|
1.° BIENAL DE JOALHARIA CONTEMPORÂNEA DE LISBOA: O MEDO, O CORPO E A PROTEÇÃOCARLA CARBONE2021-10-28
A joalharia é muito mais do que mero adorno, luxo, ostentação de riqueza, e pertença a um grupo. As suas realizações, os seus meios, intrinsecamente ligados ao corpo, são uma tentativa de expressão, que reflete ideologias, tradições, contemporaneidade, história, inovação, identidade, e individualidade. Por meio da joalharia, que é um canal de transmissão, e transição de cultura, é possível, como se de um barómetro se tratasse, detectar o estado de uma determinada sociedade, e mesmo a condição da própria arte. A joalharia, sobretudo em Portugal, precisa de ser resgatada, tal como o foi outrora o deus Hefesto, pela deusa Tétis, na mitologia. A 1.° Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa é a melhor oportunidade para a fazer eclodir das sombras. A joalharia em Portugal, não tem tido, no meio artístico mais relevante, o merecido destaque. Urge colocá-la no lugar onde nunca deveria ter saído. Lançar as suas labaredas, como o fez Hefesto, o deus do fogo e dos metais, enjeitado por Hera, sua mãe. Emergir para se igualar, em importância, a todas as outras artes. A joalharia contemporânea, joalharia artística, ou nova joalharia, como é também chamada, reclama para si, novos conceitos, novos materiais - alguns deles pobres - meios mais alternativos, para expressar realidades socioculturais complexas e simbólicas. A joalharia serve de receptáculo a muitas coisas: pode ser relação com o corpo, extensão do mesmo, canal ou veículo de emoções. O corpo é o seu instrumento, o seu ancoradouro. Onde a jóia, ou adorno, cumpre um papel de concretização/reforço da sua própria função simbólica. Através do interface corpo/jóia são possíveis novos significantes, evocadores de novos mundos, novos olhares sobre o corpo, sujeitos à transitoriedade. Na esfera dos objetos, o adorno reflete o corpo como receptáculo de problemáticas atuais, identitárias, económicas, políticas, ambientais, sociais, apocalípticas, como a crise pandémica. Como podemos observar, na 1° Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa, os exemplos das peças de Typhane le Monnier, “Viseira” de 2020, de Christoph Zellweger, a série “Cabinet of Risks & Chances” 2021, ou a peça de Carla Castiajo, “Máscara para Tempos Incertos”, 2020. A presença de galerias na Sociedade Nacional de Belas Artes deu corpo, e conferiu densidade à bienal. Participaram “Viceversa”, com Ilona Schwippel e Christian Balmer, “AnonymousArt Project”, “Tincal Lab”, “Casa Fortunato”, “Galeria Alice Floriano”, “Galerie Beyond”, “Galerie door”, de Doreen Timmers, “Galerie Specktrum”, entre outras.
Rui Chafes, Lázaro, 2021. Escultura em ferro. Fotografia: Alcino Gonçalves
“Suor Frio”, uma exposição central da bienal, ocorrida nos espaços da igreja de São Roque e no Museu da Farmácia, com curadoria de Cristina Filipe e João Norton de Matos, combinou, num extenso elenco de artistas, internacionais e nacionais, a joalharia contemporânea, a escultura, a fotografia, o filme, a performance. A exposição, oriunda de um projeto ”Jóias e Objetos de Proteção para o Século XXI”, desenvolvido pela PIN, e em parceria com o “Mude”, reforça o tema principal da 1ª Bienal de Joalharia Contemporânea de Lisboa: a ideia do medo, do corpo, e a proteção.
Carla Carbone
|