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THE FUTURE OF FASHION IS NOWLARA TORRES2015-02-09
Lara Torres é designer e investigadora de moda portuguesa, actualmente a frequentar um doutoramento na London College of Fashion; apresenta-nos aqui um texto reflexivo sobre o projecto que desenvolve no âmbito dessa investigação, intitulado "Para uma prática de desfazer: uma estratégia critica para o Design de Moda", e que pretende questionar os processos de produção e consumo no mundo da moda de hoje. O texto parte do último projecto desenvolvido pela designer, "An Impossible Wardrobe for the Invisible" (2011), que integrou a exposição “The Future of Fashion is Now”, patente até Janeiro deste ano no Museu Boijmans Van Beuningen, em Roterdão, para começar a reflectir sobre o modo como se interligam a moda, o mercado e a experimentação. >>> O modo em que escrevo informado pela minha prática faz parte da investigação realizada no doutoramento que me encontro a desenvolver sob o título ainda temporário e em progresso (aqui traduzido livremente) Para uma prática de desfazer: uma estratégia crítica para o Design de Moda, uma reflexão sobre a problemática que rodeia o sistema da moda hoje. Dado que o âmbito deste artigo, é a recém terminada exposição The Future of Fashion is Now em Roterdão, na qual participei, e os temas a si adjacentes, que se entrelaçam com a minha prática, gostaria de alertar para o facto da minha escrita aqui ser realizada do ponto de vista do designer ou artista executante. The Future of Fashion is Now terminou no dia 18 de Janeiro de 2015. A exposição procurou examinar a postura crítica que alguns designers de moda, de várias partes do mundo, têm vindo a adoptar relativamente ao sistema da moda, bem como o questionamento do papel do designer e do vestuário na sociedade contemporânea. A seleção de projetos, revela o seu carácter transdisciplinar. A exposição foi abordada pela curadora José Teunissen como uma sequela para a exposição The Art of Fashion, installing allusions, de 2009, no Museu Boijmans Van Beuningen, que tem uma longa tradição de exposições interdisciplinares. Procurando explorar o Museu enquanto espaço de pesquisa, a exposição explorava o limiar entre Arte e Moda, observando de que forma tinham sido ultrapassadas as fronteiras de ambas as disciplinas, miscigenando cada uma delas. A exposição de 2009 foi um prelúdio para a exposição The Future of Fashion is Now, procurando situar a moda no território performativo do indivíduo, como seria descrito pela autora Anne Hollander no seu livro “Seeing through clothes” no qual caracterizava o vestir como uma forma de arte visual, que cria imagens através da representação visível do eu enquanto media . Interpretando a moda enquanto forma de arte visual e não enquanto técnica, nem pelo seu carácter meramente utilitário (Hollander, 1998). A contaminação da Moda pelas Artes Plásticas e vice-versa, não é surpreendente, sendo que partilhavam um interesse comum: o território do “Eu” e da identidade (Teunissen, 2014). A relação entre o indivíduo e o corpo (essencial quando pensamos em vestuário) foi um dos temas aprofundados por uma geração de artistas emergentes nos anos 60 e 70 que diversificou a variedade de média utilizados. Dificultando classificações e fronteiras, muitos artistas plásticos exploraram esta dialética entre o indivíduo e a sociedade , rejeitando orientações formalistas e tendo um interesse centralizado no corpo humano em si enquanto objecto de trabalho e exploração artística. Paralelamente, como consequência da crescente massificação da produção e do consumo de vestuário produzido industrialmente, a moda, veio a ser entendida como uma forma cultural completamente distinta. Sendo vista como mercadoria capitalista, no sentido mercantilista e enquanto bem de consumo, perdeu o seu valor artístico. A peça de vestuário foi banalizada, perdendo o seu valor económico assim que comprada, enquanto a obra de arte era valorizada enquanto investimento futuro. Com a massificação da moda nos anos 60, assistiu-se a uma democratização da moda mas também a uma banalização do vestuário, que foi perdendo alguma da sua capacidade de intervenção política e social. Nos últimos anos, o campo de atuação da moda, face a uma pressão constante de um mercado global cada vez mais rápido e desigual, tornou-se um lugar acrítico e completamente dominado pela lógica de mercado, sem espaço de resistência, nem mesmo pelas subculturas. A teórica Rosalind Krauss, no seu amplamente difundido e