Links

PERSPETIVA ATUAL


VIII Edição do Festival de Oberhausen em 1962


Alexander Kugle discursa na apresentação do Manifesto de Oberhausen a 28 de Fevereiro de 1962


Walter Krüttner, Isto deve ser um pedaço de ‘Hitler’ (Es muß ein Stück vom ‘Hitler’ sein), 1963


Alain Resnais, Le chant du Styrène, 1957


Alexander Kluge e Peter Schamoni, Brutalidade em Pedra (Brutalität in Stein), 1961

Outros artigos:

2024-11-22


INÊS FERREIRA-NORMAN


2024-10-21


AISHWARYA KUMAR


2024-09-21


ISABEL TAVARES


2024-08-17


CATARINA REAL


2024-07-14


MAFALDA TEIXEIRA


2024-05-30


CONSTANÇA BABO


2024-04-13


FÁTIMA LOPES CARDOSO


2024-03-04


PEDRO CABRAL SANTO


2024-01-27


NUNO LOURENÇO


2023-12-24


MAFALDA TEIXEIRA


2023-11-21


MARC LENOT


2023-10-16


MARC LENOT


2023-09-10


INÊS FERREIRA-NORMAN


2023-08-09


DENISE MATTAR


2023-07-05


CONSTANÇA BABO


2023-06-05


MIGUEL PINTO


2023-04-28


JOÃO BORGES DA CUNHA


2023-03-22


VERONICA CORDEIRO


2023-02-20


SALOMÉ CASTRO


2023-01-12


SARA MAGNO


2022-12-04


PAULA PINTO


2022-11-03


MARC LENOT


2022-09-30


PAULA PINTO


2022-08-31


JOÃO BORGES DA CUNHA


2022-07-31


MADALENA FOLGADO


2022-06-30


INÊS FERREIRA-NORMAN


2022-05-31


MADALENA FOLGADO


2022-04-30


JOANA MENDONÇA


2022-03-27


JEANNE MERCIER


2022-02-26


PEDRO CABRAL SANTO


2022-01-30


PEDRO CABRAL SANTO


2021-12-29


PEDRO CABRAL SANTO


2021-11-22


MANUELA HARGREAVES


2021-10-28


CARLA CARBONE


2021-09-27


PEDRO CABRAL SANTO


2021-08-11


RITA ANUAR


2021-07-04


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-05-30


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2021-04-28


CONSTANÇA BABO


2021-03-17


VICTOR PINTO DA FONSECA


2021-02-08


MARC LENOT


2021-01-01


MANUELA HARGREAVES


2020-12-01


CARLA CARBONE


2020-10-21


BRUNO MARQUES


2020-09-16


FÁTIMA LOPES CARDOSO


2020-08-14


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-07-21


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-25


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-06-09


PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA


2020-05-21


MANUELA HARGREAVES


2020-05-01


MANUELA HARGREAVES


2020-04-04


SUSANA GRAÇA E CARLOS PIMENTA


2020-03-02


PEDRO PORTUGAL


2020-01-21


NUNO LOURENÇO


2019-12-11


VICTOR PINTO DA FONSECA


2019-11-09


SÉRGIO PARREIRA


2019-10-09


LUÍS RAPOSO


2019-09-03


SÉRGIO PARREIRA


2019-07-30


JULIA FLAMINGO


2019-06-22


INÊS FERREIRA-NORMAN


2019-05-09


INÊS M. FERREIRA-NORMAN


2019-04-03


DONNY CORREIA


2019-02-15


JOANA CONSIGLIERI


2018-12-22


LAURA CASTRO


2018-11-22


NICOLÁS NARVÁEZ ALQUINTA


2018-10-13


MIRIAN TAVARES


2018-09-11


JULIA FLAMINGO


2018-07-25


RUI MATOSO


2018-06-25


