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11èMES RENCONTRES INTERNATIONALES PARIS/BERLIN - SEGUNDO EPISóDIO: O CINEMA NO TEATRO OU O FUTURO VíDEO-TEATROSÍLVIA GUERRA2006-12-04As exposições de arte cinemática Terça-feira e quarta-feira (28 e 29 Nov.) “O mundo é um palco”. Nunca gostei desta imagem salvo quando é utilizada com grande ironia. No entanto, as obras de arte cinemática desta edição dos Rencontres estiveram expostas num palco de teatro. Esta cenografia de exposição não deixa de ser irónica, pois não é apenas o museu que acolhe nas suas colecções arte cinematográfica experimental e expõe essas obras lado a lado com a pintura e a escultura; hoje, o teatro também integra e serve de plinto à arte vídeo. Desde o início da história do cinematógrafo, tornou-se uma prática corrente exibir os filmes nas salas de teatro e, nos anos 20 e 40, surgiu mesmo uma categoria de edifícios sob o nome de cine-teatro. Esta estratégia foi adoptada para tornar estas salas rentáveis de um ponto de vista económico: ao público do teatro juntava-se o público do cinema. Em Portugal temos belíssimos exemplos de cine-teatros como o Curvo Semedo em Montemor-o-Novo, o Neiva em Vila do Conde e em Paris, o Ranelagh (XVIè Arrondissement). A aliança não é nova mas não deixa de ser surpreendente entrar no palco do Theatre Paris-Villette, inserido no complexo de La Villette, projectado por Bernard Tschumi (1983-1998) e encontrar mais de 15 ecrãs e projecções sobre tela com uma plateia vazia. Após as teorias sobre a morte do teatro, segue-se a da morte do cinema em película e nasce uma nova categoria: o vídeo-teatro. Dentro das quatro secções da exposição colectiva sob as seguintes temáticas - “Media Critique”, “Le Marché du Monde”, “Abstracts” e “Paysages” - destaco os trabalhos de Gwen Macgregor, “3 months Toronto/New York” (2006) que traça, graças a um aparelho GPS, as suas deslocações a Toronto e a Nova Iorque com a aplicação própria dos novos meios de controle e orientação que são utilizados a nível mundial. A peça cria um desenho num picotado “pontilhista” dentro do ecrã branco. Outro trabalho muito minimalista pela depuração do preto e branco da imagem, alternando vídeo e web design é “WS2” (2004) de Seoungho Cho. Vemos esta peça sentados em frente a um ecrã de computador e a animação das imagens transporta-nos para uma verdadeira paisagem de neve e trilhos de comboios que não sabemos onde nos pode levar dentro da hipnose que nos provoca. Numa das entradas de palco é projectado o filme em super 8 de Victor Sloan, “Walk” (2004) e as imagens deste desfile militar tradicional irlandês remetem-nos para a realidade encarnada das imagens em matéria argentica. Este filme, como todos os filmes em película, ganha a sua verdadeira dimensão quando é projectado em ecrã de grande formato, enquanto que, os trabalhos em vídeo numérico podem ser vistos em nossa casa no leitor de DVD. A posição mais confortável para o espectador da arte vídeo é estar sentado no sofá e frente ao ecrã do computador portátil. Quinta-feira (30 Nov.) A programação dos Rencontres prosseguiu com diversos destaques entre os quais a dança e a arte vídeo da Indonésia pós-1999 que, apesar de se auto-proclamar sintomática e documental da Jacarta desse período até aos nossos dias, não propõe nenhuma reflexão ou referência ao extermínio da população de Timor-Leste: Jacarta “a city of desire” (2001)? como é o nome do vídeo de Ariani Darmawan. Sexta-feira (1 Dez.) The day of Godard, ou carta branca ao cineasta que tanta polémica causou este ano devido à sua exposição no Centre Pompidou. - Helàs pour nous! Godard não esteve presente na sessão de filmes programada por ele e Anne-Marie Mieville mas ficou a homenagem em quatro filmes em DVD: “De l’Origine du XXIè siècle” (2000), “The Old Place” (1999), “Libertè et Patrie” (2000) e para finalizar “Je vous salue Sarajevo” (1993). A curta-metragem “The Old Place” é um ensaio sobre o papel da arte no final do século passado, fala-nos da arte e dos museus e do cinema no meio de tudo e foi uma encomenda da instituição homónima do Centre Pompidou em Nova Iorque, o MoMA. Sábado (2 Dez.) The final day O programa do último dia dos Rencontres é a “cerise sur le gâteau”: No cinema l’Entrepôt é dada mais uma carta branca ao cineasta francês Andre S. Labarthe que apresentou dois documentários: um dedicado a um cineasta cuja obra focaliza as mutações do próximo século “David Cronenberg” (1999), e um outro a um pintor que retratou os horrores dos campos de concentração “Bruno Schultz” (1998). Seguiu-se a homenagem aos cineastas Danièle Huillet (recentemente desaparecida) e a Jean-Marie Straub “Pensées a.. ”, com a presença de Pedro Costa. Pedro Costa apresenta “Six Bagatelles”, os “extras” da longa-metragem “Ou gît votre sourire enfoui” (2001). A noite passou-se na Cinemathèque Française, que se localiza numa zona da cidade reabilitada para o lazer e actividades desportivas de fim-de-semana. O lugar de culto do cinema e da sua história deixou o Trocadero e a vista sobre a Tour Eiffel e, desde 2005, encontra-se dentro de um edifício concebido para ser um American Center em Paris (projecto de Frank Gehry 1993), em preparação para receber nas suas colecções o cinema em película, (re-)criado pela arte vídeo, ou seja o cinema acolhe o vídeo. O cinema começou por ser a arte popular a que nem mesmo a classe burguesa tinha interesse em assistir e manteve-se uma arte ambulante até à substituiçao da venda de filmes pelo seu aluguer levada a cabo pela distribuidora Pathè. Em 2006, o cinema em película produzido por cineastas artistas na Europa é um objecto de luxo. A afirmação não é minha é de Jean-Marie Straub em “6 Bagatelas” de Pedro Costa. O vídeo impõe-se como a arte do mercado que poderá vir a ser tão facilmente distribuída como uma consola de computador. E uma forma de arte é ambulante no sentido em que pode ser exposta em galerias, museus, teatros. O museu cumpre hoje a sua função de aquisidor de arte contemporânea para as suas colecções públicas ao comprar obras de arte vídeo. O vídeo pensa a arqueologia da imagem e da ficção como fazem a dupla Muller-Girardet ou Gregg Biermann (“The Hill’s are alive”, 2005) ou ainda Johan Grimonperez (“Looking for Alfred” – work in progress, 2006) e são estas as obras produzidas hoje no cruzamento destes dois meios da imagem. Paris é a capital do século passado em cinema, Berlim a pátria do autor desta citação (Walter ßenjamin 1892-1940) e com os Rencontres Internationales as duas cidades questionam estas problemáticas levando o vídeo a palco: Ele torna a ser a voz do povo? É de salientar o grande número de obras portuguesas em todos os domínios da 11ª edição dos Rencontres e a presença de vários cineastas e artistas nacionais, bem como a escassa afluência de público. As sessões eram visionadas sobretudo pelos artistas e jornalistas que se deslocaram para seguir este evento. |