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APROPRIAÇÃO E CITAÇÃO NA IMAGEM ARTÍSTICA _ PARTE 2PEDRO CABRAL SANTO E NUNO ESTEVES DA SILVA2021-07-04[Esta é a segunda parte do artigo 'Apropriação e Citação na Imagem Artística'. A primeira parte pode ser lida aqui]
PARTE 2 - Três casos históricos
Vamos agora analisar três casos, sobejamente conhecidos, nos quais diferentes artistas produziram um conjunto de obras que partiam da apropriação de obras de outros artistas. Para que as situações sejam mais claras, escolhemos propositadamente obras que apropriam obras e artistas igualmente reconhecidos, e não obras que apropriam a cultura popular e o mundo do consumo, apesar de frequentemente os artistas que trabalham com a apropriação não estabelecerem essa distinção. Em qualquer dos casos, os artistas realizaram múltiplas obras a partir de cada uma das apropriações. São esses casos, L.H.O.O.Q. (1919-1965), de Marcel Duchamp; Portrait of V.I. Lenin, in the Style of Jackson Pollock (1979-1980), do colectivo Art & Language e The Last Supper (1986), de Andy Wharol. Em primeiro lugar, o caso de L.H.O.O.Q.: 1919, Marcel Duchamp apropriou a imagem da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, desenhando simplesmente um bigode e uma pera à imagem reproduzida num postal barato, e acrescentando por baixo a legenda «L.H.O.O.Q.». Diversas versões foram feitas até à década de sessenta, incluindo, em 1965, uma carta de jogar reproduzindo a pintura de Leonardo (sem o bigode e a pera) e a inscrição «rasée L.H.O.O.Q.» e, em 1941, uma imagem do bigode e da pera numa folha de papel branco, intitulado The Moustache and Beard of L.H.O.O.Q.. A intenção de Duchamp parecerá talvez residir na vontade de profanar a imagem visual artística mais famosa, mais eficaz do mundo. Mas, ao apropriar-se de uma imagem de outro artista, transportando para a grande arte um processo já empregue no domínio do humor e da paródia, Duchamp abre o caminho para uma quebra do modo como, mesmo na modernidade, se continuam a articular organicamente a novidade e o legado cultural da tradição: uma nova imagem artística podia assim ser produzida a partir de alterações mínimas introduzidas numa outra imagem artística. E isso era absolutamente interessante, coisa nunca vista enquanto assumida como obra de arte: L.H.O.O.Q. é acima de tudo um porta-estandarte das transformações artísticas que iriam marcar todo o século vinte. Por um lado, esta obra, apesar de poder ser considerada um ready-made, está em tensão com estes: o ready-made, para Duchamp, deveria encarnar a indiferença estética, e isso acontece de facto com os outros ready-mades. São objetos órfãos, do ponto de vista estético e simbólico, e daí retiram a sua força. Nesse aspeto eles parecem ser o produto de uma situação histórica, na qual o universo do consumo não estava plenamente desenvolvido. Hoje, esses objetos não seriam portadores daquela neutralidade. Em L.H.O.O.Q., pelo contrário, temos a apropriação de um objeto marcado, não só pela sua pertença ao mundo da grande arte, como pela notoriedade que lhe tinha sido conferida pelo roubo de que tinha sido alvo em 1911. Por outro lado, a obra opera um jogo perverso com o género: a transformação da autoria da obra tem a sua correspondência na transformação da Mona Lisa num homem [1]. O conteúdo erótico da inscrição prolonga esse jogo: aquele trocadilho (a letra «Q» que é lida como «cul», rabo) parece ser corrente na época em França [2]. No entanto, a função desses trocadilhos era a representação do desejo masculino, e aqui o trocadilho é uma clara representação do desejo feminino: «ela tem calor no cu», ou seja, «ela arde de desejo». Isto liga-se evidentemente aos temas ambíguos e subversivos do género e do erotismo em Duchamp, que dão uma outra dimensão (ambígua) ao problema da autoria e da indiferença [3]. E, a partir daí, podemos entender que já em Duchamp as estratégias de apropriação se ligavam a uma função «desconstrutiva».
