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PERSPECTIVAS CRÍTICAS DA CURADORIASABRINA MOURA2012-03-18PERSPECTIVAS CRÍTICAS DA CURADORIA Relato do simpósio The Critical Edge of Curating, que decorreu a 04 de Novembro de 2011, no Museu Guggenheim, Nova Iorque, por Sabrina Moura* :::: De que maneira a prática curatorial se posiciona em relação aos aparatos de difusão artística institucionalizados? Em que medida a curadoria implica em um impacto político e social? Quais as suas perspectivas de inovação num momento de saturação de exposições “blockbusters”? Essas foram algumas das questões que nortearam o simpósio The Critical Edge of Curating realizado em novembro de 2010 no Museu Guggenheim, em Nova Iorque. Divididos em cinco mesas — No End in Sight; Authorship, Audience and Agency; Transnational Currents; Curating as Activism; Site-Specificity — os curadores, críticos e académicos presentes no encontro partiram de uma proposta de reavaliação do papel da curadoria e das instituições ligadas à arte contemporânea, colocando em debate as possibilidades de expansão das formas de mediação exercidas pelo curador na contemporaneidade. 1. “No End in Sight”: a exposição posta em questão A primeira mesa formada por Ute Meta Bauer, diretora do Programa de Arte, Cultura e Tecnologia do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do MIT, Anton Vidokle, artista e fundador do site e-flux, e Hans Ulrich Obrist, curador da Serpentine Gallery em Londres, se propôs a discutir a pertinência do atual modelo de exposição como formato primordial para a estruturação do discurso curatorial. Compreendida no sentido proposto por Greenberg, Ferguson e Nairne no livro Thinking about exhibitions, a “exposição” foi debatida aqui como uma prática portadora de valores estéticos, ideológicos e políticos, cujo formato atual foi definido ao longo da primeira metade do século XX e sedimentado entre os anos 1960 e 1970 [1]: “As exposições tornaram-se o meio através do qual a arte se torna mais conhecida. Não apenas a quantidade e a variedade de exposições aumentou dramaticamente nos últimos anos, mas também museus e galerias de arte, como a Tate em Londres e o Whitney em Nova Iorque, apresentam agora suas coleções permanentes como séries de exposições temporárias. As exposições são o principal espaço de troca na economia política da arte, onde o sentido é construído, mantido e, ocasionalmente, desconstruído. Em parte espetáculo, evento sócio-histórico, dispositivo de estruturação, as exposições - especialmente de arte contemporânea - estabelecem e administram os significados culturais da arte” [2]. Para curadores como Meta Bauer e Obrist este modelo tradicional de “expor arte” precisa ser expandido e reinventado. Enquanto Obrist afirmou a necessidade de se “inverter as regras do jogo”, argumentando em favor da criação de uma espécie de laboratório capaz de promover experiências alternativas que extrapolem as formas de representação praticadas nos museus; Meta Bauer alertou para o perigo da “domesticação da arte” e de suas formas padronizadas de “display”. Entre os sintomas desta homogeneização, a curadora citou especialmente o controle dos espaços de produção artística em Nova Iorque e as limitações resultantes de um vocabulário artístico “normatizado”. “A arte não deve ser um lugar de disciplina e sim de transgressão”, afirmou Bauer. Para os participantes da mesa, ao produzir novos espaços de representação, o artista se torna um dos grandes protagonistas desta expansão. Nesse sentido, Anton Vidokle narrou a experiência de fundação do e-flux, no final dos anos 1990, como um grande salto no escuro. Criado a partir de um e-mail coletivo que anunciava a exposição The Best Surprise is No Surprise, improvisada em um quarto de hotel da rede Holiday Inn em Chinatown, e-flux transformou-se numa das mais influentes redes virtuais de difusão de informações sobre iniciativas ligadas à arte contemporânea. Segundo Vidokle, e-flux nasceu sem nenhum planeamento, baseado sobretudo numa necessidade do fazer. “Não havia um plano de negócios, nenhuma estratégia, apenas o puro prazer da improvisação e da comunicação de