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CARTOGRAFIAS: GEOCRíTICA E GEOESTéTICA NA BIENAL DE LYONTERESA CASTRO2007-10-01La Sucrière, Institut d’Art Contemporain, Fondation Bullukian e Musée d’Art Contemporain 19 de Setembro 2007 – 6 de Janeiro de 2008 2007 é definitivamente o ano de todas as bienais, trienais, quinquenais e mesmo decenais (caso do mítico Skulptur Project Münster que festeja este ano a sua quarta edição). A análise perspicaz de Lígia Afonso discute bem as consequências deste surpreendente “alinhamento cósmico” (a expressão é da autora), que se presta a mediatizações e mercantilizações. No enorme mapa em que se desenrolam estas complexas manobras estratégicas, os franceses contribuem com a (nona) Bienal de Lyon, aberta ao público no passado dia 19 de Setembro. Fazendo justiça aos mecanismos de marketing expostos por Lígia Afonso, a Bienal de Lyon associa-se à (primeira) Bienal de Atenas e à (décima) Bienal de Istambul, promovendo, sob a designação “Três Bien”, múltiplos eventos paralelos, decorrendo na Bienal de Veneza, na Feira de Arte de Basileia e na Documenta de Kassel... A nível regional, a Bienal de Lyon é acompanhada por 120 manifestações, a realizarem-se em 90 locais da região Rhône-Alpes (Festival Résonance 2007). Se os números são impressionantes – dando bem conta da extraordinária máquina de produção e de montagem que se encontra por detrás deste tipo de acontecimento -, a importância da dimensão geoestratégica salta aos olhos, tanto e a tal ponto que o próprio tema da Bienal parece ser a “geocrítica”. A “geocrítica”? Hans-Ulrich Obrist e Stéphanie Moisdon, comissários, preferem a imagem de um “livro de história e de geografia”: para o realizar desafiaram 49 comissários “de todo o mundo” a escolherem o artista essencial da década, “que ainda não tem nome”. Estes 49 críticos constituem o primeiro círculo de “jogadores”: um segundo grupo é constituído por 14 artistas a quem foi proposto conceber uma programação ou um evento. A metáfora do desafio é perfeita: Lyon transforma-se, como por magia, num gigantesco tabuleiro onde se desenrola o primeiro jogo de estratégia oficialmente subordinado ao tema “arte contemporânea”. Assinalemos desde já que Portugal, país dito periférico, não se encontra representado, e que o continente africano se resume a um comissário sul-africano... Na verdade, a ideia de Obrist e Moisdon resulta melhor no papel do que traduzida em quatro dimensões. Percorrendo os diversos locais onde se realiza a Bienal, salta aos olhos a falta de coerência interna do evento, verdadeiro elogio da acumulação onde obras muito distintas – nomeadamente no que diz respeito à sua qualidade e pertinência – convivem sem dialogar, desafiando pela sua ausência de contextualização o visitante melhor informado. Como responder, de facto, a uma pergunta tão estranha como a colocada pelos organizadores? O que é um artista “essencial” e qual o interesse de o identificar? Como decidir da sua importância para a década quando nos encontramos apenas em 2007? Porquê continuar a reflectir em termos de decénios? Obrist e Moisdon não respondem a estas questões, mas adiantam, na sua nota de intenções, alguns elementos interessantes, por entre alusões ao trabalho teórico de Kubler e de Agamben, bem como à Biblioteca de Babel de Borges e à polifonia da história. Para os comissários, toda esta acumulação de obras constituiria, na realidade, uma tentativa de arqueologia da actualidade, reflectindo, para além disso, a globalização das questões e das tendências. Obrist e Moisdon acrescentam ainda que o “jogo” que conceberam não pretende delegar as responsabilidades conceptuais a (largas dezenas) de terceiros, mas reconsiderar criticamente a noção de lista. No entanto, percorrendo o magnífico edifício de La Sucrière, os ecos desse exercício crítico não se fazem ouvir. Deparamo-nos também, e talvez demasiadas vezes, com comissários que escolhem artistas seus compatriotas: o reflexo é natural e compreensível - mas que nos diz ele sobre suposta mundialização dos problemas, mundialização que exclui aqui, de forma gritante, o continente africano? No Musée d’Art Contemporain, uma instalação de Michel Houellebecq intitula-se “Le monde n’est pas un panorama”. É o título da obra e não a obra que retém a nossa atenção. A coberto da “geografização” das questões que dominam hoje o mundo da arte, a Bienal de Lyon propõe-se realizar não um panorama – um espectáculo oferto ao olhar totalisante do espectador –, mas concretizar um verdadeiro jogo interactivo. Infelizmente, e esta é apenas uma das críticas possíveis, o espectador é o grande ausente do suposto palco estratégico encenado pelos comissários. A questão geográfica – profundamente contemporânea – não passa de um pretexto, o sintoma visível dessa tomada de consciência à qual já não podemos escapar: hoje em dia, a análise do espaço - dos espaços -, sobrepõe-se à análise do tempo, questão fundamental para o século de Eistein. A estética é geoestética, a crítica, geocrítica e mesmo a filosofia, na peugada genial de Gilles Deleuze, se transforma, a pouco e pouco, em geofilosofia. Tanto haveria a dizer e a explorar sobre isso – a Bienal de Lyon pressente-o e demonstra-o, mas não o faz. Na geopolítica da arte contemporânea, o evento dilui-se assim por entre as 120 (!) bienais que competem actualmente no Grand Slam da arte (a expressão é mais uma vez de Lígia Afonso). Só a sua escala monumental e o seu papel indiscutível no cenário francês, ainda muito monopolizado por Paris, lhe garantem a visibilidade. [Entre os artistas representados no “primeiro círculo” destaquem-se os americano-porto-riquenhos Jennifer Allora e Guillermo Calzadilla, o brasileiro Marcellvs, os chineses Jia Zhang-Ke e Liu Wei. No segundo círculo, o convite foi feito aos artistas Saâdane Afif, Jérôme Bel, Claire Fontaine, Paul Chan e Jay Sanders, Trisha Donnely, Jean-Pascal Flavien, Michel Houellebecq, Pierre Joseph, Rem Koolhas, Markus Miessen, Willem de Roij, Josh Smith, Rirkrit Tiravanija e E-Flux Vídeo rental.] Teresa Castro |