Entre 1979 e 1980, o coletivo Art & Language, então liderado por dois artistas, Michael Baldwin (1945) e Mel Ramsden (1944), realizou um conjunto muito diversificado de obras, que passam por pinturas de grandes dimensões, desenhos, um ensaio, e uma canção gravada pela banda Red Crayola, intituladas Portrait of V.I. Lenin in the Style of Jackson Pollock. A ideia partia de um paradoxo indicado pelo título: produzir pinturas que, simulando a linguagem pictórica de Jackson Pollock, caracterizada pela técnica do dripping, reproduzissem simultaneamente imagens de Lenin, provenientes do imaginário da propaganda soviética, que se tornam visíveis quando o observador se posiciona à distância adequada [4]. A produção do colectivo Art & Language, fundado pelos artistas Terry Atkinson, David Bainbridge, Michael Baldwyn e Harold Hurrell, tem o seu fulgor entre finais da década de sessenta e início da década de oitenta. No entanto, compreende duas fases distintas, culminando a primeira, que se pode caracterizar como conceptualismo forte, na instalação Index 01 («Documenta Index»), na Documenta 5, em 1972. Nessa primeira fase, o projeto do coletivo é, através de uma análise linguística, recorrendo a ferramentas provenientes da filosofia analítica, atingir uma resolução das ambiguidades e contradições inerentes aos dispositivos artísticos. Depois desse projeto, o coletivo realiza uma profunda autocrítica (em parte como resultado da sua abertura a elementos exteriores), que vai alterar a pureza dessa orientação: por um lado podemos considerar que há uma renúncia à dimensão utópica do projeto inicial, e um reconhecimento da dimensão irredutível das ambiguidades dos dispositivos que analisam. Por outro lado, esse reconhecimento tem como consequência imediata um envolvimento mais direto com a dimensão política, que se antes era implícita se torna agora explícita, e uma reavaliação do papel do visual, que antes era recusado como parte da ideologia modernista e agora é reintroduzido como mais um recurso do arsenal conceptual [5]. O retrato de Lenin enquadra-se nesta lógica, prolongando simultaneamente as anteriores análises linguísticas do funcionamento dos dispositivos artísticos. Neste sentido, podemos considerar que se trata de uma ilustração irónica do pressuposto ideológico de que quanto mais abstrata e formalista é uma obra, mais forte é o seu conteúdo político, assim como um comentário sobre a possibilidade de a justificação de uma obra repousar numa dimensão que permanece oculta para além da comunidade que tem acesso ao código, para a qual essa justificação permanece uma mera tautologia. Em 1984, o galerista Alexander Iolas encomendou a Andy Warhol uma série de pinturas baseadas no fresco A Última Ceia, de Leonardo da Vinci. As pinturas deveriam ser expostas em Milão, no Palazzo Stelline, situado na mesma rua que a igreja de Santa Maria delle Grazie, onde se encontra o fresco de Leonardo. Estas recriações dão-nos a conhecer uma faceta do artista anteriormente desconhecida: o seu fervor religioso. Em 1986, o ano anterior à sua morte, realizou mais de cem destas pinturas, incorporando a imagem de Leonardo das mais diversas formas. Warhol morreria em 1987, um mês depois da inauguração da exposição. As pinturas têm escalas muito diversas, atingindo grandes dimensões, e nelas Warhol utiliza magistralmente todo o arsenal de técnicas que tinha acumulado ao longo da sua obra. O ponto de partida é uma litografia popular no século dezanove. Em alguns casos, o autor, tal como no início da sua carreira, reproduz serigraficamente a imagem sobre a tela, coberta só com uma cor, repetindo-a geralmente, por vezes dezenas de vezes. Em outros casos, os contornos são traçados à mão, a partir da projeção da imagem sobre a tela, e depois preenchidos com cor. Por vezes, a imagem é fragmentada, e certos detalhes ou figuras são explorados individualmente, através dos mesmos processos. Algumas vezes, são justapostos ou sobrepostos elementos estranhos à imagem de Leonardo, provenientes da cultura popular e da publicidade. A cor, numa grande variedade de combinações, é também explorada como fonte de carga emocional, definindo ambientes muito diferenciados. Por vezes temos o Andy Warhol negro, dos Disasters, outras temos o Warhol clean das Brillo Boxes. Warhol, no fundo, não só apropria Leonardo, como se apropria a si mesmo, a sua própria imagem de marca, manipulando-a com mestria. Precisamente essa mestria, esse domínio do ofício da pintura, da produção da imagem, é tal, que chega a quase negar a dimensão de apropriação que está na génese daquelas obras. Pouco antes da sua morte, Warhol está do máximo da sua fama, e disposto a explorá-la até à exaustão. Tal como sublinha Howard Singerman, Warhol era na década de oitenta o modelo dos apropriacionistas radicais, o modelo da simulação tal como a liam em Baudrillard [6]. Nessa pintura, a apropriação torna-se uma mera superfície sem profundidade, através da qual circulam imagens equivalentes, ao mesmo tempo que tudo se transforma em grande arte. Mas, simultaneamente, não será possível ver aquelas superfícies perfeitamente polidas abrirem fissuras inesperadas?