MARIA DE FÁTIMA LAMBERT


2018-05-25


MARIA VLACHOU


2018-04-18


BRUNO CARACOL


2018-03-08


VICTOR PINTO DA FONSECA


2018-01-26


ANA BALONA DE OLIVEIRA


2017-12-18


CONSTANÇA BABO


2017-11-12


HELENA OSÓRIO


2017-10-09


PAULA PINTO


2017-09-05


PAULA PINTO


2017-07-26


NATÁLIA VILARINHO


2017-07-17


ANA RITO


2017-07-11


PEDRO POUSADA


2017-06-30


PEDRO POUSADA


2017-05-31


CONSTANÇA BABO


2017-04-26


MARC LENOT


2017-03-28


ALEXANDRA BALONA


2017-02-10


CONSTANÇA BABO


2017-01-06


CONSTANÇA BABO


2016-12-13


CONSTANÇA BABO


2016-11-08


ADRIANO MIXINGE


2016-10-20


ALBERTO MORENO


2016-10-07


ALBERTO MORENO


2016-08-29


NATÁLIA VILARINHO


2016-06-28


VICTOR PINTO DA FONSECA


2016-05-25


DIOGO DA CRUZ


2016-04-16


NAMALIMBA COELHO


2016-03-17


FILIPE AFONSO


2016-02-15


ANA BARROSO


2016-01-08


TAL R EM CONVERSA COM FABRICE HERGOTT


2015-11-28


MARTA RODRIGUES


2015-10-17


ANA BARROSO


2015-09-17


ALBERTO MORENO


2015-07-21


JOANA BRAGA, JOANA PESTANA E INÊS VEIGA


2015-06-20


PATRÍCIA PRIOR


2015-05-19


JOÃO CARLOS DE ALMEIDA E SILVA


2015-04-13


Natália Vilarinho


2015-03-17


Liz Vahia


2015-02-09


Lara Torres


2015-01-07


JOSÉ RAPOSO


2014-12-09


Sara Castelo Branco


2014-11-11


Natália Vilarinho


2014-10-07


Clara Gomes


2014-08-21


Paula Pinto


2014-07-15


Juliana de Moraes Monteiro


2014-06-13


Catarina Cabral


2014-05-14


Alexandra Balona


2014-04-17


Ana Barroso


2014-03-18


Filipa Coimbra


2014-01-30


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2013-12-09


SOFIA NUNES


2013-10-18


ISADORA H. PITELLA


2013-09-24


SANDRA VIEIRA JÜRGENS


2013-08-12


ISADORA H. PITELLA


2013-06-27


SOFIA NUNES


2013-06-04


MARIA JOÃO GUERREIRO


2013-05-13


ROSANA SANCIN


2013-04-02


MILENA FÉRNANDEZ


2013-03-12


FERNANDO BRUNO


2013-02-09


ARTECAPITAL


2013-01-02


ZARA SOARES


2012-12-10


ISABEL NOGUEIRA


2012-11-05


ANA SENA


2012-10-08


ZARA SOARES


2012-09-21


ZARA SOARES


2012-09-10


JOÃO LAIA


2012-08-31


ARTECAPITAL


2012-08-24


ARTECAPITAL


2012-07-16


ROSANA SANCIN


2012-06-25


VIRGINIA TORRENTE


2012-06-14


A ART BASEL


2012-06-05


dOCUMENTA (13)


2012-04-26


PATRÍCIA ROSAS


2012-03-18


SABRINA MOURA


2012-02-02


ROSANA SANCIN


2012-01-02


PATRÍCIA TRINDADE


2011-11-02


PATRÍCIA ROSAS


2011-10-18


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-09-23


MARIA BEATRIZ MARQUILHAS


2011-07-28


PATRÍCIA ROSAS


2011-06-21


SÍLVIA GUERRA


2011-05-02


CARLOS ALCOBIA


2011-04-13


SÓNIA BORGES


2011-03-21


ARTECAPITAL


2011-03-16


ARTECAPITAL


2011-02-18


MANUEL BORJA-VILLEL


2011-02-01


ARTECAPITAL


2011-01-12


ATLAS - COMO LEVAR O MUNDO ÀS COSTAS?


