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HORROR VACUI - 29ª BIENAL DE SÃO PAULOBRUNO LEITÃO2010-12-21A vigésima nona edição da Bienal de São Paulo terminou no passado dia 12 de Dezembro. Esta foi a edição do “regresso da Bienal”. Regresso porque a edição deste ano surge como sucessora da Bienal do Vazio. A pressão para que esta fosse a reinstituição da Bienal, depois da edição tão autoral de Ivo Mesquita, que colocou em causa a própria continuação do certame, sentiu-se ao “viajar” pelos quatro pisos de uma Bienal repleta de obras de 161 artistas e colectivos. Se a edição anterior foi a Bienal do Vazio... esta é Barroca... Dois Curadores, Muitos Curadores Aos dois curadores chefes, juntaram-se Sarat Maharaj, Rina Carvajal, Fernando Alvim, Yukio Hasegawa e Chus Martínez. Em versão oficial, os últimos três foram correspondentes. Para uma selecção tão vasta de artistas e peças de vários pontos do Globo, de muito devem ter servido os vários curadores convidados que, parecem ter sido mais assessores ou conselheiros do que curadores, mesmo num sentido mais abrangente da palavra. Não foi possível observar núcleos distintos que se imagine terem sido idealizados por diferentes curadores, nem restam indicações de que tal tenha ocorrido. Nem mesmo percorrendo o Portolano (guia de bolso da exposição) se encontra referência aos diferentes núcleos, colaborações ou autorias partilhadas. Sem a informação no website não seria possível ao visitante dar-se conta da existência de uma equipa curatorial para além dos dois elementos principais: Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos. Título e Conteúdo A Bienal teve por título “Há sempre um copo de mar para um homem navegar” – verso do poeta Jorge de Lima tirado de Invenção de Orfeu (1952). O título não teve paralelo com a exposição, não por ser demasiado poético, e por conseguinte algo inalcançável em termos práticos, mas porque a própria mostra era um imenso espaço de peças com pouca ligação entre si e que entre si pouco comunicam. Quando se entrava na exposição propriamente dita, o visitante deambulava de peça em peça como se de ilhas se tratassem. Não parecia haver uma ligação entre elas que permitisse que o todo fosse mais do que a soma das partes. Talvez por serem demasiadas peças as ligações possíveis eram tantas que se tornaram invisíveis ou irrelevantes. Um dos conjuntos em que as peças comunicavam entre si, e entravam num diálogo construtivo, era o conjunto formado por Hélio Oiticica, Sandra Gamarra, Cildo Meireles e Artur Barrio que eram antecedidos por Flávio de Carvalho: a melancolia de Flávio de Carvalho é transformada em raiva política por Hélio Oiticica e silenciada pelas imagens de recortes de imprensa sobre os Baader-Meinhof, que no fundo são pinturas das pinturas que Gerhard Richter fez a partir de recortes que retratam o período de clausura, suicídio (homicídio?) e funeral do grupo. Apesar de os núcleos não terem consequência efectiva na compreensão da exposição, a Bienal tinha muitas obras excelentes: o trabalho (título e descrição) de Harun Farocki instalado em vários LCDs num canto, que era um dos raros lugares da bienal em que a cacofonia não se impunha. Harun Farocki, para além da Bienal de São Paulo, mereceu uma retrospectiva em simultâneo no Cinusp (Cinema da Universidade de São Paulo) e na Cinemateca. A lista de obras interessantes é demasiado longa para enumerar neste texto, mas são inúmeras as obras a merecerem menção. “Las variables dimensiones del arte” de Mario Garcia Torres, é uma instalação na qual o artista cartografa um roubo ocorrido na exposição “Cien años de pintura francesa”, realizada no início da década de 60 no México e na Venezuela, o roubo cometido por elementos da guerrilha desta forma cartografado através de registos fotográficos e desenhos hipotéticos feitos pela polícia em que o artista se apoia para continuar a história. Este é também um trabalho encomendado pela Bienal. São vários os trabalhos encomendados pela Bienal para esta edição, o que constitui um risco acrescido, mas que torna a mesma por diversas vezes imperdível. O Brasil Houve um trabalho com as referências históricas da Arte Brasileira, cerca de um terço dos artistas desta edição eram brasileiros, sendo que são uns mais conhecidos que outros. Naquela que é referida muitas vezes pela comunicação social como a “vitrine da arte brasileira para o mundo”, há um resgatar da própria história da arte do país do desconhecimento, não só por parte de um público alargado e internacional mas, também, porque segundo os curadores há ainda um trabalho a fazer sobre uma parte da produção brasileira de uma época em que a arte no Brasil tinha um pendor político muito forte. Som e serviço educativo Numa Bienal em que 40% das obras eram vídeos, o som das mesmas raramente podia ser escutado sem interferência de outras peças no mesmo meio, ou por uma turma de estudantes que permanente inundava (pelo menos sonoramente) o edifício da Bienal. Como diria um dos curadores “a Bienal deste ano está no seu limite para ser visitada”. Entre o número claramente excessivo de obras, a interferência contínua que algumas causavam sobre outras ou uma das dezenas (centenas?) de turmas que visitavam diariamente o espaço, o visitante acabava por se ver num conflito entre a vontade de completar a exposição e o mal-estar provocado pelo constante ruído, num edifício com demasiado eco e que não foi idealizado para acolher exposições de arte contemporânea. O ruído inescapável de um Serviço Educativo omnipresente com vários milhares de monitores colocou um enorme desafio ao funcionamento de uma Bienal que obviamente se desejou aberta e abrangente no que toca a públicos. 