comentado artigo de 1979 “Sculpture in the expanded field”, fala da noção de escultura no campo artístico expandido, uma negação da arquitetura e da paisagem – era uma combinação de negações que permitia definir a escultura em 1979. É possível realizar uma leitura paralela entre o diagnóstico de Krauss e o contexto de ambas as exposições no Museu Boijmans, onde o design de moda é apresentado também no campo expandido do design através da negação do vestuário, da moda e da usabilidade dando lugar ao seu questionamento. O uso de dispositivos que se aproximam da escultura, vídeo arte e instalação funcionam aqui, na exposição, como um mecanismo que possibilita a crítica ao sistema da moda. No espaço do Museu e através da ocupação de um lugar na fronteira entre disciplinas, o designer de moda encontra uma possibilidade de comunicar o desconforto e uma visão crítica acerca do que observa no exercício da sua disciplina. Helmut Draxler e Katja Gretinger discutem na conversa publicada no livro de 2012 “In the blind spot, a manner of Reading design” uma ausência crítica do design. Para Draxler o campo do design é um exemplo para a dimensão política de um discurso inexistente, sendo que para ele o design seria ideal, pela sua impureza, para fazer uma leitura das ambiguidades entre a sociedade contemporânea e a produção cultural. Draxler refere que o problema que ele encontra não é exatamente o desaparecimento do design experimental, mas sim o facto do mercado se ter vindo a apropriar do design experimental. Torna-se extremamente difícil ao designer relacionar-se com culturas de resistência e crítica, sendo que estas são constantemente apropriadas enquanto estratégias comerciais. O melhor exemplo no espectro do design de moda será o caso da Maison Martin Margiela (MMM), presente na exposição, que desde 1989 exerceu uma forte oposição crítica ao sistema da moda, de dentro para fora. Sublinhando, em gestos iconoclastas, as idiossincrasias do sistema através do recurso ao humor e da perversão das próprias ferramentas do sistema. Em Outubro de 2012, a marca MMM estabeleceu uma parceria comercial com a H&M para apresentar a reprodução de um conjunto de peças criadas pela marca MMM entre 1989 e 2012, na sua versão massificada de distribuição global. Ao permitir esta reprodução fora do seu contexto crítico, as peças que na década de 90 tinham possibilitado um lugar marginal de resistência, eram apropriadas pelo mercado. Peças que, por exemplo, anteriormente tinham sido efetivamente recicladas, ou o que Martin Margiela chamaria de recuperação (como por exemplo a sweat-shirt feita de meias de homem costuradas umas às outras, a lembrar o object trouvé das artes plásticas) eram transformadas aqui num produto comercial, uma cópia esvaziada do discurso crítico a si anteriormente associado. Margiela, que anteriormente sugeria a execução da camisola DIY, capacitando o público de instruções de como fazê-lo, enquanto conceito e não objecto comercial, demitia-se agora da responsabilidade crítica em prol da venda de um produto destituído de discurso.
Recorri ao contexto académico por estar, de alguma forma, numa posição mais protegida da lógica de mercado do que a minha anterior posição enquanto designer para marca própria, ainda que tivesse tido sempre uma forte componente de investigação no meu trabalho. O projeto apresentado nesta exposição intitulado An impossible wardrobe for the invisible de 2011, foi desenvolvido no âmbito do mestrado com apoio da Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian [de especialização e valorização profissional em artes - estudos no estrangeiro], este questionava o papel do designer através da constituição da produção para a inexistência de produto. A instalação vídeo mostra a documentação de sete ações, previamente planeadas, onde um guarda-roupa arquétipo era criado para ser vestido e destruído pela água. Embora planeadas, qualquer uma das ações tinham um resultado imprevisível. Significando que cada peça é única e não poderia ser repetida e que cada registo do acontecimento tem a sua própria duração e reproduz o evento (memória). A projeção vídeo mostra sequencialmente os seguintes filmes: 1. Woman in the water (vídeo, 4’25”) 2. Two man hug (vídeo, 5’30”) 3. Man sinking to the floor (vídeo,3’17”) 4. The older man sitting (vídeo, 5’44”) 5. Young couple (vídeo, 4’49”) 6. Women crossing the water (vídeo, 1’33”) 7. Self portrait (vídeo 3’04”)