2010-12-21


BRUNO LEITÃO


2010-11-29


SÍLVIA GUERRA


2010-10-26


SÍLVIA GUERRA


2010-09-30


ANDRÉ NOGUEIRA


2010-09-22


EL CULTURAL


2010-07-28


ROSANA SANCIN


2010-06-20


ART 41 BASEL


2010-05-11


ROSANA SANCIN


2010-04-15


FABIO CYPRIANO - Folha de S.Paulo


2010-03-19


ALEXANDRA BELEZA MOREIRA


2010-03-01


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-02-17


ANTÓNIO PINTO RIBEIRO


2010-01-26


SUSANA MOUZINHO


2009-12-16


ROSANA SANCIN


2009-11-10


PEDRO NEVES MARQUES


2009-10-20


SÍLVIA GUERRA


2009-10-05


PEDRO NEVES MARQUES


2009-09-21


MARTA MESTRE


2009-09-13


LUÍSA SANTOS


2009-08-22


TERESA CASTRO


2009-07-24


PEDRO DOS REIS


2009-06-15


SÍLVIA GUERRA


2009-06-11


SANDRA LOURENÇO


2009-06-10


SÍLVIA GUERRA


2009-05-28


LUÍSA SANTOS


2009-05-04


SÍLVIA GUERRA


2009-04-13


JOSÉ MANUEL BÁRTOLO


2009-03-23


PEDRO DOS REIS


2009-03-03


EMANUEL CAMEIRA


2009-02-13


SÍLVIA GUERRA


2009-01-26


ANA CARDOSO


2009-01-13


ISABEL NOGUEIRA


2008-12-16


MARTA LANÇA


2008-11-25


SÍLVIA GUERRA


2008-11-08


PEDRO DOS REIS


2008-11-01


ANA CARDOSO


2008-10-27


SÍLVIA GUERRA


2008-10-18


SÍLVIA GUERRA


2008-09-30


ARTECAPITAL


2008-09-15


ARTECAPITAL


2008-08-31


ARTECAPITAL


2008-08-11


INÊS MOREIRA


2008-07-25


ANA CARDOSO


2008-07-07


SANDRA LOURENÇO


2008-06-25


IVO MESQUITA


2008-06-09


SÍLVIA GUERRA


2008-06-05


SÍLVIA GUERRA


2008-05-14


FILIPA RAMOS


2008-05-04


PEDRO DOS REIS


2008-04-09


ANA CARDOSO


2008-04-03


ANA CARDOSO


2008-03-12


NUNO LOURENÇO


2008-02-25


ANA CARDOSO


2008-02-12


MIGUEL CAISSOTTI


2008-02-04


DANIELA LABRA


2008-01-07


SÍLVIA GUERRA


2007-12-17


ANA CARDOSO


2007-12-02


NUNO LOURENÇO


2007-11-18


ANA CARDOSO


2007-11-17


SÍLVIA GUERRA


2007-11-14


LÍGIA AFONSO


2007-11-08


SÍLVIA GUERRA


2007-11-02


AIDA CASTRO


2007-10-25


SÍLVIA GUERRA


2007-10-20


SÍLVIA GUERRA


2007-10-01


TERESA CASTRO


2007-09-20


LÍGIA AFONSO


2007-08-30


JOANA BÉRTHOLO


2007-08-21


LÍGIA AFONSO


2007-08-06


CRISTINA CAMPOS


2007-07-15


JOANA LUCAS


2007-07-02


ANTÓNIO PRETO


2007-06-21


ANA CARDOSO


2007-06-12


TERESA CASTRO


2007-06-06


ALICE GEIRINHAS / ISABEL RIBEIRO


2007-05-22


ANA CARDOSO


2007-05-12


AIDA CASTRO


2007-04-24


SÍLVIA GUERRA


2007-04-13


ANA CARDOSO


2007-03-26


INÊS MOREIRA


2007-03-07


ANA CARDOSO


2007-03-01


FILIPA RAMOS


2007-02-21


SANDRA VIEIRA JURGENS


2007-01-28


TERESA CASTRO


2007-01-16


SÍLVIA GUERRA


2006-12-15


CRISTINA CAMPOS


2006-12-07


ANA CARDOSO


2006-12-04


SÍLVIA GUERRA


2006-11-28


SÍLVIA GUERRA


2006-11-13


ARTECAPITAL


2006-11-07


ANA CARDOSO


2006-10-30


SÍLVIA GUERRA


2006-10-29


SÍLVIA GUERRA


2006-10-27


SÍLVIA GUERRA


2006-10-11


ANA CARDOSO


2006-09-25


TERESA CASTRO


2006-09-03


ANTÓNIO PRETO


2006-08-17


JOSÉ BÁRTOLO


2006-07-24


ANTÓNIO PRETO


2006-07-06


MIGUEL CAISSOTTI


2006-06-14


ALICE GEIRINHAS


2006-06-07


JOSÉ ROSEIRA


2006-05-24


INÊS MOREIRA


2006-05-10


AIDA E. DE CASTRO


2006-04-05


SANDRA VIEIRA JURGENS



PROVOCAR A REALIDADE: RETRATO DE UMA HISTÓRIA RECENTE EM OBERHAUSEN



JOÃO LAIA

2012-08-06




FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURTA-METRAGEM DE OBERHAUSEN

O aniversário do Manifesto de Oberhausen (1962) serviu de pano de fundo ao programa temático deste ano, que constituiu uma ferramenta para repensar a história recente da Alemanha e da Europa.