30.000 pessoas receberam formação para trabalharem com o Serviço Educativo numa acção que se estendeu muito para além das portas do edifício da Bienal no Parque Ibirapuera, permitindo pensar que o número de visitantes da Bienal possa ter ido muito além do número final de visitantes. Segundo relatórios finais este número situou-se nos 553 mil visitantes, para um período de três meses de portas abertas, durante os sete dias da semana e em que não se cobrava entrada. Presente e futuro Ainda, antes da prestação de contas, o presidente da Fundação Bienal foi reeleito, com o intuito da selecção célere do curador da edição seguinte, de forma que o mesmo possa trabalhar atempadamente. Coloca-se pela, primeira vez, a hipótese de convidar um curador estrangeiro. Entre os nomes avançados surge à cabeça Hans Ulrich Obrist, que como único impedimento terá a agenda demasiado preenchida, de resto o mesmo já se encontra a comissariar juntamente com Paulo Herkenhof uma exposição sobre arte brasileira que supostamente será exibida paralelamente à próxima Bienal de São Paulo e que tem o apoio de Heitor Martins. Para além de Obrist são dados como hipóteses Luis Pérez-Oramas (curador da exposição “Tangled Alphabets: León Ferrari and Mira Schendel”), Agustín Pérez Rubio (actualmente director do MUSAC en León). Além destes nomes os brasileiros Rodrigo Moura (que já foi curador do Instituto Inhotim) e Suely Rolnik (psicanalista, critica cultural, investigadora e professora na Universidade Católica de São Paulo e no MACBA (PEI), co-autora com Félix Guattari de Micropolítica: Cartografias do desejo (Vozes, 1986) e reeditado como Molecular Revolution in Brazil (MIT, 2007)). Arte e Política Em suma, a Bienal poderá ter sido demasiado grande. Um dos curadores afirma que voltando atrás retiraria 30% das obras, não por não acreditar nas suas mensagens e qualidade mas porque considera que o espaço está demasiado preenchido; perderam-se ligações e quaisquer subtilezas que pudessem tornar o percurso entre cada obra em algo mais do uma curta fuga. A leitura de algumas obras ficou atrofiada pelo contágio excessivo com outras e num espaço (como anteriormente referido) em que o som do primeiro piso parece chegar ao terceiro, é difícil fazer leituras mais recolhidas e reflexivas, o ritmo torna-se obrigatoriamente o de um zapping. Os curadores afirmavam esperar de antemão controvérsias e contrariedades que se tornaram habituais ao longo da história da Bienal, no entanto, nesta edição parece ter-se fugido a confrontos directos talvez por pressões relacionadas com a anterior edição. Um dos exemplos é a participação sob a forma de documentação de Pixação SP, o colectivo que em 2008 invadiu o espaço vazio com o seu próprio contributo. Os dois comissários principais justificam este convite sob a forma de documentação como uma forma de manter a integridade do trabalho dos mesmo vistos que a “pixação” dentro do espaço da Bienal seria uma “domesticação” daquilo que fazem na rua. Afirmaram ainda que convidá-los era uma medida necessária numa Bienal com Arte e Política na sua agenda de discussão. É impossível não pensar que este foi um acordo de cavalheiros com o intuito de não perturbar o funcionamento da Bienal. A peça de Roberto Jacoby que lançou a maior polémica e que mereceu uma carta aberta por parte do artista que se sentiu lesado na autonomia artística e à qual os curadores responderam do mesmo modo invocando um artigo da lei que proíbe a: “veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados em bens cujo uso dependa do Poder Públicos — a exposição acontecerá no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, local que se enquadraria na classificação.” Esta é essencialmente uma lei eleitoral neste caso aplicada em tempo de campanha eleitoral porque a peça fazia referência e supostamente apoiava a então candidata Dilma Rousseff. Polémicas à parte é insólito que uma obra de arte seja analisada à luz do seu conteúdo e referências em relação à vida politica do país onde a obra é mostrada. Se o tema estava relacionado com Arte e Política, por principio estas questões teriam que já estar acauteladas. Será que uma obra de arte só se pode referir a Politica nas suas formas abstractas e ideológicas? Fosse ou não interessante a obra foi removida não como uma opção curatorial, mas por uma opção política e legal. A mostra padece de alguns problemas que sofrem habitualmente exposições desta natureza, mas no seu todo foi uma óptima oportunidade para ver inúmeras peças de elevado interesse debaixo do mesmo tecto, levando ao excesso uma concepção de exposição demasiado convencional para um tema que talvez não seja bem abordado numa tipologia de exposição tão ortodoxa: “Arte e política”. Bruno Leitão |