massa, como o funcionamento de uma pequena estação de rádio ou algo do género.” [3] Numa perspectiva histórica, Meta Bauer lembrou também a concepção de exposições de vanguarda como The Armory Show de 1913, organizada por um pequeno grupo de artistas, a Association of American Painters and Sculptors, que apresentou à florescente cena artística nova-iorquina os trabalhos dos modernistas europeus como Gauguin, Matisse, Picasso e Van Gogh. Além do papel de artistas e curadores, a função do público como co-autor também foi reivindicada. Apontado o rumo da discussão seguinte, Meta Bauer e Vidokle ressaltaram que formas inovadoras de “display” devem permitir que a experiência das exposições em museus ou galerias ocorra para além do lazer e do consumo imediato, convidando o espectador a “completar a função da obra” em uma postura ativa e comprometida. Estas ideias foram, em seguida, reiteradas por Ralph Rugoff, diretor da Hayward Gallery em Londres, que iniciou o segundo debate falando sobre o impacto do trabalho de artistas como Marcel Duchamp. Ao convidar o espectador a “refazer ativamente o seu caminho através da obra de arte”, Duchamp questiona com seu trabalho a própria noção de autoria. 2. Autoria, agenciamento e “audiência” Além de Rugoff, a segunda mesa foi composta por Chus Martínez, curadora do MACBA e “agente” curatorial da Documenta 13, e Shelley Bernstein, chefe de tecnologia do Brooklyn Museum. Implicados em agendas institucionais distintas, os oradores discutiram os temas autoria, agenciamento e “audiência”, apresentando os pontos de vista mais heterogéneos do simpósio. Ralph Rugoff reiterou a posição co-autoral do curador: “O curador é como um vírus, ele precisa de um hospedeiro vivo. Mas, um curador também pode alterar o metabolismo de seu hospedeiro...”. Na medida em que realiza escolhas e “statements”, o curador afirma uma postura autoral. Essa capacidade de posicionamento e diálogo adiciona sentido à obra de arte, esboçando reações subjetivas às questões que os próprios artistas colocam. “Muitas vezes os artistas não sabem o que seus trabalhos significam e nem sempre há uma resposta”, afirmou Rugoff. Num segundo momento, Chus Martínez agente [4] curatorial da 13a Documenta de Kassel, abordou a complexificação e a expansão da esfera de atuação da curadoria, sob a perspectiva do agenciamento. Ao transformar o genérico em particular e colaborar com a produção de novos sentidos à arte, o agenciamento mostra-se uma força, “mesmo que paradoxal”. Na sua intervenção, Chus faz referência ao filósofo alemão Christoph Menke, quando afirma a potencialidade do agenciamento como uma “capacidade de agir”: “Agência é a realização de um princípio. [...] Portanto, a compreensão da agência artística como o exercício de uma capacidade implica no entendimento desta, como uma ação na qual o sujeito percebe a forma geral que reflete uma prática social; o que significa compreender a arte como prática social e o sujeito como um participante. Forças, assim como capacidades, são princípios que se realizam através da agência” [5]. Ao abordar a importância da escuta e da acessibilidade nos museus, a a apresentação da especialista em tecnologia no Brooklyn Museum, Shelley Bernstein, inverteu completamente o rumo da mesa trazendo o debate para a perspectiva do público. Centrada pricipalmente no uso da tecnologia em prol da experiência estendida do museu por meio da web e a relação da instituição com a comunidade de entorno, Bernstein afirmou o discurso acessível da curadoria como um valor. Em 2008, a curadora foi coordenadora da exposição Click! A Crowd-Curated Exhibition apresentada no Brooklyn Museum. A mostra nasceu a partir de uma proposta de curadoria coletiva, aberta ao público, que buscava investigar a aplicação das teorias do jornalista financeiro James Surowiecki, autor de The Wisdom of Crowds, às artes visuais, a partir da pergunta: “uma coletividade pode ser tão legitima quanto experts na avaliação da arte?”