O Festival Internacional de Curta-Metragem de Oberhausen celebrou em abril deste ano a sua 58ª edição. O certame é conhecido por uma programação onde se cruzam as linguagens mais experimentais do cinema e produções de artistas visuais, apresentando anualmente uma seleção inovadora, que se tornou uma das mais importantes mostras do panorama da imagem em movimento internacional. Este posicionamento permite ao festival participar nas movimentações cinemáticas atuais, onde as produções de categorização mais complexa são excluídas do circuito cinematográfico e se refugiam no interior do museu e da galeria. Em simultâneo, esta perspetiva abrangente permite também incluir no contexto do festival, locus da indústria cinematográfica por excelência, produções de artistas que trabalham com o medium, e que são dificilmente experienciadas fora do contexto da arte contemporânea. Esta singularidade é um dos motivos que explica a relevância do evento que atrai públicos heterogéneos e agentes profissionais de todo o mundo. As diversas competições do festival (estado da Renânia do Norte-Vestefália, alemã e internacional), onde Miguel Gomes ou Sandro Aguilar já receberam o primeiro prémio, representam o ponto central do evento ao qual se juntam retrospetivas e um programa temático. O aniversário do manifesto de Oberhausen, onde um grupo de jovens realizadores proclamou a necessidade de um novo cinema alemão, serviu de pano de fundo ao programa temático deste ano, que constituiu uma forma de homenagear este momento seminal e, em paralelo, uma ferramenta para repensar a história recente do país, em especial o período do nacional- socialismo, os seus antecedentes e o pós-guerra.


O cinema velho está morto. Nós acreditamos no novo. [1]

Em 1962, no festival de curtas-metragens de Oberhausen, vinte seis realizadores defendem a necessidade de um novo cinema alemão em oposição ao que consideram ser a irrelevância do panorama cinematográfico da época. Hoje este manifesto e os realizadores que o criaram têm pouca visibilidade. É com a segunda geração de realizadores do pós-guerra, onde se incluem Werner Herzog, Wim Wenders ou Rainer Werner Fassbinder, que o cinema alemão se reposiciona como uma peça central da cinematografia internacional. Embora o manifesto se centrasse em questões de caráter predominantemente económico relacionadas com o sistema de produção cinematográfica alemã, é clara a vontade desta nova geração em representar a sociedade contemporânea e em repensar o seu passado recente. Em conjunto com o retrato das mudanças em curso, os temas centrais dos filmes deste grupo foram, de forma mais ou menos subtil, o trauma da Segunda Guerra Mundial e o período de ascensão e queda do nacional-socialismo, etapas que se encontravam reprimidas nos discursos vigentes. Vivia-se um período de amnésia forçada e, ao mesmo tempo, voluntária, que este movimento pretendia desestabilizar. O programa que o Festival de Oberhausen dedicou ao manifesto, intitulado Dissidentes, Movimentos e Manifestos, propõs uma análise deste momento histórico e apresentou catorze sessões, exibindo cerca de oitenta filmes. Ele pertence ainda ao projeto maior Provocar a realidade: o manifesto de Oberhausen e as suas consequências, que se prolonga durante vários meses em diferentes espaços. Dissidentes, Movimentos e Manifestos constituiu uma ferramenta de intensa revisitacão histórica que se estendeu dos anos 30 até ao início da década de 60.

