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Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


© Ângela Berlinde


© Ângela Berlinde


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


© Ângela Berlinde


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


© Ângela Berlinde


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Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


© Ângela Berlinde


Vista da exposição Transa_ Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. Cortesia Museu Nogueira da Silva


© Ângela Berlinde

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“Tupi, or no tot Tupi, that is the question. […]
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.”

Oswald de Andrade, Manifesto Antropófago, 1928.

 


Em Transa_ Baladas do último sol, a artista portuguesa Ângela Berlinde atreve-se a ouvir os gritos silenciados da história e do presente, e adentrar o caos. Um caos externo, mas também um reordenamento interno, uma cacofonia do sensível, do poético, da linguagem, uma travessia transatlântica entre dois países ligados pelo expansionismo da história moderna. Ângela Berlinde mergulha no seu arquivo para extrair formas e funções poéticas e políticas a partir da conjuntura cartográfica que a levou a habitar, na última década, duas terras intrinsecamente conectadas pelo expansionismo da história moderna: a sua terra natal, Portugal, e o filho mestiço, Brasil. Aqui se traçam inúmeras histórias que ganham vida na exposição e fotolivro que se apresentaram, de forma inédita, em Portugal.

Este é um caos-desvio-movimento-dança transhistórico, transcultural, transdisciplinar. Um caos de arquivo e uma demanda de roteiro, de origem e destino, de identidade e visualidade.

Diz-se que Glauber Rocha detestou cada minuto da rodagem de sua obra magistral, Terra em transe (1697), porque sabia que era um filme profético. E eis que, mais de meio século atrás, o poeta e jornalista Paulo Martins, protagonista do filme, diz ao candidato religioso à presidência: “As nossas riquezas, as nossas carnes, as vidas, tudo. Vocês venderam tudo!”

Será este, o nosso último sol? Quantas re-encenações da violência das novas origens repetiremos até termos vendido, de facto, tudo? Tupi, or not Tupi, that is no longer the question. O que fazer? O que sentir?

No decurso das suas pesquisas de doutorado e pós-doc, Ângela passou a última década morando entre o seu Portugal natal e o Brasil, adentrando no gigante dos trópicos num movimento cada vez mais centrípeto – da academia para o sertão do Nordeste e da fotografia para as luzes e as sombras da floresta amazónica. Mais de dez anos de experiências transatlânticas foram construindo um corpo imagético ora documental, ora antropológico, e crescentemente impulsado por um olhar afetivo, sensível e poético.

A partir de Terra em transe, Glauber Rocha converte a sua “Eztetyka da fome” (manifesto escrito em 1965) na “Eztetyka do sonho” (1971), ao compreender que, para além da exaltação paradoxal da violência, a única linguagem de transformação possível é aquela que se transforma intrinsecamente, que apela ao sem sentido para revelar o absurdo do real: uma linguagem onírica, mágica.

Da violência estomacal à alegoria, da confrontação discursiva direta ao hibridismo das formas de ver, usar, sentir, o tropicalismo dos anos 1960 e 1970 no Brasil retoma o pensamento antropofágico de Oswald de Andrade e com revolta e resistência nos dentes e pulsão criativa a explodir de subversão e tesão, marca um antes e um depois na história cultural brasileira. Arte e vida se fundem, o campo da representação assume um novo papel e uma nova definição: “Seja marginal, seja herói”, escrevera Hélio Oiticica no bólide dedicado ao bandido conhecido como Cara de Cavalo, embaixo da imagem de seu corpo baleado, no chão.

 

© Ângela Berlinde

 

 

Em Transa_ Baladas do último sol, Ângela abre-se à experimentação para criar uma obra híbrida e multidisciplinar que recorre à fotografia, à literatura, à banda desenhada, à pintura e ao cinema, incorporando diversos recursos artesanais, digitais, analógicos e escultóricos, construindo um trajeto inspirado pela estética do afeto mas, também, possivelmente, inverso à sua obra anterior “Coração de Índio”.

O olhar da artista é retrospectivo e experimental, o que implica um movimento perceptual dual de dentro para fora, e de fora para dentro. Nessa cartografia híbrida, móvel, o ecossistema dominante é o do espaço “entre”: entre-tempos, entre-técnicas, entre-etnias, entre-espécies, entre-linguagens, entre-formatos, entre gritos e sussurros, realidade e ficção, tristeza e exaltação.

 

Fotolivro TRANSA, Baladas do último sol, de Ângela Berlinde. 77 fotografias, 10 cadernos Bd, uma pagina quadrática. Edição limitada de 300 cópias, assinadas pela autora.

