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ENTREVISTA


Diogo Lança Branco


Sem título, 2015. Óleo s/ tela, 30 x 40 cm


Sem título, 2014. Óleo s/ tela, 30 x 40 cm


Sem título, 2013. Óleo s/ tela, 46 x 55 cm


Sem título, 2013. Óleo s/ tela, 46 x 55 cm


Não-caligrafia, 2019. Caneta s/ página de caderno A4


The ripe, the ruined and the green, 2018. Auto-edição A5, 16 páginas


Eu não devo lealdade a coisa nenhuma, 2019. Auto-edição A6, 20 páginas


Tentativa frustrada, 2017. Gesso acrílico e grafite s/ tela, 38 x 46 cm


Plataforma, 2016. Acrílico e grafite s/ madeira, 14 x 20 cm / E quando eu ouvia e venerava as raparigas picantes?


Entre dentes, 2016. Acrílico e grafite s/ madeira, 15 x 20 cm / Tens que ir lá de garfo, picar aquilo tudo. / O que ficar entre os dentes, é arrancar à força. Vais dizer tudo.


Onde tudo couber (estudo), 2016. Acrílico e canetas de feltro s/ madeira, 15 x 20 cm


reciprocity ~dylena~, 2020 vídeo, cor, som, 40’46’’ @ https://youtu.be/zCy_YNUf180


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JORGE DIAS



GEORG SCHÖLLHAMMER



JOÃO RIBAS



LUÍS SERPA



JOSÉ AMARAL LOPES



LUÍS SÁRAGGA LEAL



ANTOINE DE GALBERT



JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




DIOGO LANÇA BRANCO


17/11/2021

 

Diogo Branco nasceu em 1993 em Lisboa, onde vive e trabalha. Licenciade em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, tem vindo a mover-se do pintar para o dançar, interessade em práticas relacionais e de carácter discursivo.


O último trabalho que apresentou trata-se de uma colaboração com Helena Falcão Carneiro (Porto, 1995) para a plataforma online Wetland - disponível para visualização aqui. Também com Helena integrou a exposição comunidade, enquanto artista residente.
Diogo e Helena vão-se tentando perceber, numa dinâmica de conversa confessional da qual estamos excluídes, embora esta não se situe no lugar da conversa estilo reality show, onde constantemente podemos vigiar e julgar o dito e o agido.  “Às vezes adorava não-cabeça” (…) “se calhar preciso de fazer umas meditações” Trata-se de uma deambulação introspectiva, onde uma afectividade e uma intimidade se dão a ver nas suas dinâmicas, no oscilar entre a imagem e suas construções, entre considerações mais mundanas e indagações complexas sobre o mundo, sem procurar uma resposta ou um caminho único.
“Estou completamente baralhade
Mas com quê?”
E o corpo acompanha o movimento de pensar, a assumpção do que se sabe, do que não se sabe, das dúvidas e críticas. Achamos que os corpos estavam separados, mas afinal apenas a imagem os separa, nos separa. E os olhares, divergentes entre a imagem-espelho e/ou a imagem filmada e a imagem em presença.
“Não li o suficiente para me poder pronunciar.”
Pela sensibilidades em jogo nesta colaboração e pela vontade de compactuar com a falta de “previsões antecipadas e antecipações formais” (como expresso por Dylena - Diogo Lança Branco + Helena Falcão Carneiro) convidei Diogo a conversar comigo sem rede, sem guião. A pensar em directo, em tempo real, ao vivo-diferido o que é o seu universo, a sua prática, e para onde se move.
 
 
 
Por Catarina Real

 

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DLB: Olá, eu sou Diogo. Diogo Lança Branco.
 
CR: Lança Branco?
 
DLB: Costumava apresentar-me como Diogo Branco, mas quero que esteja presente o nome da minha mãe também.
 
CR: É muito pictórico-coreográfico.
 
