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ESPAÇO AVENIDAMIGUEL CAISSOTTI2008-02-12Talvez sejam seis, possivelmente sete, mas o número exacto poderá até ser acertado para valores acima ou abaixo das expectativas. Até Junho, o Espaço Avenida tem já um conjunto de projectos expositivos em agenda. A incerteza quanto ao número exacto advém de um conjunto de características intrínsecas à informalidade com que esta plataforma se tem dado a conhecer à cidade de Lisboa, ou melhor, a “uma certa cidade” de Lisboa. Trata-se de uma proposta de programação cultural que, pelas suas características, suscita dois ou três pontos de reflexão, reflexão essa que bem pode começar no exterior, em frente da porta do nº 211 da Avenida da Liberdade, um edifício de primeira linha em pleno coração de uma das zonas empresariais mais cobiçadas da cidade. A pressão e os ritmos citadinos e desgastantes do quotidiano laboral não passam, no entanto, para o interior do prédio onde, instalado ao longo de todo o primeiro piso, se desenvolve um conceito de trabalho singular. Aliás, mais do que uma proposta de programação, este primeiro piso do nº 211 da Av. da Liberdade (treze salas e mais de seiscentos metros quadrados) é uma proposta em que a vertente de disponibilização ao público dos projectos artísticos ali desenvolvidos surge como um momento quase secundário de todo o processo. Sem os normais constrangimentos institucionais gerados por expectativas programáticas, calendarizações, prazos, avaliação de resultados e um sem número de outros pequenos factores que configuram uma pressão à própria criatividade, o Espaço Avenida permite algum do lastro que nem sempre os artistas encontram na preparação e concepção de uma exposição. A estruturação das propostas a calendarizar vai sendo resultado da reunião de vontades dos artistas, alguns deles permanentemente envolvidos em todo o processo do Espaço Avenida e outros, consoante os projectos em que estejam directamente envolvidos e em que assumem, de acordo com os seus próprios ritmos e dinâmicas, toda a faceta que está para além das condições disponibilizadas e que, grosso modo, se resumem ao espaço e ao espírito de “porta aberta”, quase comunitário. Toda a estrutura de produção (simplesmente inexistente) terá assim que ser forjada e desenvolvida pelos vários intervenientes dos projectos que, para além de artistas, conciliam também esforços para ensaiar todo o tipo de estratégias de curadoria e montagem, promoção e comunicação, angariação de apoios e soluções técnicas, definição de datas e, invariavelmente, o escalonamento que permita assegurar sempre a assistência ao visitante. E enquanto, no exterior, o ritmo alucinante impõe um andamento impessoal à avenida, as tarefas em curso pelas várias salas do EA vão decorrendo, a um tempo que é de cada um, respeitando sensibilidades e metodologias de reflexão e trabalho. Cada exposição em curso acaba por transportar também o seu próprio processo de construção e essa é, para a maioria dos artistas envolvidos, uma experiência muito positiva. Ciclicamente, Lisboa (como de resto, uma parte significativa das grandes cidades) assiste ao surgimento de espaços cuja categorização foge a enquadramentos mais cristalizados. Constituem, de uma ou outra forma, estruturas alternativas ao tipo de ofertas que as cidades disponibilizam. São espaços cuja lógica cumpre mais um princípio de ocupação do que de programação e desse princípio se retira também uma permanente precariedade, quer da estrutura organizativa (quando assim possa ser referenciada), quer dos projectos apresentados, quer ainda dos próprios espaços, frequentemente devolutos e, por vezes, envoltos em demorados e complexos processos de alteração arquitectónica e, por conseguinte, também funcional. Para artistas jovens, sem recursos ou enquadramento galerístico, estas oportunidades afiguram-se como autênticas pérolas. Afinal, ainda são estes espaços que asseguram propostas continuadas de projectos emergentes. Mais do que alcançar modelos e resultados finais de intervenções artísticas acabadas, o que se procura estará mais perto de uma