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PERSPETIVA ATUAL


Carlos Correia, Duchamp, 2015 © CACC/ JMC


Gregory Crewdson Untitled from Dream House, 2002 © CACC/ JMC


Ana Rito, PPP, 2005 © CACC/ JMC


Vista geral da exposição, 3º Piso © CACC/ JMC


Rui Chafes, Áspero nobre suicidário III, 1996 © CACC/ JMC


Vista geral da exposição, 3º Piso © CACC/ JMC


Identificação da escultura de Clara Menéres Papisa ou Coincidentia Oppositorum ou Energia I, 1980, nos Jardins da FCG © Madalena Folgado

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O que mais anseio: deixar de amar.

Daniel Faria

 

 

O encontro com esta exposição aconteceu à flor da pele. Que pele? A minha, através dessa mágica e perigosa condição que se poderá chamar, doravante, de vulnerabilidade – Mas não essa vulnerabilidade, que nada mais é que o uso da pele esfolada do vulnerável, como máscara para esconder a dor da ferida narcísica; pro-curando, antes, anestesiar-se na dopamina do ciclo vicioso da atenção alheia e alheada – Eis alguns dos fundamentos da cultura de cancelamento. Pergunto, a quem comigo – connosco – se encontra, e que portanto passo a tratar na segunda pessoa do singular, o seguinte: Há quanto tempo não te arrepias pelo que sentes numa exposição? Ou, há quanto tempo não te expões? – Inclusive, e principalmente, ante a possibilidade de fracasso. Prossigamos, desta feita, com menos tabus fálicos. Ou, façamos por não inventar falsos tabus, para esconder os verdadeiros. O arrepio traz, literalmente, as evidências à flor da pele: Des-cobre-se, tantas vezes, que o dono da pele não é quem, afinal, se arrepia.

É, precisamente, no contexto do que pode ser ecológico (em Being Ecological), e sobre arte, que Timothy Morton aborda um importante tabu; um tipo específico e real de experiência: O carisma. [1] Tal ‘poder’, tão desejado como qualquer outro poder, escapa porém a quaisquer tentativas narcísicas de forjar ciclos viciosos de causa-efeito, muito naturalmente, autocentrados. O que, muito naturalmente também, é distinto de uma autoria que se constrói em pedra-de-toque, assumindo a responsabilidade pelo que se faz, diz etc., mas também pelo modo como se avalia – atribui valor –, criando o espaço da alteridade – o espaço da arte –, pois sabendo, humildemente, que em cada gesto consciente, se esconde, o terrível inconsciente. Neste último caso, estaremos diante de um ‘radical autocentramento’ [2] – radical, porque de raiz, lembrando o famoso aforismo de Carl Jung que nos exorta, como as árvores, a conhecer as nossas profundas raízes, as que tocam o Inferno, se pretendermos, com os nossos ramos, tocar o Céu. Morton fala-nos de magia como o tabu da causa-efeito da arte; o impensável – isso mesmo que não foi pensado – e por isso, tomado por ridículo, perigoso ou impossível, mas também nos questiona: ‘Como pode algo ser simultaneamente impossível e perigoso?’. [3]

Pensa-se aqui o impensado não enquanto acrítico, antes, enquanto outra liberdade, que não depende do valor de mercado dos artistas, nem das suas obras. Pensa-se o impensado desse espaço intersticial que faz coincidir o inacabado em cada-um-de-nós e o inacabado do mundo, “em pleno seio da coincidência dos opostos”; dessa lente, que Nicolau de Cusa, Bispo e Cardeal do séc. XV, chamou de Visão de Deus [4], onde “ver é ser” [5]. Testemunha-se, então, o que jamais se pode apostatar: O religar das margens do tempo, no seu crepuscular, e, nesse religar, a aparição refletida de cintilantes constelações – acontecimentos figurativos do Ser. Não se trata de discorrer sobre coleções de arte, das escolhas que as valoram e validam, ou até mesmo de afirmações curatoriais; antes, de testemunhar o inconsciente que emerge a cada visita. Ou, melhor: no desdobramento de cada presença.

