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O OUTONO DAS FEIRAS DE ARTE CONTEMPORÂNEA NA EUROPASÍLVIA GUERRA2010-10-26Capítulo 2 Art Forum (Berlim) ∗ ABC - Art Berlin Contemporary (Berlim) ∗ Frieze Art Fair (Londres) ∗ FIAC (Paris) No espaço de poucas semanas foi convidado para mais inaugurações, lançamentos, cocktails que durante todos os anos que passou nas Belas-Artes. Assimilou rapidamente o comportamento adequado a essas ocasiões. Não era preciso ser obrigatoriamente brilhante, o melhor na maior parte dos casos, era não dizer mesmo nada, mas era imprescindível ouvir o seu interlocutor com gravidade e empatia, animando por vezes a conversa com um: “É verdade?” - destinado a demonstrar interesse e surpresa; ou com um: “Com certeza ...” - tingido de aprovação condescendente.” In Michel Houelbecq, “La Carte et le Territoire”, Flammarion, Paris, 2010. O grand tour das feiras internacionais de arte contemporânea recomeçou este Outono, com a adenda americana prevista para o Inverno, em Miami Beach. As feiras que tiveram o seu apogeu comercial antes da crise económica mundial continuam a apresentar nas capitais do Norte da Europa uma certa vitalidade, mas nunca mais voltámos a sentir aquela energia contagiante das compras. Talvez tenha sido essa antecipação que me levou a adquirir, no aeroporto, o último livro de Michel Houelbecq, autor cínico e desencantado, que no último romance recria o submundo glam da arte contemporânea, record de vendas em França. Hoje a arte vende-se com parcimónia e sempre à espera do desconto no preço anunciado. Ainda assim, estas feiras permitem que o público menos especializado se aproxime de galerias que, além de se agruparem todas no mesmo perímetro, se apresentam solícitas a prestar informações. Mas por vezes, dentro dos espaços das mesmas, só vemos cabeças fixadas nos macs, aparentemente sem tempo para dizerem bom dia. Começo pela cidade mais amena, ao norte, para um visitante de feiras europeias. Berlim Berlim com o seu Art Forum ( de 7 a 10 de Outubro) abriu a procissão deste ano: Berlim foi a cidade que muitos artistas escolheram para viver, pela facilidade de integração e pelo nível de vida, não pelo êxito comercial das suas galerias, pois como me confessou um galerista da cidade – “vende-se pouco em Berlim, a classe média não tem dinheiro e os coleccionadores alemães moram em Frankfurt ou em Colónia”. Os artistas vivem na cidade sobretudo porque há 10 anos conseguiram comprar ateliers ainda com algumas dezenas de metros quadrados. Parece-me que certas características da cidade podem ser propícias à criação, por exemplo, as perspectivas não lineares, de certa forma o caos arquitectónico, das ruas, onde frequentemente nos podemos perder devido a uma numeração desordenada das casas, legado das bombas que provocaram amnésia na ordem numérica dos edifícios, e fizeram com que passássemos directamente do número 90 ao 14. Artistas como Douglas Gordon, Jonathan Monk, Jason Dodge, só para citar alguns que encontrei nesta visita, escolheram Berlim para terem espaço para criar os seus filhos, bem como para produzirem o seu trabalho. A feira é pequena, apesar das registadas 110 galerias provenientes de 18 países diferentes. Alojada no grande centro de conferências da cidade, Messe, permite um convívio salutar entre visitantes, galeristas e artistas. Este ano contou com um novo hóspede de renome, a galeria francesa Yvon Lambert, que trocou Londres por Berlim, apresentando um solo show de Douglas Gordon. No início do percurso, encontrei outro solo show de Peter Weibel. No outro hall deste centro de congressos situa-se a ABC - Art Berlin Contemporary, a jovem feira que este ano, na sua terceira edição, concentrou a sua escolha em obras vídeo, sob a temática do cinema “Light, Camera, Action”. Após uma visita algo desapontada ao Art Forum, prossigo para esta outra feira onde me deparo com a dupla portuguesa João Maria Gusmão e Pedro Paiva, bem representados nos dois espaços expositivos, e com uma série de outras obras: vídeos de Dominique Gonzalez-Foerster; tiragens vintage de Luigi Ghirri (anos 70 e 80); projecções super 8, “lines in the sand” (2010), de Amy Granat (na Galerie Kamm), que evocam um retorno à era das projecções; o desafio do mais recente trabalho de Ming Wong, “Kontakthope” (2010), que medita sobre as relações entre as artes visuais, as artes performativas e cinemáticas através de uma experiência prática, um workshop de contact dance, entre artistas e curadores que vivem em Berlim, sob a inspiração de Pina Bausch; e ainda a obra do croata David Maljkovic que questiona a moldura nas imagens artísticas. Esta feira oscila entre o espírito de bienal de arte comissariada, neste caso por Marc Glode, e o de feira comercial; mas o resultado final é mais que satisfatório, com galerias interessantes e uma programação que corresponde à expectativa que temos hoje de uma feira de arte, com uma apresentação cuidada de obras, por vezes sob uma temática precisa. 8th Frieze Art Fair (de 14 a 17 de Outubro), Londres Este ano a preview começou pela manhã, reservada aos clientes do Deutsche Bank e quem não tivesse o cartão dourado desta instituição, não entrava… Nem que fosse o Rei da Noruega. Obviamente, quando os VIP das 14h00 pisaram o tapete vermelho estendido na arquitectura temporária da Frieze, em Regent’s Park, já muitas obras tinham sido vendidas. Nada de surpresas, uma escolha de 173 galerias vindas de 29 países, sempre cuidada, como em todos os anos, pela dupla dos seus criadores, Mathew Slotover e Amanda Sharp, mas sem um tilt de descobertas, mesmo na secção Frame. Por certo, que o artista que obteve o Prémio Cartier deste ano, Simon Fujiwara (Japão), surpreendia de forma divertida os visitantes com a obra site-specific “Frozen” - uma simulação artística de escavações arqueológicas que, no espaço da feira, demonstrava que já na era romana existia um mercado de arte em Regent’s Park. E esse parece ser esse o problema da Frieze deste ano, a feira congelou no tempo. Todavia existem sempre bons encontros numa feira como esta, caso da produção recente da artista alemã Annette Kelm, com as suas novas séries de fotografia de naturezas mortas entre cartas de jogo, ou da tela em lã de Rosemarie Trockel. Mas nada de novas criações surpreendentes, apenas bons clássicos contemporâneos. Sílvia Guerra |