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11ª BIENAL DE ISTAMBULPEDRO NEVES MARQUES2009-10-05Este artigo sobre a 11ª Bienal de Istambul irá complementar-se com um artigo dedicado à 2ª Bienal de Atenas, eventos que estão relacionados dado o crescente interesse geopolítico das artes pela região. A invocação de Brecht abre o mote à 11ª Bienal de Istambul, com o subtítulo de “What keeps mankind alive?” retirado da Ópera dos Três Vinténs de 1928. A invocação aproveita o espírito de Brecht, a relação da Arte com o Capital e os paradoxos críticos de uma Esquerda aburguesada. Neste sentido a Bienal propõe-se a um reflexão não só da cultura na política e da politização da cultura em tempos da sua capitalização extrema, mas, hermeneuticamente, de uma ideia de Esquerda que já não é. Este parece ser o seu ponto forte, uma marca perante tantas outras bienais (ver artigo de Outubro próximo sobre a 2ª Bienal de Atenas), mas por igual a indicação do seu falhanço enquanto suposto think tank para um caminho politizado das artes. Após uma bienal em 2007 curada por Hou Hanru e focada na própria bienal enquanto elemento de modernização da região, este ano a curadoria da Bienal de Istambul encontra-se a cargo do colectivo de Zagreb WHW/ What, How & for Whom. Apesar da representação maioritária de artistas do Médio Oriente (Istambul incluído), evitável ou inevitavelmente a escolha do WHW desvia o foco da bienal para o Leste Europeu e Balcãs e o presente pós-comunista da região, contexto indubitavelmente brechtiano no que se refere ao falhanço da promessa democrática tomada rápida e obviamente pela pesada oligarquia russa. O paradoxo da 11ª Bienal de Istambul não é no entanto o retorno a Brecht, e com este a um vincado militantismo nas artes ou das proposições emancipadores, mais do que participativas, do seu teatro, mas uma ingenuidade extrema na invocação do arquétipo de Brecht e, por outro lado, da inexistência de uma reflexão construtiva acerca dos caminhos da Esquerda e da arte e/ ou dos artistas enquanto elementos tendencial e historicamente esquerdistas e como tal de suposta capacidade de emancipação. Perante a proposição da plena intrusão do capital e do neo-liberalismo nas Artes e na Política o que se apresenta nos três pólos da Bienal (o grande hangar que ladeia o Istambul Modern Museum frente ao Bósforo; a desactivada escola grega de Feriköy; e a pequena Tobacco House) confronta-nos explicitamente com uma revisão dos últimos vinte anos de condição pós-comunista, sendo as peças pelo colectivo editorial de Moscovo, Chto Delat/ What is to be done?, as mais literais a este respeito. Este é um peso árduo na exposição visto resumir-se em última análise precisamente a uma revisão histórica e pessoal da vida na região após o falhanço do sistema soviético, revisão para mais feita entre um misto de utopismo e melancolia que pouco parece oferecer de produtivo face tanto ao título de uma das mesas redondas organizadas durante o fim-de-semana de inauguração, “Who needs a world view”, como ao próprio título da bienal, o qual facilmente se poderia assumir em “What keeps Communism alive for mankind”. Porque este [Comunismo] mantém-se indubitavelmente hoje como o espectro que não cessa de assombrar as artes e o pensamento crítico face à crescente supremacia e intrusão do neo-liberalismo em todos os estratos da vida comum – cultura incluída. No seu recente livro “O Espectador Emancipado” Rancière refere bem as problemáticas actuais de qualquer perspectiva de emancipação face ao falhanço da Nova Esquerda francesa pós-Maio de 68: “(...) por um lado, a denúncia de esquerda do império da mercadoria e das imagens tornou-se uma forma de consentimento irónico ou melancólico à própria inevitabilidade do império. Por outro, as energias militantes viraram à direita onde alimentam agora uma nova crítica do mercado e do espectáculo cujos malefícios se vêm requalificados enquanto crimes de indivíduos democráticos.” (1) E é precisamente este o paradoxo, em conjunto com a aparente necessidade de revisão