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LE GRAND TOUR - LE BIG MACLÍGIA AFONSO2007-09-20Os eventos colectivos mais significativos na cena artística europeia actual surgiram este ano geograficamente enquadrados no Grand Tour, histórico fenómeno europeu de viagem característico dos séculos XVII a XIX agora mediaticamente extrapolado para a contemporaneidade, beneficiando da sua excepcional convergência temporal. O Skulptur Projekte Münster, a Documenta, a Biennale di Venezia e a Art Basel acontecem, respectivamente, a cada dez, cinco, dois e um ano, e 2007 é a data assinalada do seu primeiro alinhamento cósmico no século XXI. Os Grand Touristes que este Verão optaram, em detrimento da preguiça ociosa das praias, por aceitar o hercúleo desafio do percurso sugerido entre Münster, Kassel, Veneza e Basileia, puderam, rentabilizando recursos, confirmar in loco as especificidades concretas de cada um dos eventos. Do institucional GrandTour2007 às “petitours” emergentes na geografia alargada das bienais, trienais, feiras de arte e afins, a histeria da oferta colectiva parece inesgotável. Portugal é a periférica excepção nos percursos e na representação. A ideia setecentista da obrigatoriedade da viagem e da observação directa do local como motor de conhecimento do mundo deu lugar a uma nova e prestigiada categoria de viajantes aristocratas. Durante vários meses, ou anos, jovens oriundos do Norte da Europa iniciavam-se na aprendizagem das culturas autóctones dos países que visitavam munidos de textos-guia publicados por viajantes anteriores. O desejo de expansão e liberdade que os motivava não se inibia com a precaridade das condições de hospedagem que iam encontrando até chegar a Roma, cidade-graal de toda a demanda, de onde sonhavam trazer registos (das suas antiguidades, ruínas e paisagens) que legitimassem a excelência da sua aventura, desejadamente conducente à sua introdução nos circuitos das elites intelectuais da época. O desenvolvimento massivo das redes ferroviárias e a consequente democratização da mobilidade colocou fim ao Grand Tour que se revela hoje, no entanto, protótipo do turismo cultural contemporâneo. O GrandTour2007 é uma ideia desenvolvida pelo conjunto das organizações dos quatro eventos que nele se inscrevem, uma congregação de esforços para atrair o máximo de visitantes e facilitar a sua mobilidade no percurso de exposição em exposição, assim como o acomodamento nas cidades que as hospedam. A consciência de que a convergência beneficiaria a mediatização conjunta mas prejudicaria cada um dos eventos em particular, do ponto de vista da deslocalização do circuito, obrigou a uma eficácia empresarial no acerto das datas inaugurais. Diversas e quase paradoxais nas suas motivações, propostas, formatos, intenções (mais ou menos declaradas) e históricos elementos de contraforça e de desequilíbrio do sistema, encontram-se agora oportunistamente reunidos sob uma mesma plataforma virtual. A parceria não potencia, porém, nada para além de um retorno publicitário relativo. É um diagrama vazio, uma ideia em potência, um instrumento de marketing sem consequências. Não conceptualiza nem produz discurso ou conteúdos, sacrificando, inclusivamente, o interesse temático da sua própria génese entre a convergência e a divergência. O site disponibilizado para o efeito é deliberadamente comercial: agencia agências de viagens de luxo para turistas sofisticados. A especulação sobre a possibilidade de adequação dos viajantes às características intrínsecas dos lugares deu lugar a uma bagagem informativa interrelacional prévia que assegura a ausência da surpresa. As expectativas são relativas e o tempo investido é diminuto. A homogeneidade cultural é directamente proporcional ao conforto experimentado. A digestão massiva de objectos é privilegiada em detrimento da vivência demorada da sua especificidade. O consumo imediato responde à urgência da próxima paragem. Já a seguir, de avião (com ou sem escala), jacto privado, automóvel de alta cilindrada, veleiro, gôndola ou bicicleta. A dispersão dos locais de recepção das obras no contexto de cada um dos eventos procura, sem grande eficácia, relativizar o efeito unidireccional do trânsito dos visitantes. Sem desvios românticos, sem rotas inesperadas, sem contrabandistas ou burlões. Com guias de bolso sintéticos, rigorosos, impessoais a substituir os romances de apontamentos exóticos. Com sites informativos a substituir redes de conhecimentos locais. Sem aventura de viagem. Com o trabalho como força motriz para coleccionadores, curadores, artistas ou críticos, ou o ócio e o conhecimento desinteressado para os curiosos, paradigmas sociais que os viajantes da época do embrionário Grand Tour desconheciam. Alta cultura, baixo risco, topo de gama, o Grand Tour é o Grand Slam da arte. É um mega-evento comercial camuflado por uma actualização intelectual do circuito. É o palco do negócio, com ou sem transacção imediata, do investimento para retorno económico dos agentes envolvidos. Um lugar de encontro fora de portas (aqui conservando uma certa atmosfera exótica) dos intervenientes de sempre para actualização de cartões de contacto. A política, os benefícios sociais, a qualidade de vida, a educação e a inclusão centralizam as abordagens temáticas mas são demitidos de implicações práticas. Desejam-se, no entanto, com cordiais votos de sucesso, para um futuro (leia-se curador) próximo. Lígia Afonso LINKS www.grandtour2007.com www.artbasel.com www.artbaselmiamibeach.com www.documenta12.de www.labiennale.org www.skulptur-projekte.de www.tresbienn.com www.athensbiennial.org www.iksv.org/bienal www.biennale-de-lyon.org |