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3 X 9 - PRÉMIO PAULO CUNHA E SILVACONSTANÇA BABO2023-07-05 Portanto, o prémio em causa institui uma importante ocasião para o recordar e celebrar, dando continuidade a alguns dos seus principais desígnios, nomeadamente a promoção e a disseminação da criação artística mais jovem e atual. Ora, esta terceira edição do projeto comporta um novo formato. Para nomear os nove criadores a expor, a organização convidou três figuras com um percurso reconhecido na arte contemporânea: Ângela Ferreira, artista e curadora luso-moçambicana, Hicham Khalidi, diretor da Jan van Eyck Academie (Maastricht, Limburgo) e Tabitha Thorlu-Bangura, programadora cultural prestigiada na cena artística londrina. Dos artistas selecionados, três serão premiados para a concretização de uma residência artística em três instituições prestigiadas, ou seja, o Arquipélago Centro de Artes (São Miguel), o Cove Park (Escócia) e o Pivô Arte e Pesquisa (São Paulo). Saliente-se, igualmente, a artista Zaituna Kala, que construiu um dos espaços mais singulares da exposição, no qual se ergue um ambiente imersivo e convidativo a uma distinta experiência. Com o título Je, l’archive (2020) a instalação é composta por esculturas de vidro, almofadas e elementos sonoros. Kala tem trabalhado o arquivo, tanto ao nível da sua importância como objeto de significação e memória, como enquanto instrumento para analisar e reescrever a história. Debruça-se, sobretudo, sobre o colonialismo e, nesse enquadramento, sobre os abusos, as violências e os estereótipos instaurados.
Kent Chang, Warm Fronts, 2021. Vídeo de quatro canais 61'14" e painel em plexiglass espelhados e serigrafia.
Hicham Khalidi, por sua vez, nomeou o iraniano Rouzbeh Akhbari e dois artistas sediados nos Países Baixos, Kent Chang, de Singapura, e Hira Nabi, do Paquistão, sendo a obra desta última merecedora de destaque. How to love a Tree I & II (2023) é uma produção multimédia com som e serigrafia, cianotipia e impressão sobre tecido que alerta para a crise climática. Expõe a contínua e massiva destruição da biodiversidade das florestas paquistanesas, notadamente, das que circundam as cidades Murree e Galiyart. Ao lado, o vídeo Wild Encounters (2023), também de Nabi, que consolida um corpo de trabalho que, de certo modo, se expressa enquanto manifesto das ecologias vulneráveis e das paisagens em risco, apelando aos sentidos de responsabilidade ambiental e comunidade. Também se evidencia a obra de Akhbari, na medida em que se trata da instalação mais ampla, densa e complexa da exposição. Intitulada Por ser a Terra Muito Calmosa (2023) distribui-se ao longo de uma ampla zona do piso superior da Galeria e nela se cruzam vários elementos, tais como uma série de desenhos da autoria do avô do artista. Constrói-se uma narrativa histórica e cultural, mas simultaneamente pessoal, na qual é requerido imergir, precisamente, com calma. Já o núcleo eleito por Tabitha Thorlu-Bangura reflete o conhecimento desta sobre a cena artística do Reino Unido, onde se formou a artista Maren Karlson, embora de naturalidade alemã e residente em Los Angeles. Os outros dois criadores expostos, a britânica Eve Stainton e o caribenho sedeado em Londres Malik Nashad Sharpe (Marikiscrycrycry), que transitaram das artes performativas para as plásticas, sendo, precisamente, aquilo que aqui se exibe, o resultado da confluência destas duas práticas. Assim se consolida, nesta terceira edição do Prémio PCS, uma heterogeneidade e uma multiculturalidade meritórias. Quanto à visita à Galeria Municipal, esta tende a desenrolar-se num ritmo acelerado, conduzido por uma sucessão ininterrupta de vários estímulos que, em lugar de se conciliarem, muitos deles se emaranham de modo desconexo e, alguns, inclusivamente, de modo abrupto e chocante. Não obstante, a par desses contínuos confrontos, estabelecem-se possíveis diálogos e ligações, que podem orientar leituras e experiências desafiantes. Entre junho e julho decorrerá o programa 9x9 Narrativas Possíveis, composto por nove visitas guiadas, cada uma dedicada a um dos artistas. Os vencedores do prémio serão nomeados até ao encerramento da exposição por júris designados pelas três instituições parceiras, mais especificamente, a curadora Marie Hélène Pereira por parte do Arquipélago, a artista canadiana-irlandesa Ciara Philips pelo Cove Park, e a artista Letícia Ramos pelo Pivô. Entretanto, contemple-se o que consiste num conjunto de trabalhos sui generis, alternativo, irreverente e, com efeito, representativo da pluralidade e da diversidade pelas quais se pautam as novas gerações da arte contemporânea.
Constança Babo |