do projecto comunista nas suas origens e desvios, que a 11ª Bienal de Istambul parece ter optado por não percorrer. Ao ver a bienal não deixa de pairar a sombra da ausência do recente desenvolvimento do comunismo em países latinos ou a fusão do comunismo e do mercado encontrada hoje na República Popular Chinesa. É que é certo o foco curatorial da bienal incidir na experiência da região, mas numa bienal aberta à estatística do próprio projecto (orçamento; representação; fundos; etc.), elemento possível de encontrar tanto no catálogo de exposição como numa das salas da Tobacco House, a inclusão maioritária de artistas do Médio Oriente acaba ainda assim por não se fazer notar face ao foco conceptual proposto pelo WHW. Que dizer das consequências do envolvimento comunista no Médio Oriente e da actual estratégia geopolítica da Rússia? Excepção feita aos vídeos e performance pelo artista libanês Rabih Mroué, no qual este se apresenta directa e biograficamente como agente activo na política da região, ou das fotografias de praças de fuzilamento pelo artista sírio Hrair Sarkissian, poucas são as obras em exposição que assumem esse papel. Que dizer por igual das proposições de Boris Groys quanto à presença de um modelo de produção e circulação de arte para lá do mercado no interior da ex-União Soviética? A obra apresentada pela artista arménia Karen Andreassian, um vídeo de viagem durante a qual o escritor Stephen Wright vai comentado diversos tópicos relacionados com Estética e Ética, confronta ideias como as de Groys, mas poucas outras obras parecem fazê-lo. Não deixam ainda assim de se encontrar variadas peças marcantes ao longo da bienal e do seu foco conceptual sem dúvida pertinente. De particular destaque é o recuperar de obras como as pinturas e desenhos feitas a partir de estatísticas económicas ou políticas pelo obscuro artista alemão KP Brehmer; o filme histórico Step by Step de 1977 pelo cineasta sírio Mohammed Ossama – belíssimo retrato da juventude operária na Síria da época; ou o vídeo do neo-vanguardista húngaro Támas St. Auby no qual se entrelaçam filmagens de espaços públicos e/ ou laborais (do café à fábrica) e trabalhadores com uma disparidade, diálogos irreferenciados na criação de uma narrativa quebrada. No entanto, a sensação geral é de uma exigência da arte enquanto eficaz e traduzível, uma arte com impacto e pedagogia, quando todo o dispositivo da bienal e da maioria das peças em exposição se revela anacrónico e incapaz dessa mesma exigência, chegando ao ponto de uma certa vontade naive do que a política é e pode ser na arte. Mas como bem afirma Rancière, o político na arte dá-se enquanto dissensão na produção e distribuição de sensibilidades, ao invés de na expectativa de uma acção directa das artes na política. Talvez a décima primeira bienal de Istambul seja uma bienal com manifesto, vincada tematicamente como poucas parecem ser, mas esta apresenta-se em última análise como uma bienal com corpo mas sem cabeça, ou como referiu Charles Esche (curador do Van Abbemuseum) na referida mesa redonda organizada relativamente ao nosso presente pós dicotomia Ocidente/ União Soviética, com um olho apenas quando para se obter perspectiva são necessários dois. No entanto, o problema aqui parece não ser a proposta curatorial da bienal em si mesma mas os próprios modelos e funcionamento da arte quando confrontados com a vontade e exigência de uma eficácia eminentemente política nesta. Pedro N. Marques NOTA (1) No original: “(...) d’un côté, la dénonciation de gauche de l’empire de la marchandise et des images est devenue une forme d’acquiescement ironique ou mélancolique à cet inévitable empire. De l’autre, les énergies militantes se sont tournées vers la droite où elles nourrisent une nouvelle critique de la marchandise et du spectacle dont les méfaits se trouvent requalifiés comme crimes de individus démocratiques.” in Rancière, Jacques, Le Spectateur Émancipé, La Fabrique éditions, 2008. 11th International Istanbul Biennial SET 12 – 08 NOV 2009 www.iksv.org/bienal |