DLB: Há uma certa pujança nele, sim.
Fui construindo um percurso académico virado para as Artes quando comecei o ensino secundário na António Arroio. Foi uma mudança gigantesca na minha vida: a primeira onde compreendi o que “mudança” era. Tive medo, tive de ser empurrade. A Arroio expandiu-me os horizontes. Ali tive um contacto com uma série de práticas e áreas diferentes, e a minha percepção das artes e de tudo o que era possível fazer dentro delas alterou-se drasticamente. A exploração da sensibilidade. Estudei Audiovisuais, e quando acabei segui para a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Estudei pintura, onde conheci uma data de pessoas maravilhosas, que continuam a pertencer ao meu círculo de amigos. Na faculdade tudo indicava que eu queria fazer pinturas [para sempre]. O terceiro ano sedimentou a minha prática; foi quando comecei a fazer exercícios de pintura de memória. Inicialmente, memória visual. Tinha feito algumas viagens longas, acompanhade, e comecei a reproduzir imagens a partir das minhas lembranças. Tenho uma péssima orientação geográfica, e não sabia os nomes dos sítios que visitávamos ou por onde devíamos ir, mas guardei muitas imagens, e tentei ir reproduzindo esse lado sensível da viagem nestas pinturas. Construíuma parede de pinturas enorme na faculdade, cheia de paisagens.
Devia criar uma plataforma para ter este material, porque dou por mim a esquecer-me de partes destes exercícios, que foram uma introspecção bastante intensa. E sem dúvida mais complexa do que a forma como sei falar sobre ela.
 
CR: Porque não era apenas a memória da imagem... mas de todas as associações a esses percursos.
 
DLB: Sim, inclusive um relacionamento amoroso, também intenso, que requeria compromisso e cedências. Aquelas paisagens acabaram por ser um processo muito íntimo de estabelecer limites para mim próprie, perceber onde estou. Inevitavelmente aquelas imagens são o que eu sou.
 
CR: Paisagens-retrato?
 
DLB: Sim. Gostava de ter pensado mais sobre elas. A faculdade ocupa-nos muito tempo e espaço com outras coisas, para além do que gostaríamos.
 
Ainda ontem me cruzei com umas grades e pensei que tinha de preparar umas telas. Nem que seja só para estarem prontas... Sempre adorei o processo de engradamento. As mãos ficam a doer. É parte do trabalho, essa preparação para começar a pintar.
 
CR: É o aquecimento.
 
DLB: Isso ainda aqui está. Às vezes olho para certas coisas e penso “sei fazer, eu sei fazer”. Mas já perdi, ou me libertei, da pressão que colocava sobre mim próprie de fazer todas as coisas muito bem.
Ontem vi no Instagram um time lapse de uma ilustradora e fiquei fascinade com aquele descompromisso. Era apenas um exercício instintivo. Tão simples!, é só fazer um desenho.
Às vezes esqueço-me dessa facilidade, de as coisas não terem de ser difíceis.
 
CR: Até certo ponto tens na ilustração uma subordinação ao texto, a um enunciado sobre as imagens. No meu entendimento é o que separa a prática da ilustração da prática do desenho e da pintura, porque de resto... inclusive tecnicamente ocupam os mesmos espaços.
Em todo o caso, compreendo o fascínio com o descompromisso. De alguma forma, já pensei esse pensamento.
 
DLB: Eu esqueci-me que podia ter prazer a fazer um desenho ou a fazer uma pintura. Tudo está construído de uma forma tão cheia de expectativas que, às tantas, parece que nunca ninguém te ensinou nada... Percebes o quanto a esfera artística, limitada, é gerida em torno de afectos, sociabilidade... e ninguém te ensina a forma de te apresentares e construíres. Parece que não há uma rede; se és insegura és insegura e isso fará com que o teu percurso seja mais difícil. Tens de ser simpática. Tens de aproveitar as oportunidades. E começar a pensar nessas coisas - e aperceber-me que isso acontecia - começou a perturbar-me.
 
CR: Sentes que essas dinâmicas - que embora pertençam ao mundo artístico não pertencem à prática artística - conseguem entrar, atingir, a tua prática?
 
DLB: Atingiram no sentido em que deixei de me interessar. Houve uma altura, quando partilhava o atelier com a Inês Brites, em que ela progressivamente ficava mais concentrada no trabalho dela, nas exposições... A forma como ela se estava a entusiasmar com todo o universo expectável, fez-me criar uma resistência a certas coisas, a partir de uma experiência que nem era minha. Não quero soar arrogante ou pretensiose! Certas coisas deixaram de fazer tanto sentido, para mim.
 
