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ARCOLISBOA 2024: DO MERCADO À ESTÉTICACONSTANÇA BABO2024-05-30
No entanto, importa igualmente debruçarmo-nos sobre a feira de arte sob uma perspetiva atenta e crítica do valor artístico e da qualidade estética do que nela se expõe. Recorde-se que a ARCO é também ocasião de uma apresentação pública da criação artística contemporânea e que, cada vez mais, se vê representada pelas galerias. Com efeito, os galeristas solidificam a sua importância e o seu valor no panorama artístico, nomeadamente ao contribuírem para a visualização e expansão de obras e artistas. As feiras têm um inegável impacto na exibição, disseminação e desenvolvimento da criação artística e a ARCO afirma-se como um relevante exemplo disso mesmo. Desta edição da ARCO em Lisboa, sublinhe-se a predominante representação dos dois países nos quais a feira se concretiza, Portugal e Espanha. Inclusivamente na Solo, a mais pequena secção da feira, salientam-se duas galerias espanholas, La Cometa e ADN, com belos exemplares de trabalhos fotográficos de Juan Baraja e Carlos Aires, respetivamente. Já na Opening, dedicada às galerias que se estreiam na ARCO e às que regressam pela segunda vez, a Reiners Contemporary Art, de Marbella, com dois artistas brasileiros, Dora Smék e Paul Setúbal. A obra de Dora Smék, entre o bronze e o mármore, representa a pélvis, em “Solid Macael” (2024), e o pulso cerrado, em “Variations on Chaos” (2024), interpelando-nos. A artista manifesta a resistência feminina ao patriarcado e explora a crise, mais especificamente, a crise do corpo, que tem sido para ela um recorrente objeto de investigação. Setúbal, por sua vez, não somente se expressa através de esculturas de bronze, mas também por uma ação performativa, violenta e provocadora, projetada num vídeo com o título “Because the Knees Bend” (2024).
Dora Smék na Reiners Contemporary Art. ARCOLisboa 2024. © Constança Babo
Do Programa Geral da ARCO, assinale-se a galeria Rocio Santa Cruz, de Barcelona, cujo destaque foi dado ao artista português Diogo Pimentão. Aponte-se “Piece (construct)” (2023), que convoca também a destruição, composta por cimento, gesso e grafite, e “Concept Formation” (2022), de geometria e tridimensionalidade tão dinâmicas quanto harmoniosas. Ambas resultam de uma exímia manipulação da matéria aliada a um profundo sentido estético. Foi também uma galeria espanhola a vencer o galardão Millennium, a Ehrhardt Flórez, com obras do artista visual alemão Jan Zöller e do escultor português Gonçalo Sena. Já da Opening, secção que este ano teve a curadoria de Chuz Martinez e Luiza Teixeira de Freitas, o prémio foi atribuído à galeria 4710, de Tbilisi, na Geórgia, com Meraba Gugunhashvili e Tamar Nadiradze, representativos da prática artística emergente daquele país. Dediquemo-nos agora aos casos portugueses, até porque os habitués não desiludiram: a Quadrado Azul, com a sempre impressionante fotografia de Paulo Nozolino, a Galeria Fernando Santos, com notáveis peças de João Louro e de Pedro Valdez Cardoso, e a Pedro Cera da qual ressalta uma magnífica série intitulada “Rojo Verde” (2024), de Antonio Ballester Moreno. Também se evidenciou a Galeria Francisco Fino que, para além da incontornável e atemporal Helena Almeida, apresentou um denso trabalho fotográfico de Daniela Ângelo que requer uma observação aproximada e dedicada. Refira-se também um conjunto de trabalhos de Pedro Paiva que prova a sua habilidade escultórica e plástica, consolidando-o enquanto um artista completo e versátil, pois o seu valor nas artes visuais é já globalmente reconhecido. A Presença, com Roland Fischer e Isaque Pinheiro. Do último, expuseram-se sobretudo peças recentes, tais como “A Caverna” (2024), sendo todas pautadas por uma originalidade e uma ironia particulares, materializadas por uma notável perícia técnica. De Fischer, expôs-se alguma da sua mais conceituada obra fotográfica, caso dos “Los Angeles Portraits” (1993) e dos espaços arquitetónicos de “Transhistorical places” (2018). Poderá, ainda, indicar-se a Kubikgallery, com duas valiosas telas, uma de Pedro Vaz e outra de José Almeida Pereira, a par de outras peças da autoria de Maria Durão e Flávia Vieira, que revelam admiráveis competências e domínio artístico. O Programa Curatorial deste ano foi subjugado ao tema “As Formas do Oceano”, concebido por Paula Nascimento e Igor Simões. Entre as oito galerias abrangidas, indique-se a Coletivo Amarelo, que apresentou belos exemplares do moçambicano Osias Andre e da brasileira Juliana Matsumura, ambos importantes contributos para a problematização do respetivo projeto de curadoria: “o que acontece quando artistas de diferentes portos do Atlântico ocupam um espaço central na cidade de Lisboa?”. No entanto, deverá reconhecer-se que foram vários os nomes a responder a esse desafio, ao longo de toda a feira.
Serie-animais, de Osias Andre, na Colectivo Amarelo. Imagem cortesia Colectivo Amarelo / ARCO.
Com efeito, este ano, com quinze países representados por mais de oitenta galerias, a ARCO reafirmou a sua pluralidade e o seu desígnio para a descentralização da arte no Ocidente. Para tal, também contribuiu a programação paralela com debates, como as “Millenium Talks”, em torno de temas como “Arte Contemporânea em Rede: desafios e expectativas” e “Arte Africana: Inclusão e a Representação no Espaço Museológico”. Ora, na medida em que as feiras de arte são de grande escala e visibilidade internacionais, alcançando o grande público, espera-se não somente que nutram o mercado, mas também que contribuam para o desenvolvimento da própria criação artística e para o que, não constituindo uma função exigida ao artista, é-lhe, de certo modo, inerente: agir na e pela sociedade, pois é nela que a arte se encontra sempre e inevitavelmente inscrita.
Constança Babo
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