|
A SEMANA DAS FEIRAS EM NOVA IORQUEPEDRO DOS REIS2009-03-23A primeira semana de Março cobriu a cidade de arte dando continuidade ao teste inicial realizado pela Art Dealers Association of America (ADAA), em meados de Fevereiro. O Armory, como um astro de maior dimensão, trouxe os seus satélites Volta, Pulse e Scope e uma “plutónica†(ou direi “neptúnicaâ€) Bridge Art Fair. A sua força gravitacional atraiu a Nova Iorque não só galerias de practicamente todos os continentes do Mundo, como também coleccionadores em busca de bons negócios ainda facilitados por um dólar debilitado e uma crise económica generalizada. Aproveitando essa presença, artistas, galerias, organizações artÃsticas sem fins lucrativos e alguns museus locais ajudaram a dar ritmo à “celebração†abrindo os seus estúdios, criando eventos ou mesmo feiras de arte “alternativasâ€, como por exemplo a Fountain Art Fair (cujo sÃmbolo é não mais que o não menos célebre “urinol†de Duchamp). Não obstante o contexto, é também importante lembrar as ausências, nomeadamente da DiVA, a única das feiras que se dedicava quase em exclusividade à videoarte. Sinais dos tempos e provavelmente das novas tendências no que respeita aos investimentos em arte. Na impossibilidade da omnipresença, a escolha recaiu sobre a feira principal, o Armory Show, e não sobre aquela que partilha um parentesco, devido ao facto de ser organizada pela mesma estrutura – a Volta; e ainda pela Pulse ficando a Scope também de fora. Esta perspectiva sobre as feiras não é assim total, mas parcial e poderá incorrer em erros de extrapolação, como deverá ser entendido. De notar que apesar de serem organizações separadas, houve um esforço concertado para que os visitantes pudessem estar presentes em todas as feiras, com a existência de transportes regulares que levavam e traziam visitantes de feira em feira. No caso da Volta e do Armory Show era ainda possÃvel comprar um bilhete combinado que dava acesso à s duas feiras com uma redução no custo total. Na generalidade, a opinião que o visitante poderia ter das feiras era bastante positivo. Sentiu-se que houve muito trabalho de todas as partes envolvidas e que apesar de pairar a sombra da crise, vivia-se um clima até bastante descontraÃdo e que procurava responder à s necessidades dos coleccionadores ou que encorajava a compra por parte de novos compradores. Como acontece na maioria destes eventos, havia arte para todos os gostos e carteiras; existia “boa†arte e arte “menos boaâ€, mas sentia-se a presença da generosidade que normalmente se faz notar mais no estúdio onde o artista produz, do que nas feiras que são espaços mais comerciais. Saliento que o esquema de organização do espaço expositivo destes recintos, como é de conhecimento geral, não é o mais propÃcio para se mostrar arte. A feira é principalmente uma plataforma de negócio e como tal, nem sempre existem as condições mÃnimas para uma boa apresentação das obras. Não existe a devida separação entre trabalhos e não são contemplados outros detalhes, que à partida parecem irrelevantes, caso da iluminação das obras. Fazendo uma média dos géneros de arte presentes, que pode não ser precisa, a pintura e o desenho - com tamanhos bem mais tÃmidos do que seria de esperar - foram as principais estrelas da Pulse, que este ano montou a sua estrutura no Pier 40, na margem do rio Hudson. Notou-se alguma escassez na exibição de obras em vÃdeo (embora existissem algumas, o número era muito restrito) e mais estranhamente de trabalhos em fotografia, que estavam muitas vezes camuflados, escapando à multidão que acorreu à Pulse durante o fim-de-semana. De notar as fotografias de Frank Breuer, que estavam ironicamente “escondidas†por detrás de uma coluna, no stande da galeria FTC, de Berlim (ironicamente, devido ao seu trabalho “Polesâ€). Os trabalhos fotográficos presentes também demonstraram algum do desgaste da fotografia contemporânea que, nos últimos tempos, tem sofrido com o uso de fórmulas de composição de imagem já antes comprovadas: o retrato, alguma manipulação e encenação; e resultados variáveis entre o interessante e o “aborrecidoâ€. Apesar deste tipo de “acidentesâ€, a Pulse foi talvez a feira que de entre as duas escolhas realizadas (comparando com a Volta, portanto) pareceu ter uma organização verdadeiramente preocupada em satisfazer as necessidades básicas dos seus participantes. Apresentou instalações comissariadas no espaço da feira, atribuiu um prémio que visava distinguir um artista entre os muitos representados pelas diversas galerias participantes na feira; e criou um espaço privilegiado para os galeristas e coleccionadores chamado “Collector’s Loungeâ€, onde se poderia tratar de negócios com mais privacidade ou descansar muito simplesmente. Os visitantes também não foram esquecidos tendo sido criada uma cafetaria e uma área onde poderiam restabelecer energias. De entre as várias obras que se encontravam distribuÃdas pelo espaço, destaca-se “The