CR: Não me parece pouco comum a tua experiência, julgo até saudável passares pelo processo que te dá consciência de onde estás e de onde queres estar. Quando compreendes as dinâmicas do contexto, depois podes compactuar ou não com elas. Embora isso não pertença completamente ao fazer, é um ganho de maturidade a decisão sobre o formato da tua inscrição no meio.
 
DLB: Isto vem muito a par com o que sinto agora. Também ganhei esta repulsa comigo próprie. Sou muito autocrítice e embrenhar-me na minha instrospecção, no meu drama, no projecto de drama que tenho vindo a desenvolver [riso], fez-me ficar fechade sobre mim próprie e a coisa [a prática artística] a tornar-se um pouco egocêntrica e pouco produtiva. Faz mais sentido para mim este momento de conversa, onde criámos um à vontade, do que alimentar-me sozinhe, tentar produzir e ter essas coisas presas em mim. Não encontrei ainda uma forma de escape, via projecto artístico, destas coisas de que falamos.
E acho que foi isso que me levou - introduzindo agora outra deriva - à escrita.
 
Escrevo mais frequentemente desde os 18 anos. Sobretudo pequenos textos, sempre muito intensos, melodramáticos, pegajosos!, que vinham dos meus amores e da perdição de mim próprie dentro deles. Entretanto foram-se tornando coisas mais leves, que vêm de apropriações de coisas que vou ouvindo, de invenções de palavras que eu e outras pessoas fazem, e a partir das quais vão surgindo pequenas frases e textos.
A partir de textos como estes é que apareceram os desenhos que expus na Foco em 2018. Eram muito ilustrativos, cada um deles tinha um texto como base.
 
CR: Nesse sentido, o que eu dizia quanto à diferença para com a ilustração deixa de ser relevante.
 
DLB: Na altura até pensava que eram demasiado literais, questionava-me se não deveria haver uma outra camada de interpretação. Mas claro que não. Porque é que haveriam de a ter?
 
CR: Era-nos [a nós, visitantes] dado acesso a esses textos?
 
DLB: Estavam escritos no verso do suporte. O título era sempre uma das frases do texto.
 
CR: Como continuaste essa relação texto-desenho a partir daí?
 
DLB: O texto foi ganhando mais espaço e entretanto tenho vindo a valorizar o significado das palavras, e a escolha das que devem ser proferidas ou as que devem ficar sossegadas até estarem prontas para serem ditas ou desenhadas.
Fiz duas publicações auto-editadas - um momento de viragem, porque me deu imenso prazer - em que compilei textos onde identifiquei uma linha condutora, sempre melancólica e tecida à base de memórias. Um deles é uma compilação de textos, o outro tem uma capa de nuvens e uma frase que me foi dita em 2019, e que eu guardei comigo para o ano todo: “Eu não devo lealdade a coisa nenhuma”. Decidi fazer uma espécie de exercício de punição, repetindo cada palavra desta frase o maior número de vezes possível por página, até perfazer a frase completa. É um livrinho de uma frase só.
 
CR: Como um mantra?
 
DLB: Num processo de purga, para me libertar de algumas manias.
 
CR: E achas que não deves, de facto, lealdade a coisa nenhuma?
 
DLB: A frase teve o seu tempo e espaço para respirar, e acho que já não penso nela da mesma forma. Acho que há coisas às quais se deve lealdade. Outras, não merecem nenhuma.
 
CR: Quais a merecem?
 
DLB: Envolvem sempre pessoas. Creio que se relaciona com os processos pelos quais passava na altura. Há certos relacionamentos que merecem que a lealdade vá sendo moldada, embora seja uma coisa volátil. Por outro lado, há tensões e pressões que são exteriores a nós e às quais não devemos dever lealdade. Temos de nos libertar delas.
Este foi o meu processo, não é uma frase para impingir a ninguém. Eu não devo lealdade à prática artística como imaginava que ela deveria ser, eu não tenho que ser ume escritore, não tenho de ser ume bailarine, dominar uma técnica...
 
CR: Se calhar deve-se mais ao que se deseja.
 
DLB: Ou ao que se pode.
O que desejas ou o que podes.
 