A exposição que nos ocupa chama-se Chegar à boca da noite, verso tomado de empréstimo ao poema As velas da memória, de Ruy Belo, e tem lugar no Centro de Arte Contemporânea de Coimbra (CACC). A programação deste espaço tem por objetivo expor obras de várias coleções privadas da Cidade e Região, neste caso, a coleção privada Eduardo Rosa, em relação com obras da coleção à qual dá acolhimento permanente, i.e., parte da Coleção de Arte Contemporânea do Estado, assim como a Coleção de Arte Contemporânea do Município. Para esta exposição foram também tomadas de empréstimo algumas obras à Coleção de Fotografia do Novo Banco. Desenvolve-se ao longo dos três pisos do CACC, segundo o curador, José Maçãs de Carvalho, primeiramente enunciando a ideia de intervalo no espaço-tempo, pelo desassossego e atmosfera crepuscular, fixada por diferentes paisagens que combinam diferentes luzes em declínio – obras de João Jacinto, Filipe Romão, João Queiroz, havendo espaço também para Doug Aitken e para a luz elétrica. A atmosfera do segundo piso, e ainda segundo o curador, intensifica-se; o vestigial de morte faz-se presente: vanitas em Paulo Brighenti, o desdobramento de Aino Kannisto na aparição do seu reflexo sombrio, ou o fantasma da(s) Ofélia(s) em Pedro Pascoinho.

Como desatar o nó da angústia? E, libertar Isso ou Esse mesmo que nos habita, tão antigo, que carregamos como a sombra, fotossensível e nada fotogénico, escorpião que se esconde na nossa fenda singular: vivit sub pectore vulnus, a saber, a ferida que sangra no escondido do nosso coração. Talvez playing chess…t, com Carlos Correia, pintura exposta no segundo piso, que alude a Duchamp e à sua big chest partner. O jogo é, então, imaginar Eros fazendo aparecer esse Outro, Alter-Nativo, em várias “posições-com”[5], e não tanto através de composições narcísicas – Como na pintura de Carlos Correia, jogar a alteridade sob a aparição de uma luz singular, até que a dualidade do tabuleiro preto e branco de xadrez desapareça. Eis o derradeiro xeque-mate, e, uma vez mais, Nicolau de Cusa: “Deus é visto para lá da coincidência dos contraditórios e o ver é ser”[7]. Diz quem sabe, que a angústia é a inversão do verdadeiro desejo, entendido enquanto força singularizadora, e que Freud encontrou nos muitos desejos – ou nas muitas angústias – um denominador comum: a ausência do objeto do Amor. 

A ferida narcísica resulta da insuportável dor da separação. A vulnerabilidade enquanto experiência da inseparabilidade perdida é mágica; é a do curador-ferido, o que expõe o seu afeto, o tal que verdadeiramente curará, segundo o provérbio pronunciado por Apolo, tornado máxima délfica [8]. É nesse ponto doloroso, de gloriosa rendição, enquanto gesto não-fálico, que a arte se torna, segundo Morton, ‘demoníaca’, uma vez que ela emana a partir do que não se pode ver [9]. Seguimos para o terceiro e último piso, saímos da boca da noite um pouco mais redimidos dos nossos pecados. A palavra pecado é íntima do arqueiro, no entanto as suas traduções traíram-na. Hamartia em grego significa errar o alvo. Já em latim, a tradução mais próxima da sua etimologia peccare significa dar um passo em falso, cair; sentido que evoluiu culturalmente até significar não cumprir uma regra religiosa. Do latim, seguimos então apenas com os sentidos que sentimos; os que a pele arrepiada denuncia: Cair em si, enquanto um fall in Love, por-ventura com menos desvios narcísicos. O arqueiro é Eros e o Amor fere, claro está, como toda a arte demoníaca – por-ventura seria também este o tabu jogado no tabuleiro de xadrez de Carlos Correia. Sincretismos, tradutores e traidores à parte, rememoremos uma outra pintura, A transverberação de Santa Teresa, por Josefa de Óbidos, e prossigamos em ascensão. 

No terceiro piso, fui devorada pela boca da noite. Aqui, o curador oferece-nos o corolário da sua proposta; cúmplice para com a minha visível reação corpórea, partilhou, dir-se-ia, a sua Visão de Deus ou coincidência dos opostos como a intuição de toda a exposição: Uma constelação triangular. Já não o uno do regresso à origem, à unidade com Deus; nem a dualidade, os opostos em contradição; mas o funambulismo do três, o avanço precário, a superação tornada possível pelo Si Mesmo – a integração. Na cauda desta constelação triangular, duas fotografias de Gregory Crewdson, da série Dream House, transportam-nos para uma atmosfera crepuscular: Numa, um homem como protagonista; noutra uma mulher. Ambos caiem em si, ambos falharam o alvo, e com ele o numinoso, a mais profunda impressão de beleza. Quem nunca sofreu de insónia pela angústia da ausência desse Outro? A sede de noite dos dois protagonistas esconde um tesouro: A possibilidade de pulsar ao ritmo do coração hermafrodita da vida. Atente-se às seguintes palavras de Maria Filomena Molder:

 

"Não há Musa para a beleza, isto é, a beleza não é propriamente uma disposição criativa da voz e do corpo, a beleza é um brilho que não cessa: Phanes, invenção da poesia órfica, o esplendor, o fulgor do ceptro divino cuja sede é a noite, fonte de luz invisível, aproximação ao imediato, ao coração hermafrodita da vida". [10]

 

Eis-nos no triângulo: À esquerda, a papisa suspensa com a sua fálica mitra, suspende qualquer pensamento. É negra como a noite, e é hora de atravessá-la. Esta escultura de Ana Rito, torna público o curador, foi apenas vista uma vez, há 17 anos. Mais do que em qualquer outro momento da exposição, torna-se aqui visível a coincidência dos opostos; a matriarcal papisa suspensa na sua graça é coroada pelo símbolo patriarcal fálico. É, portanto, duma criadora que se fala. Diz-nos Marie-José Mondzain:

 

“[...] todo o criador é antes de mais um megalómano. Ninguém escapa ao desejo originário de dar a sua visibilidade de objecto ao fascinus, ou seja, ao objeto fálico que exige a sua coroa e o seu trono. É este poder do sonho que nos faz inventar as máscaras. Mas nós sentimos que há uma ínfima distância entre o fantasma do Tudo e a impotência do Nada." [11]

 

O traje papal desta papisa evoca o traje negro académico, e com ele, as seguintes palavras de Agustina Bessa-Luís, a propósito do esforço de erudição de Santo António: “Saber mais, para melhor amar”. [12] Um pouco mais à frente, e ainda no texto citado, a pensadora francesa reitera connosco, a coincidência dos opostos:

 

"O criador não se ergue no seu poder solitário, excepcional e soberano, muito pelo contrário, ele é um amante rejeitado e sempre caridoso. Ele é o sem igual que faz o dom da igualdade a qualquer outro." [13]

 

Em tensão cocriativa com a papisa está Áspero nobre suicidário III, de Rui Chafes; as faixas da mitra desdobram-se em faixas Moebius. O grande falo que a coroa inverte-se, torna-se, ali, numa grande vulva. Pesada, porque de ferro, mas suspensa e fixa à parede como uma tomada, ou, um grande dispositivo fêmea – tenho presente a polissemia da palavra dispositivo. Re-tomando, pelo peso, a tradução de pecado enquanto um errar o alvo, e o sentido redentor de ser atingido pela flecha de Eros, rememoro a fala de Rui Chafes, numa conversa sobre tradução, em 2019 [14], onde discorreu sobre o mais incómodo tabu na arte: O Amor. Segundo o artista, não há arte sem Amor. Maria Filomena Molder, ali presente, falou-nos dessa perniciosa necessidade de esterilizar a arte; de, portanto, errar o alvo. A fotografia de Sarah Jones testemunha a relação maculada e fecunda das esculturas de Ana Rito e Rui Chafes. Intitulada The Park (II) a fotografia redime a ferida da exclusão do feminino; do saber pela graça, que aqui se vê sem determinação biológica. Um RAMO da Árvore do Paraíso coincide com o símbolo fálico – a serpente – da queda original – note-se que RAMO é anagrama de AMOR – A ascensão pelo RAMO tocará o Céu, porque as raízes desceram ao Inferno. A mulher é suspensa pela graça, esse estado de gestação, de espera, tão caro à criação artística. 

Uma gravidez – um estado biológico de graça – denuncia a identidade feminina da Papisa Joana, uma mulher que no século IX teria reinado como papa e ultrajado o Patriarcado, até ao dia em que em pleno cortejo papal deu à luz uma criança. “Só é arte o que cura” – di-lo Alejandro Jorodorowsky, citado por Gonçalo M. Tavares [15] e só o curador ferido curará, como vimos na máxima do oráculo de Delfos, por Apolo. O cineasta, especializou-se noutro oráculo, o Tarot de Marselha, no qual a Papisa Joana, também chamada de Alta Sacerdotisa, corresponde ao arcano número II e dá-lhe voz em “And if the High Priestess spoke”. Diz-nos que formou uma aliança com o mistério a que chama Deus, que tornar-se impuro – pelo pecado – é o resultado de uma ilusão criada pela mente, i.e., a ilusão que algo nos separa daquilo que em nós é mais puro – e-terno –, o Ser. [16]