O programa dedicado ao manifesto esteve dividido em duas áreas. A primeira apontou para interesses estilísticos e/ou de conteúdo comuns entre os filmes, enquanto que o outro agrupamento foi construído de acordo com as origens geográficas dos filmes e realizadores. O primeiro grupo de sessões apresentou títulos como Fição Científica; Pessoas: o velho e o novo ou Sem Interrupção. São temas gerais, construídos de forma a não submeter os filmes a linhas de leitura demasiadamente restritivas. Fição Científica, por exemplo, analisa o pilar ideológico do pós-guerra: a ideia de progresso baseado na inovação tecnológica, que, paradoxalmente, era uma continuação do imaginário entre-guerras explorado por algumas vanguardas da época. Esta ideologia de progresso é questionada em filmes como Auto-estrada (1957) de Herbert Vesely, que abre com imagens otimistas e laivos propagandísticos, para posteriormente se tornar numa paisagem apocalíptica de morte e desespero. O segundo bloco programático incluiu filmes produzidos por grupos e/ou movimentos contemporâneos ao Manifesto de Oberhausen que nascem durante a década de 50 e início da década de 60 como o Grupo dos Trinta em França, o Image Art Society (Eizo Geijutsy No Kai) no Japão, Novo Cinema Americano: The Group, Svensk Experimental Film Studio, na Suécia, e o Balázs Béla Studio na Hungria. Este segundo momento inclui filmes onde são expostas diferentes dimensões das sociedades onde são produzidos, como Le Chant du Styrène (1957) de Alain Resnais, documento poético de uma fábrica petroquímica, The Isolation of Two Long-Distance Runners (1966) de Noda Shinkichi, meditação silenciosa sobre o nacionalismo japonês, O.K. End Here (1963) de Robert Frank, retrato da alienação moderna próximo de Antonioni, ou Gypsies (1962) de Drebuch e Schitt, retrato das condições de vida da comunidade cigana húngara. Houve ainda um terceiro bloco intitulado simplesmente Filmes dos signatários do manifesto de Oberhausen. Este foi, possivelmente, o programa central de todo o tema do festival, cujas imagens contaminaram e enquadraram o resto da proposta.


Isso deve ser um pedaço de ‘Hitler’ [2]

Filmes dos signatários do manifesto de Oberhausen esteve marcado pelo fantasma omnipresente do ditador e do seu regime. As quatro sessões deste programa especial apresentaram, em ordem não-cronológica, retratos do estado alemão, atravessando o período de ascensão ao poder do nacional-socialismo, da destruição do país durante a guerra, do processo de reconstrução, da vida quotidiana na Alemanha Ocidental (RFA), do seu milagre económico e rearmamento, incluindo, ainda, algumas alusões à Alemanha Oriental (RDA). Os programadores referiram a “Arqueologia Aplicada” ou “Arqueologia do Media” de Siegfried Zielinski no desenvolvimento de toda a proposta. Segundo esta perspetiva, desenvolvida pelo especialista da relação e utilização do cinema pelo Terceiro Reich, o passado e o futuro foram apresentados em simultâneo como um projeto presente de pesquisa. O medium cinema é uma ferramenta ideal para este tipo de análise por incorporar na sua matéria diferentes temporalidades: o presente documentado torna-se passado visionado, que é, inversamente, o futuro da gravação. Dissidentes, Movimentos e Manifestos pode ser entendido como um desenvolvimento desta perspetiva, adicionando uma nova dimensão temporal, o presente em 2012, à coexistência assinalada. A apresentação hoje deste conjunto de filmes leva a um interrogar da relação entre o presente e o passado, a uma interrogação arqueológica onde se identificam linhas de continuidade e rutura, e a um entendimento orgânico do processo de construção histórico, que se torna uma plataforma aberta de pesquisa.