Foi desenvolvido em colaboração com uma pequena equipa: Pedro Fortes como corealizador e os performers Joana Areal, Miguel Bonneville, Diogo Bento, Yann Gibert, Eduardo Petersen, Sofia Dias, Vítor Roriz, Andrea Brandão, Liz Vahia, Sofia Pimentão, Teresa Nobre e eu. A minha prática tem sido caracterizada pela utilização de processos onde o acaso e o fracasso foram assumidos como parte do desenvolvimento do trabalho. Veio a ser realizada, enquanto investigação, como uma prática ‘desmaterializada’ no sentido amplo do termo remetendo para as práticas artísticas da década de 70. Refere-se a um processo de desmaterialização que enfatiza a impermanência de todas as coisas. Presentemente, no desenvolvimento do meu doutoramento assente na prática, procuro uma estratégia de ‘desfazer’, privilegiando processos de criação deambulatórios, erráticos através dos quais é realizada a gravação, edição e reedição de vídeo. As imagens produzidas ou recolhidas, são constantemente coladas às anteriores, ou seja, explicando de uma forma simples faço uma colagem mais ou menos aleatória de alegorias, preocupações e pensamentos que refletem acerca do que pode ser hoje o design de moda. Esta metodologia apropria-se livremente da ‘desconstrução’ ou ‘desconstruções’ de Jacques Derrida, não no sentido filosófico do termo, mas sim como uma forma de compreender um processo e de desenvolver uma estratégia que permite uma multiplicidade de olhares sobre as mesmas preocupações. As ações, às quais estou a chamar de momento ‘coreografias’: coreografias da produção; coreografias do consumo e coreografias do vestir são registadas em vídeo e fotografia. O uso destes meios permite a dita reflexão, já aqui mencionada, utilizando o vídeo como pensamento: vídeo-pensamento. Esta estratégia permite descrever as relações dentro do sistema da moda e compreender como o próprio sistema se constitui, recorrendo ao mínimo de meios possíveis e simplificando-o, sendo que para o fazer é necessária a sua desmontagem, o seu desmantelamento analítico e posteriormente a sua reconstrução imaginária. O termo ‘desconstruir’ em si, evoca a imagem de uma estrutura ou um objecto suspenso no ar, com todas as suas partes visíveis . Esta imagem invoca algo prestes a colapsar. Não completamente destruído mas que se vai desfazendo. Desconstruir, sugere também que destruir permite compreender. A questão de linearidade narrativa foi-se tornando para mim uma questão secundária e interessou-me mais a densidade de associações que uma imagem permite, a ideia da imagem dialética de Walter Benjamin (Penksy, 2004). Considerando que uma consciência crítica dos processos de produção e consumo é inerente à atual problemática do design, como podemos, no contexto de uma crescente preocupação com o ambiente e alterações climáticas, conciliar o carácter efémero da moda com a sustentabilidade e equidade social? O papel do designer evoluiu desde o seu surgimento com a Revolução Industrial. Não estando exclusivamente ligado à produção e consumo massificados, o design está profundamente envolvido na produção de cultura e significado, e a ele acresce a responsabilidade política e social. Tendo encontrado algumas limitações nos meios utilizados anteriormente, e perpetuando a minha constante errância entre disciplinas, encontrei no vídeo-ensaio um meio que permite uma relação simbiótica entre o texto escrito da tese e a minha prática. Expandindo o género documentário, o vídeo-ensaio é um híbrido, que oscila entre a ficção e a realidade. No campo expandido do design de moda, onde existe a necessidade de reflexão e crítica, esta é explorada através da associação livre de uma narrativa fragmentária. O formato é fluído e informe, remetendo aos cuts-ups de William Burroughs ou ao improviso musical. Assumindo a forma de pequenos poemas visuais e desenvolvido de forma contínua, o vídeo permite não fechar a leitura e sim iluminar o caminho do espectador, deixando-o por sua conta no encontro com as preocupações com a sustentabilidade, produção e consumo. O filme é desenvolvido numa prática colaborativa, na qual o trabalho com Joana Linda e Sónia Baptista tem sido essencial bem como as colaborações pontuais com Liz Vahia, João Caldas e Gonçalo Birra. Estou ainda a articular pensamentos entre si (eles estão em formação), a pensar através do vestuário e do filme (algumas imagens abaixo podem ilustrar o texto e permitir compreender melhor do que falo). Notas [1] Lippard, L. R. (1973) Six years: the dematerialization of the art object from 1966 to 1972, London, Studio Vista. ::: Bibliografia
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