Passado pouco mais de um mês de ter visitado Chegar à boca da noite – exposição que se pode visitar até dia 28 de Agosto de 2022 – num acontecimento figurativo do Ser, deparo-me, por entre as obras de ampliação do Museu de Arte Moderna, nos Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian, com a escultura de Clara Menéres, Papisa ou Coincidentia Oppositorum ou Energia I. Reparo que é do meu ano de nascimento e apercebo-me de reminiscências formais do arcano II. É nesse momento, ao ler na identificação Coincidentia Oppositorum, que Clara Menéres torna mais claro aquilo que experienciei na exposição, então da ordem do inefável. Surge, como um relâmpago, a ligação com Nicolau de Cusa, e a Visão de Deus, obra que adquiri em 2014, no mesmo lugar – "Sempre coincidências Madalena…" Talvez tenhamos de tomar e ser tomados por essa Energia: Pelo en (para dentro) theos (Deus) asmos (sopro, respiração) co-movente, que arrepia pois é electromagnetizante, e que paradoxalmente nos suspende, como na constelação triangular da exposição. Lembro uma frase de uma e-terna amiga, que conheço há uma semana: "Fôlego: Fazer o impossível" [17] – para Deus não há impossíveis, há in-possíveis. Cabe-nos a nós então suspender a descrença, por conseguinte, curarmo-nos do desencanto; daquilo que nos faz crer que Ser “é apenas uma coincidência”. Antes, por-ventura, empreender a pureza enquanto estado de tensão cocriativa com o mundo. Precisamos dessa lente que precisa a coincidência dos opostos; as imagens inesperadas que quebram o feitiço do niilismo: 

 

 "A imagem, quando é digna desse nome, quebra o sortilégio da alternativa do tudo ou nada e triunfa sobre todos os medos, fazendo da angústia o sítio da fecundidade." [17]

 

A escultura de Clara Menéres pertence também a uma Coleção, segundo a placa de indentificação, à Coleção Moderna da FCG. Ou pertencerá à minha, à nossa? – Não será esse, o derrdeiro apelo de liberdade da Arte, não tanto o ter, mas o Ser? 

 

 

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Lista de artistas de Chegar à Boca da Noite: Aino Kannisto, Álvaro Lapa, Ana Rito, Carlos Correia, Doug Aitken, Filipe Romão, Francisco Laranjo, Gregory Crewdson, Hugo Canoilas, João Gabriel, João Jacinto, João Queiroz, Jorge Martins, Paulo Brighenti, Pedro Gomes, Pedro Pascoinho, Pires Vieira, Rui Chafes, Sarah Jones.

 

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Madalena Folgado

É mestre em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa e investigadora do Centro de Investigação em Território, Arquitetura e Design; e do Laboratório de Investigação em Design e Artes, entre outras coisas. 

 

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Notas: 

[1] Timothy Morton, Being Ecological, Sl., Pelican Books, 2018, p. 157.

[2] Jon Mikel Euba, Writing out loud, Amsterdam, DAI; Amsterdam, If I can’t dance, I don’t want to be part of your revolution, 2016, p. 187.

[3] Timothy Morton, op. cit, p. 157.

[4] João Maria André, “Introdução”, in Nicolau de Cusa, A visão de Deus, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 91.

[5] Nicolau de Cusa, A visão de Deus, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 177.

[6] Referência ao Modo Operativo AND, por Fernanda Eugénio.

[7] Nicolau de Cusa, op. cit, p.177.

[8] Roberto Calasso, “La locura que viene de las Ninfas” in Roberto Calasso, La locura que viene de las Ninfas y otros ensayos, Mexico, Sexto Piso, 2004, p.271.

[9] Timothy Morton, op. cit, p. 157.

[10] Maria Filomena Molder, “Sobre a beleza”, in Jornal Arquitectos, nº241, Out-Dez, 2010, p. 95.

[11] Agustina Bessa-Luís, “Conferência de Agustina sobre Santo António”, in RTP Arquivos, 6 de Junho de 1972.

[12] Marie-José Mondzain, "Nada Tudo Qualquer Coisa. Ou a arte das imagens como poder de transformação", in AAVV, A República Por Vir, org. Rodrigo Silva e Leonor Nazaré, 2010, p. 117.

[13] Ibid, p. 122. 

[14] Informação oral por Rui Chafes na conversa “Arte e Tradução”, com Maria Filomena Molder e Paulo Pires do Vale, dia 29 de Janeiro de 2019, no Átrio da Biblioteca de Arte.

[15] Gonçalo M. Tavares, Realidade e rinoceronte, in Expresso, 2020, p.14.

[16] Alejandro Jorodorowsky, The Way of Tarot, Rochester, Toronto, Destiny Books, sd, p. 97.  

[17] Bete Esteves, artista visual.

[18] Marie-José Mondzain, op. cit. p. 120.