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RREVOLUÇÃO! - PARTE 1PEDRO POUSADA2017-06-30A Artecapital publica aqui o primeiro de um conjunto de três textos a propósito do projecto Rrevolução!, uma proposta do Colégio das Artes que inaugurou no passado dia 24 de Junho, com a curadoria de António Olaio, Alice Geirinhas, Pedro Pousada e Ana Rito, e que pretende reflectir sobre a relação do Modernismo com a Revolução Russa. Por ocasião da celebração em 2017 dos 100 anos da Revolução de Outubro, o Colégio das Artes da Universidade de Coimbra organiza uma programação, com início neste mês de Junho, onde se incluem exposições, conferências, concertos e publicações, incluindo um livro que reproduz os cartazes criados pelos 56 artistas e designers, editado pela Stolen Books em parceria com o Colégio das Artes e com design gráfico de José Maria Cunha. O primeiro texto aqui publicado é da autoria de Pedro Pousada e faz uma síntese do projecto curatorial, apresentando as várias propostas expositivas que podem ser visitadas até 31 de Outubro deste ano.
A Revolução dirigida pelos bolcheviques desenvolveu uma fratura civilizacional ainda mais profunda e irreversível que a Revolução Francesa, uma fratura que, tanto entre os que a defenderam e defendem como entre os que a hostilizam e negam, reconfigurou a modernidade e o seu projeto. Uma nova ordem social e cultural ergueu-se alterando profundamente a relação de forças entre Trabalho e Capital e introduzindo no campo político e depois da experiência falhada da Comuna de Paris uma nova conceção de Estado e de Sociedade baseada no socialismo e ambicionando ulteriormente o comunismo. Ignorar o significado e a escala gigantesca das transformações sociais, económicas e culturais desta experiência política coletiva é como tentar ignorar a imensa massa de água que separa os continentes. Outubro de 1917 foi para as vanguardas heroicas o interface histórico em que estas compreenderam retroativamente a sua ontologia mas também o seu lugar presente na grande História, na experiência violenta e imprevisível da modernidade e da modernização. O Colégio das Artes, unidade orgânica de ensino e investigação da Universidade de Coimbra, pretende associar-se à efeméride e foi nesse sentido que a equipa curatorial constituída por Ana Rito, António Olaio, Alice Geirinhas e Pedro Pousada desenvolveu na Galeria do Colégio das Artes um conjunto de iniciativas de caráter expositivo e editorial que, no plano da cultura artística contemporânea, convergem para um dos aspetos mais fortes e definidores deste acontecimento histórico: o envolvimento político da vanguarda cubo-futurista russa na dinâmica revolucionária. Na primeira sala domicilia-se a exposição “ROSTA REBOOT” com curadoria de António Olaio, Alice Geirinhas e Pedro Pousada para a qual convidaram-se 55 artistas e designers contemporâneos para conceberem cartazes inspirados na produção gráfica dos cartazes ROSTA (acrónimo da Agência Telegráfica da Rússia, cartazes de agit-propaganda realizados entre 1919 e 1921 por Mayakowsky, Dmitry Moor, Rodchenko entre outros) mas também influenciados pela n cultura visual que na Rússia pós-revolucionária se materializou na obra gráfica e propagandística de artistas como Rodchenko, El Lissitizky, Gustav Klutsis, e os Irmãos Stenberg, assim como na plasticidade construtivista e suprematista que se hibridizou nas experiências editorias e de design das revistas LEF(1923-1925), Novy LEF (1925-1929), Veshch/Gegenstand/Object(Março-Maio 1922) e Baum in SSSR. O principal propósito desta “provocação” era ampliar para a nossa contemporaneidade esse momento de alteridade e de conjunção dialética entre Modernismo e Revolução. Pretendeu-se que por analogia ou numa atitude mais diferida e menos mimética os artistas envolvidos neste projeto contrastassem o colete de forças que é a mensagem política com a experiência de liberdade e provocação conceptual que define a arte do século XX e aquela que se define no limiar deste século. Na sala encontraremos as contribuições de Albuquerque Mendes, Alice Geirinhas, Ana Boavida, Ana Catarina Fragoso, Ana Pérez-Quiroga, Ana Rito, António Melo, António Olaio, António Silveira Gomes, Armando Azevedo, Avelino Sá, Beatriz Albuquerque, Bruce Gilchrist, Bruna Sousa, Daniel Nave, Elisa Pône, Felippe Moraes, Fernando José Pereira, Fernando J. Ribeiro, Francisco Queirós, Isaura Pena, Jo Joelson, Joana Monteiro, João Bicker, João Fonte Santa, João Silvério - Empty Cube, José Maçãs de Carvalho, José Maria Cunha, José Pedro Croft, Luís Alegre, Manuel João Vieira, Miguel Ângelo Rocha, Miguel Palma, Miguel Soares, Nuno Coelho, Nuno Sousa Vieira, Paul Hardman, Paulo Mendes, Pedro Amaral, Pedro Cabral Santo, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Pedro