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NICOLAU FACCHINETTI (1824 - 1900): PAISAGENS IR-REAISDENISE MATTAR2023-08-09
Nascido em Treviso, Facchinetti estudou arte em Veneza, chegando ao Brasil em 1849, estabelecendo-se no Rio de Janeiro. Apesar de pouco documentado, sabemos que seu início na cidade foi bastante difícil. Para sobreviver, ele criou cenários para peças teatrais e festividades, deu aulas de desenho e de italiano, e lutou muito para ser reconhecido pela hegemônica Academia Imperial de Belas Artes. Sua carreira deslanchou efetivamente a partir de meados da década de 1860, ao participar com sucesso da 16ª Exposição Geral (1864) e ao obter o diploma oficial da Academia de Belas Artes (1865) para lecionar a arte do desenho. A partir de então destaca-se no cenário artístico do século XIX, como um especialista em paisagens. Seu trabalho, enraizado na tradição descritiva e no verismo da pintura veneziana, tem o desenho como base. Sem se contagiar pelo uso da fotografia, que já era empregada por vários artistas, e talvez como uma afirmação de sua técnica tradicional, Facchinetti escrevia a pincel, no verso das telas, o nome do autor da encomenda, o local pintado, o ponto de vista adotado e, algumas vezes, a hora escolhida para fixar a paisagem, destacando as condições da luz natural.
Nicolau Facchinetti, Baía do Rio de Janeiro (do Alto da Boa Vista), 1874. Óleo sobre tela, 49 x 71 cm. [detalhe] © Jaime Acioli
A partir de 1869, passa a ter a família imperial como cliente, tornando-se um dos paisagistas preferidos da Corte. Cria então belas imagens como a Baía da Guanabara matizada de rosa e dourado, as edificações românticas nas praias do Flamengo, Botafogo e Niterói, a poética ilha de Paquetá, alimentando a visão europeia de uma nova civilização que surgia nos Trópicos – estratégia muito cultivada por D Pedro II. Nesse período, o artista também realizou pinturas extraordinárias de Teresópolis, Petrópolis, da Serra dos Órgãos e do Rio Paquequer.
Nicolau Facchinetti, O Paquequer em Theresópolis - Cascata na Fazenda Soledade, 1880. Óleo sobre madeira, 26 x 38 cm. © Jaime Acioli
Nas décadas de 1870 e 1880 Facchinetti pintou diversas paisagens de grandes fazendas de café no Vale do Paraíba, sempre por encomenda. A opção de utilizar um ponto de vista com efeito cenográfico, a ênfase nos elementos topográficos e a completa ausência, ou miniaturização de personagens, sempre marcaram a obra do artista. Essas características se repetem nas pinturas das fazendas, e assim, embora registre de forma incipiente o trabalho escravo, Facchinetti não omite as amplas áreas de terra desnuda evidenciando a devastação ambiental, o esgotamento do solo e os resultados danosos da erosão. Seus quadros são assim fontes privilegiadas para a análise da implantação das fazendas e do invasivo cultivo do café no século XIX. Na década de 1860, o Rio de Janeiro sofreu uma das maiores secas de sua história, decorrente da ocupação desordenada, do desmatamento indiscriminado, e do cultivo agressivo do café. A crise hídrica levou D. Pedro II a ordenar a proteção dos mananciais e o reflorestamento, resultando no Parque Nacional da Tijuca. Hoje considerada visionária, a decisão foi criticada na época, pois o imperador desapropriou as chácaras dos nobres que haviam se instalado naquela região. Desde a década de 1840, havia na Academia Imperial de Belas Artes uma linha de crítica ambiental capitaneada por Félix-Émile Taunay. Facchinetti sempre se interessou mais pela paisagem urbana do que pela mata virgem, e, ao registrar em suas pinturas os danos causados pela ocupação humana, sua produção dialogou diretamente com essa vertente. Facchinetti dava muita importância ao fato de pintar ao vivo, e, quase sempre, registrava no verso de suas telas como, quando, e por que as fizera. Apesar de se preocupar com a verossimilhança, seu olhar operava de forma muito peculiar. Ele escolhia pontos de vista panorâmicos, quase cenográficos, aos quais acrescia um olhar detalhista que chegava à miniatura. Na definição de Luís Marques, era um olhar “cinemascópico”, que ia do infinitamente grande ao infinitamente pequeno. Eram paisagens reais, concebidas de modo irreal.
© Danielian Galeria
Abrindo as comemorações do bicentenário de nascimento de Facchinetti, a Danielian Galeria, no Rio de Janeiro, realiza até 12 de Agosto a exposição “Facchinetti (1824-1900) – Paisagens (Ir) reais”, reunindo um conjunto significativo de obras do artista, que, no século XIX, foi um dos artífices da imagem do Rio de Janeiro como uma cidade encantada e mágica, a cidade maravilhosa – que cabe a nós recuperar!
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