. É importante notar que o compromisso com a comunidade levado a cabo pelo Brooklyn Museu está não somente ligado à sua forma de inserção no território, mas também à subvenção pública que recebe da cidade de Nova Iorque. Tanto o Brooklyn Museum, quanto o Queens Museum of Art, sobre o qual falaremos adiante, integram um programa de financiamento denominado Cultural Institutions Group (CIG). O programa concede, além do imóvel onde estes museus estão instalados, um suporte operacional que, aliado a fundos privados, permite o financiamento híbrido destas instituições. 3. Correntes Transnacionais: distâncias e desconexões como possibilidades de discurso O processo de globalização do cenário artístico e a emergência do conceito de “transnacionalidade” como pano de fundo intelectual utilizado para repensar os conceitos de global e local foi o tema da terceira mesa do simpósio. Entre os participantes estavam: Suzanne Cotter, responsável pelo projeto de instalação do Guggenheim em Abu Dabi, Weng Choy Lee, crítico e presidente da Associação de Críticos de Arte de Singapura, e Yasmil Raymond, curadora da Dia Art Foundation. Durante o debate houve uma dificuldade em esboçar respostas às questões que pontuaram a mesa, como: O que significa organizar exposições e constituir coleções transnacionais? Como a curadoria leva em conta ações regionais e as vozes individuais? Existe uma responsabilidade de que o curador seja inteiramente inclusivo? Ou ainda, em uma postura autocrítica: Em se tratando de um conceito ocidental, a noção de “transnacional” não seria em si contraditória? Numa intervenção conscienciosa, Yasmil Raymond lembrou que muitas vezes a transnacionalidade se trata de um privilégio permitido a certa categoria de curadores, artistas e instituições. Impedimentos práticos como a recusa de visto para um artista, ou a falta de recursos para permitir viagens de pesquisa curatorial, demonstram o quanto a possibilidade de circulação ainda é restrita para muitos. “Algumas pessoas simplesmente não podem ser transnacionais, não é fluido para todos”. Ora, ainda que o trânsito livre e a possibilidade de se criar intercâmbios transnacionais em uma perspectiva horizontal sejam ideais almejados por instituições implicadas em ultrapassar posturas provincianas e centralizadoras, eles se mostram frágeis face aos limites económicos e as políticas excludentes impostas pelas fronteiras nacionais. Para Yasmil, mais importante do que tratar de temas como inclusão, transnacionalidade ou conectividade, deve-se colocar a questão de como os vetores de força e influência se manifestam. Além disso, ela chamou atenção para as possibilidades artísticas e curatoriais que oferecem as distâncias e desconexões. Ainda no mesmo segmento do simpósio, o polémico projeto do Guggenheim Abu Dabi, com abertura prevista para 2013, foi abordado. Na apresentação, a curadora responsável, Suzanne Cotter, explicou brevemente o seu projeto museológico, afirmando uma preocupação em não importar os cânones da arte ocidental, para apresentar sobretudo a produção artística do Oriente Médio. No entanto, os interesses do mercado referentes à implantação desta instituição, parte do complexo de museus no “distrito cultural” da ilha Saadiyat, foram obliterados, deixando mais uma vez, muitas perguntas no ar e a promessa, por parte do comité organizador, de esclarecer este tema em futuros simpósios. 4. Curadoria como ativismo: uma ênfase na esfera pública O quarto debate, sobre a relação entre curadoria, arte e ativismo, se propôs a compreender, como a prática curatorial e artística “pode ter um impacto social ou político significativo” e em que medida “a responsabilidade do curador e do museu deve ser tratar de/ou melhorar as injustiças sociais”. Entre os oradores estavam: Christine Tohme, curadora e fundadora da associação libanesa Ashkal Alwan, Tom Finkelpearl, diretor executivo do Queens Museum of Art, e Nato Thompson curador da ONG Creative Time. O relato da ativista Christine Tohme abordou de forma contundente a questão do significado de ser curador em países nos quais a profissão não está sedimentada. Christine lembrou o início do seu percurso, em meio a um Líbano marcado por quinze anos de guerra civil: “Quando comecei a minha carreira não era consciente do termo ‘curadoria’. Comecei a partir de uma urgência! Na