É relevante notar que os restantes movimentos incluídos no programa pertencem a países que participaram ativamente na Segunda Guerra Mundial. O chamado Terceiro Cinema, centrado na América Latina e teorizado por Solanas e Getino, não foi incluído. O seu cariz internacionalista, com integrantes pertencentes a diversos países, bem como a inexistência de um centro bem definido, um estúdio, um anúncio público ou um coletivo coeso, como acontece nos outros exemplos, talvez expliquem a sua exclusão, mas o provocar da realidade proposto em Oberhausen parece retomar o interesse dos filmes da geração do manifesto em questionar a sociedade alemã. Brutalidade em Pedra (1962) realizado por Peter Schamoni e Alexander Kluge e Isso deve ser um pedaço de Hitler (1963) de Walter Krüttner foram filmes paradigmáticos de todo o programa. Schamoni e Kluge retratam os edifícios de Nuremberga sublinhando a sua imponência mortífera e sobrepondo as vistas arquitetónicas com discursos que Hitler aí proclamou. A ferocidade da voz e os vestígios de combate nos edifícios, bem como a decadência inerente ao abandono a que o complexo foi destinado, criam uma poderosa dialética de pensamento histórico. Isso deve ser um pedaço de Hitler toma uma posição mais humorística para abordar uma temática semelhante. O filme retrata a indústria turística que se formou em Obersalzberg, zona montanhosa onde Hitler constrói o seu refúgio bucólico, a Berghof. Turistas de todo o mundo acorriam ao local para visitar a casa, o bunker, as casernas militares, ou tomar um café no terraço pisado pelo ditador. O filme termina com um dos guias a descrever as companhias de autocarros, que conduzem os turistas ao local, como “transportes”... O programa construído por Ralph Eue e Olaf Möller apresentou uma quantidade impressionante de magníficos filmes onde se incluem trabalhos de Straub Huillet, Harun Farocki, Matsumoto Toshio, Pet-Olof Ultvedt, Robert Breer , Shirley Clarke e uma colaboração entre François Roland Truffaut e Jean-Luc Godard, entre outros.

O exercício proposto pelos programadores representou uma reflexão sobre o significado deste período no presente e sobre o próprio presente, não uma homenagem nostálgica. O programa recuperou os interesses do manifesto e decidiu não os mumificar através de uma atualização eficaz das suas perguntas. O interesse dos realizadores da época em retratar a sociedade em que viviam e os acontecimentos responsáveis pela sua produção, encontra paralelo na vontade dos programadores em pensarem sobre esse período na Alemanha de hoje. O público do festival tem a tradição de aplaudir todos os filmes de cada programa, enquanto que na generalidade dos festivais isso apenas acontece dentro de blocos competitivos ou quando o realizador se encontra presente na sala. Foi surpreendente testemunhar o silêncio após filmes mais diretamente relacionados com o período nacional- socialista como Brutalidade em Pedra ou Isso deve ser um pedaço de Hitler. A ausência de aplauso, entre outras coisas, significa, provavelmente, a repulsa pelo regime nacional-socialista, mas, em essência, personifica o desconforto em lidar com o tema, e, consequentemente, a coragem do festival e dos programadores em apresentarem este conjunto de filmes. As interrogações de Eue e Möller são, assim, não só direcionadas ao ontem mas também ao agora, à Alemanha herdeira deste período e a todo o continente europeu, que também é resultado desta época. O contexto de crise em que o continente se encontra, ao apresentar ecos do passado, forma um cenário fecundo para este tipo de inquérito. Dissidentes, Movimentos e Manifestos é um exemplo de programação raro e urgente, ao conseguir manter a tensão política dos filmes através da sua articulação com o presente. A provocação da realidade proposta no título do programa apontou para um estudo social através do cinema, e torna-se filmologia à Oberhausen.


João Laia



NOTAS

[1] Frases finais do Manifesto de Oberhausen, 1962
[2] Título do filme de 1963 realizado por Walter Krüttner.