 

 

Na exposição que se abriu à cidade de Braga, de 21 de Janeiro a 11 de Março, juntamente com o lançamento do livro, na galeria do Museu Nogueira da Silva, a artista aprofunda estratégias formais e conceituais para dar significado à travessia. Um elemento crucial desta obra é a invocação da figura de Iracema, a virgem dos lábios de mel do romance de José de Alencar, mulher indígena da tribo Tabajara que representa a pureza, a confiança e a entrega da terra virgem. Além de incluir bandas desenhadas de uma história em quadrinhos da célebre Lenda do Ceará, na exposição a presença de Iracema faz-se sentir de maneira inesquecível a partir de um gesto perspicaz e subtil: uma lágrima cristalizada denota a tristeza de abandono em seus olhos, detalhe de uma imagem escura, de fundo negro, apropriada de um fotograma do filme de Carlos Coimbra (Iracema, 1975).

 

© Ângela Berlinde

 

 

Alegoria, história e ficção do real invadem o presente e ali ficam, para embaralhar a linearidade da História ocidental e reabrir a história mal contada e resolvida. A fotografia aqui entra como ferramenta de seleção, enquadramento, corte, registro e dispositivo de livre apropriação, ressignificação, transferência espacial e reconstrução pictórica de uma obra que nasce no imaginário europeu colonial na selva colonizada, e retorna, agora, em imagens pictóricas, apontando a flecha do nativo cativo de volta ao seu progenitor, ou, quem sabe, a quem? Eis a questão. Uma obra repleta de ironia, e assim mesmo, imensamente amorosa. Eis uma resposta. 

A utilização de elementos ornamentais e de pigmentos e minerais em estado natural interrompe a continuidade plana da superfície bidimensional da imagem fotográfica e dirige o olhar ao significado do estranhamento. A lágrima de Iracema nos conduz diretamente ao final trágico de sua história, e assim sendo, à atualidade da condição indígena e ecológica no Brasil. As imagens contidas em caixas que à sua vez contêm pó de urucum, entre outros pigmentos nativos, instauram um jogo com as possibilidades da percepção do olhar, e da imaginação. Mexendo as caixas para os lados, cobrimos mais um lado da imagem e desenterramos outro, e vice-versa. A história está viva e em constante reconstrução.

Assim, nesta obra, os elementos que hoje lutam contra a ameaça de sua própria extinção foram transformados em raios X, radiografias das almas que irão sussurrar em nossos ouvidos sobrevoando as terras queimadas e aplanadas da Amazônia, vazias de sua densa fauna e flora tropical, se as coisas continuarem a andar na direção em que estão indo. Claudia Andujar luta há mais de cinco décadas pela proteção do índio e do ecossistema sadio, natural da Amazônia, do Brasil, do mundo. O fúcsia infravermelho de sua inesquecível obra-grito de 1976, a maloca do rio Catrimani rodeada por uma selva tão protetora quanto vulnerável, vem à mente nas imagens que, aqui, Ângela assinala por meio do mesmo bramido estético.

 

© Ângela Berlinde

 

 

Homenagem a esta luta que se faz cada vez mais urgente, a oca infra-vermelha de Ângela recebe um banho de purpurina, a vista aérea do encontro dos rios na grande selva é cor de rosa, e o sol da última balada, fúcsia, também. Rosa também são as aves pintadas sobre uma paisagem preto e branco, as palmeiras do açaí e o papagaio, a casa no rio, a boiada, o limiar tênue entre o fogo e a liberdade.

Paixão, vida, tesão, risco, grito, ardor, fogo, o terreno crepuscular entre a vida e a morte, território nativo, terra ancestral, direito de toda a humanidade. Há gestos – porque estas estratégias de intervenção sobre a imagem fotográfica são gestos de identificação, estranhamento e classificação – que trazem à consciência o pensamento acerca da magia e do onírico do segundo e último manifesto de Glauber Rocha. Diante da impotência e da perplexidade com os rumos políticos do Brasil pós-golpe de 64, o horror das ditaduras militares, o transe político e de consciências, a perda total da liberdade, Glauber se dirige a uma nova questão, a mesma que guia a inquietação de Ângela Berlinde em Transa_Baladas do último sol: não faz sentido lutar no campo da razão opressora, mas nos territórios da desrazão, do absurdo e do mito.

Só que no lugar da violência transgressora, para atravessar o adormecimento do sentido e da sensibilidade, Ângela apela à gestualidade da estética do afeto e insere uma lágrima de cristal no olho de Iracema, preenchendo de luz tudo aquilo que parece estar sendo jogado às margens escuras do abandono e do esquecimento. A história continuará a insistir: a lágrima de Iracema nos interpela com dor e amor, e nos deixa sem palavras: não poderemos esquecê-la. E que assim seja.

 

 

Veronica Cordeiro
Artista, curadora, empreendedora da sustentabilidade e escritora brasileira radicada em Montevidéu, Uruguai.