época, eu era professora de inglês e ‘curadora’ na prática. Tudo nasceu de uma necessidade de trabalhar com uma cidade dividida”. Em 1994, Christine e um grupo de quatro ativistas fundaram a Ashkal Alwan, Associação Libanesa para as Artes Plásticas. A associação, que hoje sobrevive a partir de fundos provenientes de organizações internacionais, promove em Beirute uma plataforma de debates, residências e programas de intercâmbio, além de ações artísticas no espaço público. Ecoando a fala de Yasmil Raymond, Christine lembrou como o programa de intercâmbio, coordenado pela Ashkal Alwan, esbarrou na impossibilidade de concessão de vistos para artistas egípcios que deveriam se deslocar para Beirute. Muito embora implique num intercâmbio artístico de natureza distinta, o uso da internet foi uma das estratégias encontradas pela associação para transpor estes obstáculos. A questão da arte como prática transformadora na sua relação com a esfera pública foi abordada em seguida por Tom Finkelpearl. O curador já havia tratado o assunto no seu livro Dialogues in Public Art, para o qual entrevistou o educador brasileiro Paulo Freire, em meados dos anos 1990. No livro, Tom utiliza a abordagem de Freire sobre a relação professor-aluno na prática pedagógica a fim de entender o processo dialógico e colaborativo na arte. “Quando um artista engloba o diálogo e pretende criar um processo que envolve a partilha do poder, isto pode reorientar o processo. [...] O diálogo não é um meio para um fim, mas um processo, um projeto em curso de investigação intersubjetiva”.[6] Tal abordagem oferece um quadro teórico para entendimento dos projetos realizados no Queens Museum of Art, do qual Finkelpearl é diretor. Entre eles, as ações no bairro de Corona, comunidade com um grande influxo de imigração recente, “onde 167 línguas são faladas, 46% da população é de estrangeiros”, e que detém uma das mais altas taxas criminais na área da Grande Nova Iorque. Um das intervenções organizadas pelo Queens Museum consiste no Corona Studios que este ano abriga o projeto da artista cubana Tania Bruguera, Immigrant Movement International, em colaboração com a ONG Creative Times. Durante todo o ano de 2011, Tania tem vivido com um salário mínimo, sem plano de saúde, dividindo um apartamento em Corona, com cinco imigrantes ilegais e as suas famílias. A sua proposta é “contribuir para a definição do imigrante como um novo cidadão global em um mundo pós-nacional e testar o conceito de ‘arte útil’ ou ‘useful art’, no qual artistas implementam ativamente a fusão da arte com questões primordiais de caráter social, político e científico” [7]. 5. Expansão da “site-specificity” A expansão da noção contemporânea de “site-specific”, para além de sua definição empregada durante os anos 1960 e 1970, foi o tema da última mesa do simpósio, composta por Tom Eccles, diretor do Centro de Estudos Curatoriais de Bard, Rodrigo Moura, curador do Inhotim e Eungie Joo, curadora do New Museum. Cabe aqui iniciar o relato com uma breve contextualização de como a noção de “site-specificity” tem sido estendida “para esferas mais públicas” da cultura, a partir das questões levantadas por Miwon Kwon, em seu livro One place after another, Site Specificity and Locational Identity: “Disperso por campos culturais, sociais e discursivos muito mais amplos e organizados intertextualmente através do movimento nómada de artista – operando mais como um itinerário que um mapa – ‘sites’ podem agora ser tão diversos quanto um painel publicitário, um género artístico, uma comunidade marginalizada, um espaço institucional, uma página de revista, uma causa social, ou um debate político” [8]. Ao extrapolar a questão para além da interação da obra de arte com o espaço físico e o museu, Rodrigo Moura abordou a “site-specificity” em relação ao contexto social da instituição. Segundo o curador, embora “o Inhotim tenha nascido com o propósito de criar uma forte coleção de arte contemporânea, em resposta a uma carência de coleções institucionais desta natureza no Brasil”, ele também está engajado na compreensão e inserção no contexto sócio-cultural da comunidade de entorno. Para