ideia de suspensão de um processo de produção em plena reflexão, e a sua partilha, durante os dias em que essas exposições (ou acontecimentos) estão visitáveis. Em Portugal, ainda é no Porto que se verifica uma maior preponderância deste tipo de propostas, mas o EA, também pela sua localização, adquire um simbolismo particular. “Centro e periferia”; “sistema das artes e suas marginalidades”: Ao assumirem-se como espaços colectivos de experimentação in situ, o que se traça são linhas de sustentabilidade, também elas precárias, pois, não consolidando qualquer solução organizativa, estes projectos vivem a incerteza de não se comprometerem com percursos tendencialmente institucionalizáveis e, por conseguinte, não conseguirem consolidar estruturas de trabalho estáveis que permitam projectar e executar programas específicos. “Em trânsito” (em vez de “precariedade”) parece ser uma noção muito recorrente nas artes e muito desse fascínio passará por uma questão (convicção) de posicionamento livre, não balizado por correntes ou malhas de influência. Em Abril de 2007, Ricardo Jacinto levou o projecto “Parque” ao Espaço Avenida. De lá para cá, a adesão de artistas e público tem sido crescente. O balanço, passado quase um ano deste o acolhimento do projecto de Ricardo Jacinto pode ser manifesto pela indicação dos acontecimentos que se seguiram: “Rasura” (Samuel Alcobia, Pedro Barateiro, Daniel Barroca, Paulo Brighenti, Carlos Correia, Cecília Costa, Romeu Gonçalves e Marta Moura); “Ushakovskoye” (Fernando Mesquita, João Ferro Martins e Rodrigo Tavarela Peixoto); “Private Office” (Catarina Saraiva, Jorge Santos, Miguelangelo Veiga, Paula Prates, Pedro Valdez Cardoso e Rui Mourão); “Antes que a produção cesse” (Ana Baliza, Ana Manso, André Romão, Ariana Couvinha, Bruno Cidra, Gonçalo Sena, Joana Escoval e Mariana Silva, Nuno Luz e Pedro Neves Marques); “On the road - Remembering Jack Kerouac” (Martim Dias Ramos, Paulo Brighenti, Margarida Gouveia, João Grama, Paulo Pascoal, Eduardo Salavisa, Mariana Viegas, André Almeida e Sousa, Bruno Pelletier Sequeira, José António Leitão, José Pedro Cortes, João Paulo Serafim e Manuel Duarte); “Até à última sílaba de tempo gravado” (Karolina Erlingsson, Mónica Gomes, Patrícia Leal, Rui Magina, Maria João Pacheco, Francisco Pinheiro e Patrícia Sousa). Mais recentemente, a “Bolsa Ernesto de Sousa – BES”, que viria a premiar Francisco Janes, com o projecto “O Concílio”. O número de projectos e artistas envolvidos adquire uma importância que é crescente. O último projecto, configurando um evento assumidamente institucional, não deixa de se integrar em perfeita harmonia com os pressupostos do Espaço Avenida, configurando uma justa homenagem a Ernesto de Sousa, fomentador e divulgador acérrimo das expressões que as artes foram descobrindo e experimentando nos anos 60 e 70. Fica ainda para um balanço de quase um ano de actividade a realização de algumas propostas musicais, efémeras, também elas condicentes com a lógica pela qual se tem pautado o desenvolvimento dos projectos expositivos. Vitalidade de um espaço? Sim, a que não será indiferente a facilidade com que se desenvolvem laços e relações de identificação por quem quer permanecer nas periferias das instâncias decisoras. O “scarto” a que se referia Alexandre Melo mais não é do que um recuo estratégico que permita definir uma “estratégia de ataque” com um ritmo próprio, consciente e distanciadamente ponderado para uma correcta avaliação das possibilidades individuais e, neste caso concreto, para o respeito dos percursos individuais dos vários artistas. Vitalidade, certamente. Mas algo deverá ser ainda reflectido para perceber porque não encontram os jovens artistas, junto de algumas entidades institucionais, outro tipo de respostas que respeitem os seus ritmos e níveis de aprendizagem. Nalguns casos, esses níveis poderão estar ainda em flagrante processo de descoberta mas, por isso mesmo, por eles passará, também de forma transitória, um fervilhar de criatividade em potência. Que a viagem continue. Aqui, e ainda que precariamente, ninguém quer parar. Miguel Caissotti |