sun never setsâ€, de Taylor Baldwin – um painel de cerca de 900 imagens pesquisadas no Flickr e que retratam o pôr-do-sol. A importância da Web na criação de obras de arte contemporânea notou-se também no trabalho do artista mexicano Emilio Chapela, na galeria EDS, que apresentava três trabalhos usando diferentes estratégias de apresentação, mas tendo como foco o uso da Internet enquanto ferramenta assumida de trabalho. Um deles era uma enciclopédia organizada de acordo com palavras que pesquisou na rede e em que cada volume continha justamente imagens encontradas no Google, que respondiam à pesquisa de cada palavra; outro trabalho procurava demonstrar a fragilidade do software de tradução presente em alguns motores de busca, como o Yahoo e o Google, através da tradução de uma determinada expressão para uma lÃngua e de novo para a de origem – o resultado raramente coincidia com a expressão original demonstrando assim os frequentes “lost in translations†dessas aplicações. Demonstrando ainda a fragilidade da Web enquanto criadora da nova consciência colectiva, Chapela realizou uma busca na Wikipedia, procurando a definição de cadeira, e compilou paralelamente modelos de cadeiras que contrariavam a definição proposta pela enciclopédia “onlineâ€. A Pulse mostrou-se uma feira diversificada onde jovens artistas conviviam com artistas já consagrados (como Vik Muniz); galerias já implantadas (“Pulse exhibitorsâ€) surgiram ao lado de galerias mais recentes (“Impulse exhibitorsâ€) e não faltou igualmente a presença de organizações sem fins lucrativos, com destaque para o BAM, que representava alguns trabalhos em fotografia de Chuck Close e da ACRIA (uma fundação que reverte a favor da investigação da cura do vÃrus da SIDA), com trabalhos de vários artistas - entre outros, de artistas como Jenny Holzer, Cristopher Wool, Mitch Epstein, Robert Longo e Lou Reed - que poderiam ter preços acessÃveis para a grande maioria dos visitantes. A abordagem da organização da Volta dava a entender a procura de um público mais selecto. Contrariamente à outra feira citada, a Pulse, o seu espaço estava situado num andar de um prédio da rua 34, em frente ao Empire State Building. O número de galerias aceite foi ligeiramente menor e se a natureza desta feira facilitava o trabalho dos galeristas, que apenas tinham de expor um projecto de artista, não existia porém a hipótese de diversificar o risco. A Volta apresentou então esse factor de desafio para o artista e para o galerista que exigia com certeza um trabalho de colaboração que garantisse o sucesso. Apesar disso, a diferença de qualidade dos projectos era notória não se entendendo certas presenças, o que leva a desconfiar do processo de selecção e da sua suposta exclusividade. Tirando algumas excepções, a qualidade geral dos projectos era bastante boa e a diversidade ajudou a criar um ritmo que permitia algum repouso na visita. A pintura e o desenho voltaram a ter um lugar de destaque entre os outros meios, embora a presença da fotografia fosse agora mais forte. As instalações tinham também maior qualidade. Destaco a galeria Rhys Mendes, com uma instalação que procurava retratar a condição do agricultor colombiano no tráfico de cocaÃna – uma estátua branca de um camponês sobre a imagem de uma Colômbia composta por pedaços de espelhos ligados como se fossem parte de um puzzle. Destacam-se também as pinturas de Ian Davis, na galeria Leslie Tonkonow, que criavam cenários imaginários envolvendo ambientes e arquitecturas que pareciam saÃdas de um videojogo. Igualmente interessante era o “Tuvaluan Project†do artista Tim Davies, presente no stande da australiana Breenspace – uma composição narrativa des-sincronizada que traça uma colisão entre este paÃs em vias de ser submergido e os filmes do género “exploitation†de canibalismo, que misturam o diário de viagem e imagens chocantes, numa composição “clichéâ€. Para além destes destaques, outros trabalhos mereciam alguma atenção, caso do projecto do artista David Kramer, na galeria Aeroplastics, de Bruxelas; o projecto de Sandra Gamarra, na galeria Leme, de São Paulo, o projecto de Regina José Galindo, na galeria Prometeo, de Milão; e ainda o projecto de Patrick Cierpka, na galeria Jarmuschek + Partner, de Berlim. As feiras são um espaço de trocas e de apresentação de tendências actuais, mas para quem gosta de apreciar arte ficam um pouco aquém das expectativas. É um modelo que visa essencialmente o sucesso financeiro das organizações que as criam, e supõe um grande desafio para os galeristas, para os artistas e mesmo para os compradores, que por vezes podem não vislumbrar o verdadeiro potencial dos trabalhos em exposição. Porém, independentemente do resultado comercial, o desafio foi ganho e há uma demonstração de que continua a haver muito trabalho que deve ser apreciado e apoiado. Para o ano haverá mais e fica a promessa de maior foco na feira principal – o Armory Show. Pedro dos Reis Nova Iorque |