CR: Parece que o que se pode fica preso numa cápsula de que não consegue libertar.
Lembra-me a palestra a que assistia ontem, da psicanalista brasileira Maria Homem, sobre o lugar do desejo durante a quarentena, em que era dito - e faço aqui um retrato rápido para chegar onde quero - que a imobilidade que a quarentena nos trouxe, mesmo que não nos tenha libertado tempo, nos obrigou a reconsiderar o nosso desejo face aos constrangimentos - o emprego, as relações, as rotinas. O nosso desejo ainda existe no que podemos?
 
DLB: Ao nutrir um desejo, qualquer que seja, também ele se torna um catalisador da mudança do que se pode, ou não pode, fazer. Estou a passar talvez para um cenário mais social. Podíamos divagar imenso sobre isso. Sinto que esta fase é muito tensa, tudo está a fervilhar. Todos pensamos sobre o espaço que devemos ocupar, o lugar de fala que nos pertence. E agora pensava no desejo nesse sentido, o de alterarmos o que podemos, ou não, fazer.
E isto leva-me ao vídeo em que trabalhei com a Helena.
 
CR: Acho que tudo o que falamos nos leva... ou melhor, existe, no trabalho que fizeram juntas.
 
DLB: É difícil dizer de onde vem este trabalho. Vídeo é um meio com que me debato desde a faculdade, interessa-me. A Helena é uma pessoa que está na minha vida há bastante tempo, mas apenas há dois anos é que começámos a construir uma cumplicidade diferente. Depois do primeiro confinamento começámos a encontrar-nos para trabalhar num possível vídeo, que era uma ideia latente que tinha, e que potenciou esta colaboração. Começamos a ponderar o que poderia acontecer dentro do vídeo... mas sempre que nos juntávamos, havia divergências nas nossas conversas; para a dança, referências académicas e, com maior recorrência, para as coisas banais e diárias que as rodeiam. A Helena está a seguir um percurso académico com um peso diferente do meu, e é extremamente informada e culta. Percebemos que o que nos interessava mais era estar juntas. Mesmo sozinhas, mas juntas. E falar sobre as coisas. As que fossem... No vídeo entra essa cumplicidade, mas também a do movimento, a da dança. A Helena frequentou o c.e.m e eu tenho estado active em workshops e pequenas formações desde 2019.
Às tantas debati-me com a minha falta de técnica de dança, mesmo frequentando estes cursos. Não sou velhe, mas vejo com alguma relutância o ingressar aos 27 anos num curso extenso de dança. Se calhar o meu corpo também já não quer que eu o faça. Por isso agora é pensar como é que eu posso mexer-me com isso, mas sem a aprendizagem que o meu corpo não tem.
 
CR: Na mesma altura em que começou o Xavier Le Roy, julgo eu. Tenho receio de estar a partilhar alguma informação errada, mas serve a motivação para os começos tardios.
 
DLB: É óptimo sabê-lo. Dá-me algum alento.
Agora pela tua frase... O receio de dizer coisas mal ditas foi outra coisa de que eu e a Helena falámos quando fizemos o vídeo. Não ter medo de dizer coisas mal ditas, porque todes o dizemos. É real: não sabemos tudo e nem temos de o querer. O movimento é explorado na comunicação... Falamos demasiado, queremos dizer demasiadas coisas num período de tempo muito curto, em todas as circunstâncias da vida, tentamos dizer muitas coisas em muito pouco tempo quando tudo demora a ser processado. Porque não comunicarmos de outras formas? Os gestos podem ser tantas coisas. Ali tentamos responder a isso, de dizer de outras formas, e acrescentar impulsos também.
 
CR: O pensamento articulado do corpo e do discurso verbal é muitas vezes esquecido.
 
DLB: Sim. E não é um exercício de ressignificação, nem é duplo. É uníssono. Isso só acentua as intenções comunicativas.
 
CR: O que dizias de todos dizermos coisas erradas, embora seja claro para mim, nem todos têm a disponibilidade necessária para estar-errado.
 
DLB: Para esse reconhecimento.
 
CR: E a abertura para a consciência crítica de que, talvez, mais do que estarmos errados, somos errados.
 
DLB: Cheguei a um momento de pausa…
 
CR: Queres falar melhor de como este novo caminho de afinidade com a dança e com o movimento tem influenciado o teu trabalho artístico?
 