Pousada, Pedro Proença, Pedro Sousa Vieira, Pedro Tudela, Pedro Valdez Cardoso, R2 – Artur Rebelo e Lizá Ramalho, Rita Castro Neves, Rita Gaspar Vieira, Rodrigo Oliveira, Rui Matos, São Trindade, Susana Chiocca, Susana Mendes Silva, Vanda Madureira, Vânia Rovisco, Victor Pires Vieira, Vladimir Pliassov, Zulmiro de Carvalho. Na segunda sala seguinte e com enquadramento curatorial de Ana Rito situa-se o projecto “AGITKI! - Imagens (e sons) para uma Revolução” onde pautam nomes fundamentais da cinematografia soviética como Eisenstein, Vertov, Kuleshov, Dovzhenko, Protazanov, Komissarenko entre outros. AGITKI! é constituído pela projeção de filmes que relevam a importância da imagem-tempo, das suas técnicas de associação e disjunção como processos criativos, modernos e que neste contexto foram pioneiros na reconfiguração das mentalidades e expectativas políticas das populações das cidades e dos campos do nascente Estado Soviético. O Cinema, tecnologia do espaço-tempo, dos objetos e corpos em movimento ou em repouso dinâmico, de um diálogo temporal entre luz e sombra tornar-se-á no entendimento de Lénine no mais eficaz dispositivo político –mais ainda que a literatura político-panfletária - para o despertar crítico e a consolidação decisiva de uma cidadania proletária capaz de entender, problematizar e tomar posse do mundo através do conceito da luta de classes e capaz também de compreender o posicionamento político-ideológico como um assunto quotidiano, permanente e ao mesmo tempo multinacional e histórico. Nas palavras de Ana Rito “As vanguardas históricas das décadas de 1910 e 1920 inauguram este desejo corrosivo de desmantelamento ou desvelamento: da materialidade do suporte fotoquímico, do processo de montagem e da própria plasticidade da imagem movente.“ A terceira sala é constituída pela projeção de um frame do storyboard de um filme soviético “O Ano 2017” desenvolvido em 1960 por V. Strukova e V. Shevchenko para os estúdios de cinema Diafilm. Na tradição das ficções científico-políticas que conjugam socialismo científico, um futuro tecnolátrico e viagens cósmicas como o eram a Aelita de Alexander Tolstoy e Protazanov, o Proletário Voador de V. Mayakowsky ou as visões pioneiras de Nikolai Tsiolkovsky e sem os relapsos distópicos do Moi (Nós) de Zamyatin, os autores imaginam uma futura U.R.S.S cujo projeto se expandira à restante humanidade e que seria dominada pela energia atómica, a automatização cibernética e o otimismo existencial. O interesse de fazer renascer este storyboard releva também de falar dos limites de verosimilhança de todos os futuros imaginados e deste em particular cujo milenarismo hoje não existe na atualidade concreta e vivida do nosso 2017 mas como que nos recorda, parafraseando Victor Hugo, que a utopia devolve a dignidade à humanidade explorada mas não lhe pode prometer a felicidade, esse é um assunto privado e singular de cada um de nós. Na quarta sala da exposição Rrevolução! encontramos uma intervenção de Pedro Cabrita Reis, intitulada “A REVOLUÇÃO SOU EU” em que um dos arrumos da Galeria adquire uma densidade monocromática. A volumetria somática desta estrutura de retaguarda, acumulação construtiva dos usos e desusos da antiga função hospitalar do edifício do Colégio das Artes ressurge pintada de um vermelho intenso, saturado com as ressonâncias políticas e doutrinárias que esta cor adquiriu desde as convulsões revolucionárias da Paris de 1848. Cor violenta e solar, da hemorragia e do homicídio mas também cor da regeneração e do agenciamento dos danados da História ela ganha nesta instalação o valor de um intervalo entre o encriptamento semântico da pintura abstrata (quer os seus limites comunicativos, quer o que esta pintura denota de um pensamento e como ela própria se constitui como pensamento) e uma nova forma de posicionar a melancolia da ausência (a representação) no plano da imagem, no que nela é retiniana e superfície mas também no que nela é imersiva e corpórea. No vazio clínico que conforma o espaço expositivo percebemos uma interrupção em que o abstrato, o opaco, e o concreto, a experiência humana se tornam propriedades da mesma superfície efémera. Finalmente decorrerá no Quarto 22 e com curadoria de António Olaio a exposição “UM QUADRADO NUM CUBO NUM QUARTO” onde se expõe imagens das sucessivas experiências efémeras do projeto independente Empty Cube criado pelo Curador João Silvério. Será uma narrativa fotográfica e redistribuida “deste espaço fechado, vazio e com dimensões reduzidas” onde múltiplos artistas confrontam os seus programas e metodologias com as aporias e possibilidades de uma existenzminimum portátil, de um espaço crítico da arte como aquele problematizado por João Silvério.
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