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RIO DE JANEIRO: UMA VISITA A CASA DAROS LATINAMERICADANIELA LABRA2008-02-04O belÃssimo cenário da cidade do Rio de Janeiro guarda maravilhas. E tristezas. Entre os recortes de montanha e mar, a ex-capital federal brasileira cresce desordenada e se ressente do abandono de polÃticas sociais efectivas. No que concerne à cultura e suas instituições públicas - teoricamente braços fortes de qualquer programa educacional de qualidade, as que estão abertas à visitação tem programação parca e instalações precárias, num claro sinal de que mantê-las não é um item relevante para o poder público. Em meio a este quadro, porém, eis que algumas iniciativas do capital privado conseguem ocupar com competência tal lacuna do estado. Um exemplo que acaba de se instalar na cidade trazendo a promessa de ventos refrescantes nessa direção é a Casa Daros, a filial latino-americana da fundação suÃça Daros que é voltada para a arte contemporânea. Este novo espaço, a ser inaugurado oficialmente no final de 2008, tem foco na circulação da produção de arte latina e seus artistas. No entanto, não pretende funcionar como uma simples repetidora do formato de sua sede europeia e, de acordo com seu director de arte-educação e pesquisa, o curador cubano Eugênio Valdés, o projeto enfatizará o lado pedagógico da arte entendendo esta como algo necessário dentro do processo de formação e integração humana. Para tanto, seu programa se concentra em actividades diversas como residências, ateliês de criação, workshops e seminários, além de exposições de recortes da coleção Daros Latinamerica, baseada em Zurich. Enquanto que a Daros na SuÃça trabalha fundamentalmente com sua coleção de arte contemporânea internacional, a Casa Daros vai realizar mostras do acervo de arte latina trazidas de Zurich. Ao mesmo tempo, promoverá exposições temporárias dos projetos artÃsticos em andamento no espaço carioca criando assim um diálogo. O trabalho processual interdisciplinar com a participação de artistas locais e latinos deve ser uma das metas centrais da Casa cujo programa de arte-educação inspira-se nos métodos do educador brasileiro Paulo Freire, idealizador de um modelo de interacção horizontal entre mestre e aluno. Para Eugênio Valdés, é também horizontalmente que se pode pensar a obra artÃstica e a sua integração com o público, de modo com que pedagogia e arte compartilhem organicamente um mesmo processo educativo. A Fundação Daros na SuÃça e a Casa Daros no Brasil são projetos mantidos pela famÃlia Smidheiny, que há anos investe em projetos sem fins lucrativos (non profit) na América Latina, incluindo alguns de cunho social. A Daros Latinamerica, por sua vez, teve inÃcio em 2000 com a formação da hoje maior colecção de arte latina contemporânea da Europa, sob os cuidados do curador Hans-Michael Herzog. Logo em 2001, constatou-se que muitos dos artistas vivos ali representados estavam desarticulados com os colegas de paÃses vizinhos, e se decidiu criar um espaço fÃsico que estimulasse a formação de uma rede de artistas e pensadores de arte latino-americanos. Como observou Valdés, “fala-se da unidade latino-americana mas estamos muito isolados.†E recorda que é mais freqüente o artista latino ter uma conexão com a Europa ou Estados Unidos do que com um paÃs vizinho. Não está equivocado. Se pensarmos nas razões, iremos sem surpresa encontrar a falta de apoio financeiro ou a descontinuidade de programas de fomento locais, tornando mais fácil conseguir uma bolsa de residência na Europa do que no próprio continente de origem. De volta a Casa Daros, sua sede foi pensada inicialmente para ser instalada em Havana, Cuba. Porém, dificuldades em lidar com as polÃticas locais fizeram com que se optasse pelo segundo lugar em vista, o Rio de Janeiro. A dinâmica cultural carioca, mostrou-se especial para o projeto, pois na cidade ainda reside grande parte dos artistas brasileiros mais importantes, e de todas as áreas. A escolha pelo Brasil não se deu por acaso. Foi relevante o facto do paÃs ser o mais isolado dentro do continente latino-americano - por conhecidas questões idiomáticas, geográficas, históricas, culturais entre outras. Instalar-se aqui foi portanto uma maneira de trazer o Brasil para a ideia de América Latina que se queria abordar, na qual o continente não é visto como um gueto, senão como um território de devido peso e importância dentro do cenário mundial. É interessante ainda notar que a Casa Daros, ao convocar um cubano de Havana (e especialista em arte africana), para ser seu primeiro director de projetos educativos, de certo modo minimiza a impressão de colonização cultural nos trópicos que a instalação de uma fundação estrangeira pode causar. Sobre o edifÃcio-sede da Casa, adquirido em 2005, este é uma a austera construção do século XIX erguida numa outrora zona rural, hoje bairro de Botafogo. Foi pensado para ser um orfanato e posteriormente, educandário, e ainda no século XX abrigou um colégio. Curiosamente, apesar da cidade ter chegado há tempos nas imediações do prédio ele ainda continua escondido, discreto no meio da cidade – mesmo com seus 12 mil metros quadrados de terreno. A renovação do edifÃcio está a cargo de Paulo Mendes da Rocha, renomado arquiteto de São Paulo que somente agora assina seu primeiro projecto comissionado no Rio de Janeiro. A Casa, com seu ideal de formação de uma rede de profissionais das artes, pretende ser basicamente um espaço facilitador para um programa a ser conduzido por artistas. As suas actividades já começaram de forma pontual, e em agosto de 2007 deu-se o primeiro ciclo de seminários e workshops visando discutir metodologias da pesquisa em artes, processos criativos, modos de produção e circulação da obra, contacto com o público, entre outros temas. A ponte com Universidades locais começou a ser feita e alguns artistas escolhidos para ministrarem actividades desenvolveram com grupos de alunos de diversas áreas intervenções em comunidades carentes e espaços públicos. Desse modo, a Casa Daros, cujos escritórios estão alojados em edifÃcios provisórios no fundo do enorme terreno, vem aos poucos formando um grupo de jovens e artistas que já a frequentam, moldando o perfil de um público novo, em parte formado por pessoas comuns que jamais entrariam num centro cultural. Assim, a iniciativa da Casa Daros mostra-se uma proposta diferenciada por que investe em instalações, programação e profissionais qualificados, sem interesse na visão da arte como mercadoria ou na instituição como mera fonte de ingressos para o patrocinador. Por outro lado, a isenção de comprometimento com as polÃticas e financiamento locais, ao que parece tem dado boa autonomia a suas diretrizes. Assim, o projeto vem se instalando sem alarde na cidade e sem fotografias de propaganda no jornal junto ao alcaide. Uma palavra mágica dita por Eugênio Valdés funcionou como espécie de tranquilizante para esta que lhe entrevistou e visitou o projeto: continuidade. Pois como ele, acredito que somente com um pensamento de trabalho progressivo e em processo é que podemos colher resultados ao longo prazo, em qualquer área do conhecimento humano. Daniela Labra Curadora independente e crÃtica de arte. Vive no Rio de Janeiro. |