DLB: Quando falo de dança... a extensão do que fui fazendo até agora é baseada em pequenas formações e workshops. O meu envolvimento com a dança - no sentido disciplinar - é esse. Para além disso, é aquele que nos é comum, desde que fomos postos aqui. [riso] Nós mexemo-nos. E isso, é coreográfico e inato. Todos gesticulamos de formas diferentes, é parte da nossa individualidade. Portanto, acho que o impulso criativo tem sido repensado por mim, considerando o processo de criação. Haverá alturas em que gostaria de falar sobre os processos de criação de uma forma melhor estruturada, mas o processo de criação existe a partir do momento em que aparece alguma coisa que quero fazer. Estar bloqueade faz parte dele. Quando passei a alimentar o meu interesse pela dança e pelo movimento, trouxe-me alguma leveza e espontaneidade ao processo de trabalho. Passei a confiar de outra forma nos primeiros impulsos e a aceitar de outra forma as propostas que me surgiram nos últimos tempos. Ajudou-me o facto de ir dançar num ambiente de aula, onde desligava um pouco a cabeça, e me ligava mais ao corpo. Não quero que isto soe mal! - pareço lamechas a falar sobre isto. Mas é mesmo isto!, para alguém que fica muito prese em si, e que é muito exigente e crítice, estar numa sala com mais dez ou quinze pessoas, todas com percursos completamente diferentes, e nível de formação do profissional ao amador, traz a possibilidade de soltar a vergonha. Estão todxs a olhar para mim, mas eu também vou estar a olhar de volta, por isso o melhor é desbloquear e ver o que é que surge.
O tempo real passou-me a ajudar a escrever, a aceitar as propostas que aparecem, como esta da Wetland, para onde trabalhei com a Helena. Aceitei-o de forma leve, passei a desbloquear certas limitações, e isso tem trazido os seus frutos. A curto prazo, até. Ajuda-me a ser mais leve e a aproveitar pequenas coisas, a sentir que elas me realizam. Cada vez me tenho interessado mais por trabalhar com outras pessoas. Tenho vontade de criar em grupo. É uma coisa que se está a sentir um pouco, mas as nossas bolhas são todas muito pequenas...
 
CR: É engraçado pensar nisso como uma resposta geracional.
 
DLB: Isso possibilita uma dinâmica muito mais juicy. Não que as pessoas não se possam validar com um trabalho mais individual, nada contra. A dança - e não falo até do trabalho de palco embora talvez haja aqui um desejo de palco, que não sei se concretizará ou não - traz-me essa vontade de partilha com mais pessoas também. Não vale a pena sozinhe. Voltando ao tempo da faculdade... Lembro-me que o Eduardo Fonseca e Silva, estava tão tão tão perto, dava sempre um retorno e opiniões, às vezes chegava quase a ser demasiado, mas é exactamente disso de que tenho saudades na faculdade. Do trabalho que, embora individual, era alimentado e confrontado com a percepção e opinião de outres. E isso, sem dúvida, influenciou-nos. Precisamos de outres.
 
CR: Voltando um pouco atrás, falas-me um pouco mais do projecto Wetland?
 
DLB: Neste momento, é um projecto on-line, com coordenação e edição de Vitor Grilo Silva e Judit Saavedra i Giraldo. É um projecto com uma base queer que abraça e quer pensar a transdisciplinaridade. Passa por pensar as minorias, corpos dissidentes, fronteiras, comunicação, etc., num momento de conversa e partilha. É uma plataforma com imenso espaço para aqueles que quiserem colaborar. E colaborar com elas implica ou inclui uma relação, uma refeição feita a várias mãos.
Pelas várias conversas que tivemos entre as quatro, percebemos que a nossa participação enquanto Dylena, fez com que elas também compreendessem melhor o potencial da plataforma que criaram, considerando que há uma investigação expandida pelo vídeo, áudio, texto, referências... há muita abertura para outras coisas, também por ser um projecto ongoing, e que passa por uma leveza de comunicação sobre as coisas que nós sentimos que têm de ser faladas, mas que se calhar são mais quotidianas do que se admitem ser. Talvez me tenha baralhado…
 
CR: Uma mistura do que é quotidiano com o que supostamente não é?
 
DLB: Uma valorização do subjectivo pelo colectivo, que é feito desses múltiplos pontos de interesse. Há alguns que são esquecidos. Está na altura de as minorias terem mais lugar, terem mais foco.