que constitui uma esperança na área da criação contemporânea. Há cerca de seis anos, de uma forma praticamente inesperada, surgiu um movimento artístico, o MUVART, constituído em 2002 por uma geração de novos artistas com idades compreendiadas entre os 25 e os 40 anos, que operou uma ruptura fundamental no tradicionalismo pictorial que entretanto se tinha instalado nos pequenos circuitos de encomendas do Estado, dos restaurantes e de algumas embaixadas. O MUVART nasceu para dar expressão a um movimento de procura de novas linguagens estéticas, contaminação de técnicas e de processos. Fruto de uma outra atitude mais internacional, alguns dos artistas membros deste grupo – Gemuce, Jorge Dias, Pinto, Anésia Manjate, Celestino Mudaulane – cedo se internacionalizaram, participando em exposições na Europa, África do Sul e Brasil. O circuito dos workshops tem sido igualmente importante para estes artistas. Contudo, a fragilidade financeira do país, a par de uma política cultural muito vocacionada para o nacionalismo cultural, não tem permitido que os artistas tenham as condições mínimas para um trabalho permanente e seja evidente a sua internacionalização nos mercados de arte. Não existem ainda colecções públicas de relevo. Um ensaio de colecção de arte contemporânea foi feito pela companhia aérea LAM, que cedo desistiu. O único coleccionador, que é simultaneamente o grande mecenas desta geração de artistas e comprador da maioria das obras que foram vendidas em Moçambique, é o engenheiro Álvaro Teixeira, mas a sua colecção não é pública. Não existem actualmente galerias locais profissionalizadas e as exposições são maioritariamente realizadas no Centro Cultural Franco-Moçambicano, actualmente com critérios de selecção muito abrangentes, e muito residualmente no Centro Cultural de Portugal. Curiosamente, a Embaixada da União Europeia não tem qualquer relevo nesta matéria. Depois dos anos de ouro da fotografia moçambicana, há hoje um pequeno grupo de fotógrafos cuja qualidade é evidente – Mauro Pinto, Luís Cabral, José Cabral, Funcho –, mas cuja capacidade ou vontade de se darem a conhecer, e portanto de partilhar as suas imagens, é pouco ousada. O MUVART, como qualquer movimento artístico, passados estes anos iniciou um processo de desagregação, mas ficou uma série de artistas cuja qualidade e pertinência artística são de realçar: Celestino Mudaulane, Gemuce, Gonçalo Mabunda, João Petit, Lourenço Pinto, Titos Mabote, Maimuna Adam, Jorge Dias. Nota do autor Este artigo só foi possível dada a generosa colaboração de José Bechara, Maria Vlachou, Sandra Lourenço, Esra Sarijedik, Federica Angelucci, Elisa Santos, Beatriz Bustos e Ana Barata a quem muito agradeço. António Pinto Ribeiro Nota da editora A primeira parte deste artigo está disponível em: www.artecapital.net/perspectivas.php?ref=107 |