A alegoria como projeto crítico Podemos tirar duas conclusões (que também constituem hipóteses para investigação): a primeira é que, do ponto de vista crítico, há um impasse que se tem perpetuado pelo menos desde os primeiros anos do debate em torno da apropriação. Mas esse impasse parece capturar uma tensão que lhe é inerente, e que contém as verdadeiras tarefas críticas. A segunda é que, do ponto de vista mais especificamente artístico, há, sem dúvida, um sentimento de perda de contacto com uma dimensão crítica sem a qual, no entanto, não podemos conceber a arte, porque esta não parece poder ser pensável, no nosso tempo, para além dessa dimensão crítica (a prova é que ambos os campos nesta discussão acabam por recorrer, de alguma forma, a diferentes conceções críticas). Mas, nesse contexto, a apropriação tornou-se simultaneamente condição e estratégia, o que, conjugando-se com a enorme expansão demográfica das práticas artísticas e com o impasse do debate crítico produziu o amolecimento progressivo da tensão original. A hipótese que colocamos é a de que há nexos entre estas duas situações: de um lado o impasse teórico, do outro este amolecimento da tensão crítica das práticas artísticas. Em primeiro lugar, parece-nos que o modo mais seguro para conceber as práticas artísticas é como atividade crítica, em si mesmas. Este facto cria um terreno comum para prática artística e prática teórica – se entendermos que a própria teoria tem, a partir desse ponto de vista, um horizonte forçosamente prático. Entendemos aqui a Crítica, a partir de Kant, como reposicionamento das tarefas que o pensamento se propõe dentro do horizonte da finitude. Ora é evidente que, depois de Kant, o projeto crítico foi sofrendo diversas transformações, a respeito das quais não é possível haver acordo. No entanto, poderemos concordar que a metafísica perdeu a sua anterior posição e o pensamento foi definitivamente trazido para o domínio da experiência. Nesse contexto, a primeira grande transformação que o modelo kantiano vai sofrer é a historicização do a priori, que deixa assim de ser um horizonte inalterável da constituição do sujeito. Se essa transformação tem origem no século dezanove, sobretudo em Hegel e Nietzsche, vai ser no século vinte que a sua ação se vai sentir. E um dos seus principais veículos vai ser a viragem linguística, termo proposto por Gustav Bergman, e difundido por Richard Rorty em 1967 [7]. A viragem linguística refere-se especialmente à tradição analítica e à influência de Frege, com especial ênfase em Wittgenstein, mas estende-se igualmente à tradição hermenêutica, em particular Heidegger, e à semiologia e semiótica propostas por Saussure e Peirce. No domínio artístico, o conceptualismo tem sido visto como manifestação dessa viragem linguística, e era como tal encarado pelos seus proponentes [8]. Sintomaticamente, num artigo publicado em 1992 na Artforum, intitulado «The Pictorial Turn», W. J. T: Mitchell proporia uma outra viragem, desta vez uma viragem pictórica, uma viragem para a imagem. Mitchell refere como precursores Charles Peirce e Nelson Goodman e, na Europa, a Escola de Frankfürt, Derrida e Foucault [9]. Mas talvez ainda mais significativo é o modo como localiza a viragem pictórica no interior da viragem linguística, em Wittgenstein e Rorty, como uma ansiedade em relação à imagem, uma necessidade de defender o discurso em relação ao visual [10]. E, em relação a Derrida, Mitchell refere o descentramento do modelo fonométrico e fonocêntrico da linguagem em direção ao visual, como modelo capaz de manifestar a diferença que contamina sempre a linguagem [11]. Também neste caso é possível estabelecer um paralelo com o que se passa no domínio artístico: a viragem para a imagem caracteriza a segunda metade da década de setenta [12]. É de destacar a exposição