Rodrigo é importante “tratar tanto a coleção quanto a comunidade como um bem”. Talvez essa seja justamente uma das características que tem feito de Inhotim uma das grandes apostas entre as instituições latino-americanas em destaque no cenário artístico internacional. A instituição esteve em evidência no outono cultural nova-iorquino, desde a apresentação do colecionador Bernardo Paz em setembro, na Americas Society até a última palestra de Rodrigo, em novembro, no Armory Park Avenue. Na ocasião, o curador mineiro detalhou uma série de obras “site-specific” projetadas para o Inhotim. Entre eles, a Piscina, de Jorge Macchi, recriada para a instituição sob a forma de “escultura ao ar livre”, a partir de uma aquarela feita pelo artista. A partir de dezembro, a Piscina poderá ser apreendida ainda sob um novo ângulo, quando estará aberta ao uso dos visitantes. Ao aliar a realização de projetos “site-specific” com a investigação de modelos “não expositivos”, o programa Museum as Hub, coordenado pela curadora Eungie Joo do New Museum, também extrapola a questão da “especificidade” para além dos muros do museu. Entre 2008 e 2009, por exemplo, o tema “vizinhança” foi escolhido como ponto de intersecção para realização de trabalhos artísticos capazes de refletir a complexidade das relações entre “local” e “global”. Desta forma, em grande parte de suas edições, o programa tem se concentrado em temas que lidam com diferentes maneiras de inserção da arte no espaço público, promovendo intercâmbios com museus e artistas de Seul, Cairo, México e Eindhoven. Considerações finais: da instituição às ruas Após cinco horas de simpósio, ficou patente a ênfase numa crítica da curadoria preocupada com a sua inscrição na esfera pública, bem como, o compromisso com a renovação dos modelos cristalizados pelas instituições. Ao questionar os impactos gerados pela prática em contextos sócio-culturais distintos, as suas possibilidades reais de intercâmbio, e o papel dos artistas e do público neste processo, boa parte das mesas argumentaram a função de “mediador” exercida pelo curador na esfera da cultura contemporânea [9]. Finalizo este relato ressaltando ainda que, paralelamente ao simpósio promovido pelo Guggenheim, uma série de protestos contra a própria instituição artística eram protagonizados em Nova Iorque por duas ramificações do movimento Occupy Wall Street (OWS): Occupy Art Spaces e Occupy Museums. Reivindicando lutar contra a “comercialização intensa e a cooptação da arte”, o manifesto de Paddy Johnson, incitou os artistas pertencentes ao grupo dos “99%” a ocupar diversos museus da cidade na tarde do dia 20 de outubro de 2011 [10]. “O jogo acabou: nós vemos através dos esquemas piramidais dos templos do elitismo cultural controlado pelos 1%. Nós, os artistas dos 99%, não nos permitiremos mais ser enganados para aceitar um sistema corrupto e hierárquico baseado na falsa escassez e na propaganda referente a absurda elevação de um génio individual sobre outros seres humanos em nome de ganhos financeiros da elite da elite. […] Recentemente, nós testemunhamos a equação absoluta entre arte e capital. Os membros dos conselhos dos museus montam exposições de artistas vivos ou mortos, os quais eles colecionam como lotes de pacotes de dívida. Exposições montadas por museus são feitas para inflar estes mercados”. Ora, é importante lembrar que a ocupação de museus em 2011 encontra um eco na “crítica institucional” [11] protagonizada pelas práticas artísticas do final dos anos 1960, como as ações do GAAG, Guerrilla Art Action Group de Jon Hendricks e Jean Toche. Na tarde de 18 de novembro de 1969, Hendricks e Toche, acompanhados de outros membros do grupo, ocuparam o lobby do MoMA, encenando um banho de sangue em protesto contra a ação elitista e a ligação dos Rockefellers com a guerra do Vietnam. Durante a ação, cem cópias de um manifesto que clamava a resignação imediata dos membros da família Rockefeller da “board of trustees” do MoMA foram espalhadas pelo saguão de entrada [12]. “Há um grupo de pessoas extremamente ricas que estão usando a arte como um meio de auto-glorificação e como uma forma de aceitação