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O OUTONO DAS FEIRAS DE ARTE CONTEMPORÂNEA NA EUROPA - CAP. 2SÍLVIA GUERRA2010-11-29Capítulo 2 37.º FIAC − Foire Internationale d’Art Contemporaine (Paris) ∗ 14.º Paris Photo (Paris) ... Paris é uma pequena cidade europeia comparada com as novas cidades dos países em desenvolvimento; não pode ter um papel central (na cena artística) porque deixaram de existir verdadeiros centros: a globalização transformou todos os lugares em subúrbios. É igualmente uma cidade onde a despesa pública inclui as despesas de representação sob a forma de “despesas de recepção” − como se a sociedade civil precisasse de buffets, aperitivos e banquetes de uma opulência só comparável à decoração da Opera Garnier. E Paris sempre foi assim − basta ler Balzac ou Zola; na realidade, os hábitos não mudaram. O que é fantástico apesar de tudo, e será esse o futuro desta cidade é que assistimos à emergência de uma nova geração de criadores talentosos que estão muito mais abertos à cena internacional do que a geração que os precedeu. Desde há anos, muitos estrangeiros vêm viver para Paris e este sangue novo traz dinamismo à cidade. Será que esta nova Intelligentsia vai saber resistir ao apelo dos buffets, preferindo pegar numa bicicleta e dar uma volta à cidade? Olivier Antoine, director da galeria parisiense Art Concept, em entrevista no livro Everything You Always Wanted to Know About Gallerists But Were Afraid to Ask de Andrea Bellini, edições JRP/Ringier, 2009. Enquanto termina a última edição da ARTE LISBOA, que infelizmente não consegui visitar, revisito as últimas feiras de arte e fotografia de Paris, neste Outono. Tento colmatar a minha curiosidade sobre a ARTE LISBOA com algumas fotografias do evento e noto a presença VIP, à lusitana, da Senhora Ministra da Cultura que fez a visita inaugural do evento com um sorriso de triunfo algo estranho, no momento em que uma greve geral nacional atingia particularmente o sector cultural do país. Medito também como terá sido o projecto “Terraço” comissariado por Filipa Oliveira que pretendia fazer um ponto da situação do país sob os auspícios de Pessoa e de Wenders... ainda bem que estiveram presentes nesta feira dois projectos normalmente outsiders da ARTE LISBOA. Refiro-me à livraria Inc. livros e edições de autor, que lançou uma monografia dedicada à artista Carla Filipe, e que curiosamente já expos no Mews Project de Londres, o outro outsider na feira, um projecto singular de co-produções entre artistas portugueses e britânicos que funciona nas traseiras da Whitechapell Gallery na capital inglesa e constitui uma forma de domesticar os subúrbios e de mostrar a arte portuguesa noutras capitais. Novembro termina e o Outono das feiras na Europa também, procurando abrigo nas praias de Miami. Em Paris, a FIAC, na sua 37.º edição foi o que poderíamos chamar uma “feira clássica” sob a direcção única de Jennifer Flay (anteriormente em parceria com Martin Bethenod), a neozelandeza radicada em Paris que visitou a ARTE LISBOA, em 2008, convidada para o ciclo de debates da Artecapital. A feira viu representadas 195 galerias vindas de 24 países, com 72 galerias francesas, sendo as restantes oriundas de outras partes do mundo. Foram 85 662 os visitantes que passaram pela FIAC, que decorreu entre o Grand Palais, o Carroussel do Louvre e o Jardim das Tuileries, durante os 5 dias de feira. O Prémio Marcel Duchamp foi atribuído ao artista Cyprian Gaillard (1980, Paris) que na última Art Basel vira o seu novo livro monogrófico Geographical Analogies ser lançado com entusiasmo. Este jovem artista, que pratica uma nova abordagem da Land Art, apropriando-se do território marcado pelo homem por meio da fotografia, vídeo e performance, defende uma atitude “anti-nostálgica” na sua prática artística. Mas será esta luta anti-nostálgica uma tentativa de anamorfose da memória pela justaposição de imagens que partilham apenas a sua semelhança cromática ou meramente visual? O Grand Palais apresentou uma nova disposição dos seus stands, com menos um andar de expositors, e onde a galeria de Chantal Crousel abria a cerimónia com uma vitrina gigante dedicada a uma instalação de Thomas Hirschhorn, “Concretion Re”, obra impressionante que apresentava as amputações e tumores da sociedade contemporânea. Para ver o político de forma menos virulenta mas incisiva viram-se alguns desenhos e colagens de Francys Alÿs escondidos na galeria suíça Peter Kilchmann ou uma magnífica escultura de Damian Ortega na mexicana Kurimanzutto. Na Cour Carré do Louvre a variedade de galerias e de artistas era muito mais interessante do ponto de vista de descobertas e experimentações, como acontece em quase todos os anos. Encontro a dupla de artistas de Lille, Cléa Coudsi e Eric Herbin com uma exposição monográfica na sua galeria, a Shirman et Beaucé. Estes artistas vêm de uma das escolas que tem formado alguns dos nomes mais interessantes da jovem geração de artistas franceses, o Studio Fresnoy, criada por Alain Fletcher. O seu trabalho de instalação, muitas vezes sonoras, distingue-se por uma absorção dos sons de forma dj’istica, onde o ruído do scratch se assemelha ao som de uma agulha de gira-discos a ler uma pedra. De resto para além da performance de William Kentridge, este ano finalmente reconhecido nacapital francesa como um grande artista, a feira francesa, tal como a sua homóloga inglesa começa a acusar uma certa manutenção e − no surprises! Paris Photo foi o evento preferido dos coleccionadores e amantes de fotografia. Com um destaque feito aos países da Europa Central – República Checa, Polónia, Eslováquia e Eslovénia, secção comissariada por Natasa Petresin Bachelez (ver entrevista na ARTCAPITAL) foi uma mostra interessante onde, entre os nomes do início do século XX e as imagens vindas do leste europeu, se puderam fazer alguns bons encontros e algumas descobertas como a de Konrad Postula jovem fotógrafo polaco ou do veterno Jerzy Lewczyński representado pela galeria Asymetria de VarsÓvia. Das fotografias mais abordáveis a nível de preço encontramos tiragens de 30 exemplares de Bernard Plossu vendidas por 2000 euros ou tiragens vintage do cinema europeu dos anos 30 a 60. Nos preços mais elevados encontramos originais de André Kértesz, com uma retrospectiva no Jeu de Paume. Esta edição do Salon de fotografia esteve mais dinâmica do que noutros anos e abriu o Mois de la Photo em Paris, que está prestes a terminar. A fotografia de “outras europas” está presente nesta capital que é Paris, cidade onde a emigração continua a existir como sempre e não só de trabalhadores vindos de países pobres, mas de jovens comissários ou directores de museus, que encontram, nesta cidade mais turística do que real, formas de meditar sobre o mundo. Sílvia Guerra |