Pictures, organizada por Douglas Crimp em 1977, na qual participam Troy Braumtuch, Jack Goldstein, Sherrie Levine, Robert Longo e Philip Smith. Ora este será o ambiente a partir do qual surge a prática da apropriação, prática que terá aliás Sherrie Levine como um dos exemplos mais rigorosos. Nesse processo, o fundo, em última análise, lukácsiano dos críticos da October vai tornar-se explícito. Assim, parece-nos que, de um modo global, a prática da apropriação que surge na arte americana no final da década de setenta e início de oitenta será mais bem entendida pela intersecção desses dois movimentos críticos que são a viragem linguística e a viragem pictórica. Isso é reforçado pela influência que Derrida exercia nos departamentos de literatura das universidades americanas e também pela voga, proveniente da Europa, de Walter Benjamin. Mas trata-se de uma relação complexa, que não pode ser contida no próprio movimento da viragem pictórica, que ela própria gerou até hoje um impressionante conjunto de transformações: a emergência de novas disciplinas, como os Cultural Studies, a renovação na História da Arte e o desenvolvimento de uma multiplicidade de projetos interdisciplinares envolvendo antropologia, psicanálise, novos media ou neurologia [13]. Chamemos a atenção para o facto de que uma grande parte do que está em questão nesta autonomização do visual é o problema da interrogação de em que é que a imagem excede a linguagem, o código, dando-nos um acesso privilegiado a uma outra dimensão, seja o real lacaniano ou o fundo da nossa existência corporal e biológica. O que está, de qualquer modo, em causa é o visual, como parte fundamental da nossa relação com o mundo: por um lado, um complexo dispositivo no qual se interligam o biológico e a existência pragmática, por outro, o potencial de inquietação que esse dispositivo contém. Se é aquilo que existe de mais familiar, também pode tornar-se-nos estranho. Parte da imagem visual artística, portanto, está aqui, fixada neste particular território, constituído pelas potencialidades fisiológicas e psíquicas que estão presentes no limite do simbólico, manifestando-se na formação da própria imagem visual. Na contemporaneidade, diversos artistas têm tirado partido do encantamento proporcionado pelos mecanismos da perceção, realizando obras de arte que exploram especificamente determinados efeitos fisiológicos que ocorrem nos limites da imagem retiniana [14]. Olafur Eliasson [15], Gary Hill [16] ou Ann Veronica Janssens [17] são apenas alguns dos artistas que desenvolvem as suas obras explorando as particularidades dos fenómenos percetivos. Por outro lado, temos também o caso de artistas que exploram não os limites da fisiologia da perceção, mas os limites dos próprios processos simbólicos que estruturam a vida psíquica, e constituem o que Jacques Lacan chamou «o real» [18]. Trata-se, neste caso, daqueles artistas que Hal Foster, em The Return of the Real, colocou sob as etiquetas do real e da abjeção: Cindy Sherman, Robert Gober, Kiki Smith, ou Mike Kelley [19]. Mas essas abordagens tocam-se, de alguma maneira, na dimensão de estranheza que percorre o visual, ficam, por assim dizer, sempre do lado de cá, não o confrontando verdadeiramente. Já referimos como a Crítica se aprofundou, a partir de Hegel e Nietzsche, num movimento de historicização. A crítica de Nietzsche, nas Meditações Intempestivas, ao historicismo dos neo-hegelianos é um momento chave desse processo [20]. A proposta de Nietzsche implica um olhar crítico sobre o presente, que o decompõe e liberta. Esse olhar vê os dados fundamentais da sua inserção no mundo como algo que lhe é estranho e o aliena. Em Heidegger, o conceito de Geworfenheit (ser-atirado) traduz essa relação de estranheza com o mundo [21]. Gianni Vattimo mostrou como, em Heidegger, este conceito se liga, em