social. Eles usam a arte como um disfarce, uma capa para seus envolvimentos brutais com todas as esferas da máquina da guerra”. Como afirma Alexander Alberro, os artistas que assumiram os desafios da crítica institucional neste período consideravam importante “expor a instituição da arte como um campo profundamente problemático, tornando aparente as intersecções entre os interesses políticos, econômicos e ideológicos que diretamente intervieram e interferiram na produção da cultura pública” [13]. Se, por um lado, a associação entre as práticas artísticas dos anos 1960 e 1970 com os atuais desdobramentos de Occupy Wall Street na esfera das artes possa parecer um tanto simplista, por outro, não se pode negligenciar que os protestos daquele período tem inspirado muitos dos “occupiers” [14]. Paralelamente às críticas relativas a falta de propostas concretas que desafiem a produção e a difusão artística institucionalizadas, é possivel notar que a repercussão das ações do grupo dependerá, em grande parte, da sua capacidade de aprofundar o entendimento das redes de influência social e económica no mundo das artes. Nesse sentido, é importante acompanhar de que forma os seus protestos poderão originar alternativas suscetíveis de impactar a esfera pública da cultura, bem como, repercutir de maneira direta no “establishment” artístico. Notas * Este texto sobre o simpósio The Critical Edge of Curating [www.tinyurl.com/3kv2ssf] foi publicado originalmente na plataforma Forum Permanente [www.tinyurl.com/75yf787] [1] Stanszewski, Mary Anne, The Power of Display. Cambridge: MIT Press, p. XXIII [2] “Exhibitions have become the medium through which most art becomes known. Not only have the number and range of exhibitions increased dramatically in recent years but museums and art galleries such as the Tate in London and the Whitney in New York now display their permanent collection as a series of temporary exhibitions. Exhibitions are the primary site of exchange in the political economy of art, where signification is constructed, maintained and occasionally deconstructed. Part spectacle, part social-historical event, part structuring device, exhibitions - especially of contemporary art - establish and administer the cultural meanings of art.” Greenberg, Fergunson, Nairne, Thinking about exhibitions. Nova Iorque: Routledge, 1996, p. 2 [3] “[…] there was no business plan, no strategy, just the pure pleasure of improvisation and mass communication, like running a small radio station or something”. Ulrich Obrist, Vidokle, Aranda. “Ever. Ever. Ever”. IN: e-flux, 2006. Disponível em: www.tinyurl.com/83de6y5 [4] Para uma definição do termo “agente” no âmbito da Documenta 13, consultar: www.tinyurl.com/7be8fqy [5] “Agency is the realization of a principle. […] Therefore, understanding artistic agency as the exercising of a capacity implies understanding this agency as an action in which a subject realizes the general form that reflects a social practice; this means understanding art as a social practice and the subject as its participant. Forces, like capacities, are principles that become realized through agency”. Menke, Christoph, “The Force of Art. Seven Theses” In: INDEX. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2010. Disponível em: www.tinyurl.com/7uqvt8f [6] “When an artist embraces dialogue and sets out to create a process that involves sharing power, this can reorient the process. […] Dialogue is not a means to an end, but a process, an ongoing project of intersubjective investigation”. Finkepearl, Tom. “Paulo Freire: Discussing Dialogue”. In: Dialogues in Public Art. Cambridge: MIT, 2000. p. 283 [7] Texto de apresentação do projeto extraído do site: Immigrant Movement International (IMInternational) – Disponível em: www.tinyurl.com/7yhyo3t [8] “Dispersed across much broader cultural, social, and discursive fields and organized intertextually through nomadic movement of the artist—operating more like an itinerary than a map—the site now can be as various as a billboard, an artistic genre, a disenfranchised community, an institutional framework, a magazine page, a social cause, or