primeiro lugar, à reivindicação de um conceito de finitude que se opõe a um transcendentalismo neo-kantiano que «vê o homem como puro olho do mundo» [22]. Já em Lukács, o conceito de Verdinglichung (reificação) traduzia uma dimensão específica desse fenómeno, ligada à experiência da modernidade capitalista [23]. Walter Benjamin e Theodor Adorno vão transformar este conceito (assim como o conceito de totalidade, que é a sua outra face), criticando as concessões de Lukács ao humanismo e ao idealismo [24]. Neste contexto, o trabalho de Benjamin sobre a alegoria, desenvolvido em Ursprung des Deutschen Trauerspiels [25] e em Passagen-Werk [26], constitui um momento particularmente relevante. Um fragmento de Passagen-Werk¸ exprime claramente o que Benjamin entende por alegoria, e como ele a identifica em Baudelaire: Of all the Baudelairean poems, "La Destruction" comprises the most relentless elaboration of the allegorical intention. The "bloody retinue”, which the poet is forced by the demon to contemplate, is the court of allegory – the scattered apparatus by dint of which allegory has so disfigured and so unsettled the world of things that only the fragments of that world are left to it now, as object of its brooding. The poem breaks off abruptly; it itself gives the impression – doubly surprising in a sonnet – of something fragmentary. [27] A partir da leitura de Benjamin podemos, assim, vislumbrar o estilhaçar da unidade da imagem que caracterizou todo o período clássico. Os acontecimentos que o determinaram são sem dúvida inumeráveis. Trata-se de uma multiplicidade de fatores sociais, políticos, económicos, científicos. Eles passam tanto pela renovação de técnicas de governo e produção como pela invenção da fotografia. O que aconteceu? De uma forma muito genérica, podemos afirmar que até à era da imagem fotográfica, as imagens visuais e artísticas eram produzidas a partir de uma relação orgânica com procedimentos técnicos encarados como intrinsecamente estáveis. Nesta situação, o património das técnicas (ou seja, o que mais tarde se chamou os media) ocupava um lugar de eleição, enquanto fiel depositário das práticas que garantiam formalmente a eficácia da obra [28]. Ora o conjunto das transformações que marcam a entrada na modernidade corresponde de alguma maneira, como já vimos, ao reposicionamento deste património no horizonte da Crítica, ou seja, no horizonte da finitude e, por fim, da historicização. É desse ponto de vista que nos parece devermos entender o problema dos media que marcou o modernismo greenberguiano: as técnicas, confinadas à sua finitude, esforçam-se por reconhecer nessa mesma finitude as estruturas universais da sua identidade [29]. Processo ambíguo, que recusa o reconhecimento do caráter contingente e provisório dessas mesmas técnicas. A partir do momento em que se dá esse reconhecimento, a prática revê-se na fragmentação do medium. A consciência desse facto vai tornar-se cada vez mais aguda a partir da pop e do minimalismo, para culminar por fim, em meados da década de setenta, na situação que analisamos, na qual surge historicamente a apropriação. Mas podemos igualmente dizer que essa consciência já se manifesta, de algum modo, em Duchamp, e que as ocorrências posteriores são como que os ecos desse acontecimento.
Pedro Cabral Santo
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Notas [1] Ver Amelia Jones, Postmodernism and the Engendering of Marcel Duchamp (New York: Cambridge University Press, 1994), p. 138. Nas palavras de Duchamp, citado por Jones, «(...) the Mona Lisa becomes a man. It is not a woman disguised as a man, it is a real man».
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Bibliografia Agamben, Giorgio. Qu'Est-ce qu'Un Dispositif?. Paris: Payot-Rivanges, 2014.
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