a political debate”. KWON, Miwon. One place after another. Site Specificity and Locational Identity. Cambridge: MIT, 2002. p. 3 [9] Para outras perspectivas sobre a expansão da esfera de atuação curatorial, consultar: Ramirez, Mari Carmen. “Brokering identities: art curators and the politics of cultural representation”. In: Thinking about exhibitions, Nova Iorque: Routledge, 1996, p. 21 [10] “The game is up: we see through the pyramid schemes of the temples of cultural elitism controlled by the 1%. No longer will we, the artists of the 99%, allow ourselves to be tricked into accepting a corrupt hierarchical system based on false scarcity and propaganda concerning absurd elevation of one individual genius over another human being for the monetary gain of the elite of elite. [...] Recently, we have witnessed the absolute equation of art with capital. The members of museum boards mount shows by living or dead artists whom they collect like bundles of packaged debt. Shows mounted by museums are meant to inflate these markets”. Disponível em: www.tinyurl.com/6pk5kw6 [11] “The artistic practices that in the late 1960s and 1970s came to be referred to as institutional critique revisited that radical promisse of the European Enlightenment, and they did so precisely by confronting the institution of art with the claim that it was not sufficiently committed to, let alone or realizing the fulfilling, the pursuit of publicness that had brought it into being in the first place”. Alberro, Alexander. “Institutions, Critique and Institutional Critique”. IN: Alberro, Alexander, Stimson, Blake. Institutional Critique: an anthology of artists’ writings. Cambridge: MIT, 2009. p. 3 [12] “There is a group of extremely wealthy people who are using art as a means of self-glorification and as a form of social acceptability. They use art as a disguise, a cover for their brutal involvement in all spheres of the war machine”, Guerrilla Art Action Group, “A Call for the Immediate Resignation of the Rockefellers from the board of trustees of the Museum of Modern Art” (1969), IN: Institutional Critique: an anthology of artists’ writings. Cambridge: MIT, 2009, p. 86 [13] Para mais detalhes, ver entrevista de Kalle Lasn, redatora-chefe da revista Adbusters, defensora do movimento. “We are not just inspired by what happened in the Arab Spring recently, we are students of the Situationist movement. Those are the people who gave birth to what many people think was the first global revolution back in 1968 when some uprisings in Paris suddenly inspired uprisings all over the world”. Disponível em: www.tinyurl.com/3eqpj3d [14] “Thus by the late 1960s and the 1970s it had become especially crucial for artists who took up the challenges of institutional critique to expose the institution of art as a deeply problematic field, making apparent intersections where political, economic and ideological interests directly intervened and interfered in the production of public culture”. Alberro, Alexander. “Institutions, Critique and Institutional Critique”. In: Alberro, Alexander, Stimson, Blake. Institutional Critique: an anthology of artists’ writings. Cambridge: MIT, 2009. p. 6. :::: Sabrina Moura Graduada em Fotografia (SENAC-SP) e História (PUC-SP). Entre 2009 e 2011, realizou um Mestrado em Estética e História das Artes Plásticas na Universidade Paris VIII, financiado por uma bolsa de pesquisa do Conseil Regional Île-de-France, e seguido de um estágio profissional no International Program Department do Museum of Modern Art (MoMA) em Nova Iorque. Essa formação foi complementada por um Mestrado Profissional em Direção e Condução de Projetos Culturais na Sorbonne e aperfeiçoamento em Museologia na École du Louvre. Na França, trabalhou na produção editorial da 40a. edição do festival internacional de fotografia Les Rencontres d’Arles e no serviço cultural da agência Magnum Photos. Em 2010, recebeu o primeiro prémio do Certamén de Comisariado PhotoEspaña/Transatlántica pela curadoria da exposição Instantes Extemporáneos: Pasajes abiertos en dirección al movimiento. Atualmente trabalha como editora e curadora independente. |