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TINY DOMINGOS
Rosalux é uma iniciativa cultural criada em 1999 por Tiny Domingos (artista plástico, professor e tradutor nascido em Orleães em 1968 e residente em Berlim desde 1994) como uma plataforma web entretanto materializada num espaço expositivo experimental com implantação no bairro de Mitte em Berlim desde 2007. Tem por objectivo dar visibilidade expositiva a obras de artistas que não tenham integrado ainda o circuito daquela cidade, com enfoque particular para a produção portuguesa, em relação à internacionalização da qual se pretende assumir como facilitador activo. Tiny Domingos concebeu agora um projecto de expansão para o rosalux que pretende dar a conhecer durante a feira Arte Lisboa. Esta entrevista antecipa a apresentação e discussão do novo modelo que pretende implementar, do seu significado contextual, das suas estratégias e parceiros preferenciais.
Outubro de 2009
Por LÃgia Afonso via Skype
P: Berlim é a capital dos espaços independentes geridos por artistas. O que é que distingue o projecto rosalux?
R: Tudo: a prioridade dada aos artistas portugueses e ao meio das artes plásticas em Portugal; a qualidade dos artistas expostos; a localização central; o questionamento sobre a arte ou a vontade de esbater fronteiras entre disciplinas, entre periferia e centro, entre design e arte, entre arte performativa, grandes instalações e arte comercial. A minha ideia não era que o rosalux viesse a ser apenas mais um espaço de apresentação ou mais uma galeria. Se assim fosse nunca me sentiria completamente realizado.
P: Porque é que um artista de naturalidade francesa e residente em Berlim prioriza, na programação de um espaço que decorre do desenvolvimento do seu próprio atelier, a apresentação de projectos de artistas portugueses?
R: Portugal foi o paÃs em que me formei e onde percebi que a arte era fundamental para mim. Conheço bastante bem o sentimento periférico e a necessidade de sair do paÃs que experimentam a maioria dos artistas portugueses. Hoje sinto-me bem aqui em Berlim mas era urgente, para mim, criar uma ponte com o meio que abandonei, mais concretamente o de Lisboa. Quando percebi que o meu atelier podia funcionar como ponto de encontro e de apresentação de projectos, lancei mãos à obra e a reacção dos artistas e do meio em geral foi muito positiva. Tratava-se, à época, de aproveitar um local de 46 metros quadrados, situado no bairro de Mitte, que estava disponÃvel para a realização de projectos concretos. A rede de contactos que tenho em Portugal é qualitativamente muito interessante. À distância, o meio parece coeso e os contactos são fáceis. Há um aspecto biográfico que explica o carinho que tenho pelos artistas portugueses e depois há o facto de muitos dos artistas portugueses terem trabalho de qualidade e estarem disponÃveis para trabalhar connosco. Esta situação também explica a opção pelo foco português da programação, muito embora o rosalux não tenha sido criado com essa intenção. Já abrimos, aliás, os nossos espaços a artistas estrangeiros (tais como James Newitt da Austrália e Jang Young da Coreia do Sul).
P: O bairro de Mitte é histórico do ponto de vista da “colonização†artÃstica de Berlim, na época imediatamente a seguir à queda do Muro.
R: O bairro de Mitte, ou mais concretamente o Spandauer Vorstadt, foi abandonado em detrimento dos grandes bairros à moscovita na periferia leste da cidade. Ficaram, integrados na velha malha urbana, os idosos aos quais se juntaram os artistas, punks e afins no final dos anos oitenta. Já existiam aqui casas ocupadas, toleradas pelo regime, antes da queda do Muro. Com a reunificação houve uma chegada massiva de estudantes ocidentais e estrangeiros à procura da atmosfera decadente (muito leste europeu) destes bairros que entretanto foram sendo renovados. Hoje temos jornalistas, artistas, crÃticos e galeristas a viver em ghetto. Os idosos foram quase todos expulsos por este processo de gentrificação.
P: De que forma é que essa centralidade permite criar diálogos dinâmicos entre outros espaços congéneres ou galerias e instituições, dar visibilidade e promoção ao trabalho dos artistas e criar redes de contactos?
R: A centralidade é óptima para evitar a dispersão da atenção do público. Nós, apesar de um pouco escondidos, estamos em pleno centro, inseridos no chamado grupo das galerias da Brunnenstrasse. Existe uma página web onde todas as galerias desta rua tão dinâmica estão listadas. Devo no entanto dizer que o networking entre os espaços poderia ser maior. Se houver muitas padarias num mesmo bairro não se espera grande cooperação entre elas e, no fundo, todos temos uma actividade muito semelhante. O sentimento de liberdade e autonomia, a lógica DO IT YOURSELF, a disseminação de centenas de iniciativas por toda a cidade é algo fantástico aqui, mas o revés da medalha é a dificuldade de cooperação e de pensar as coisas num âmbito mais alargado. Apesar disto, os jornalistas e os crÃticos de arte conhecem bem o nosso espaço, e aà a centralidade terá tido o seu contributo. Outro aspecto interessante é a importância do networking em Wedding, um bairro proletário mais a norte do nosso. Aà existe uma situação mais periférica, cuja presença de várias galerias que unem esforços ao nÃvel local, da rua e do bairro, constitui um atractivo para muitos públicos que passam de uma galeria à outra. Por outro lado, a internet, as redes sociais e o instant messaging são fundamentais para um projecto como o nosso que trabalha quase exclusivamente com artistas não residentes em Berlim. É incrÃvel o modo como contactamos, trabalhamos e organizamos tudo à distância. A passagem do virtual para a concretização dos projectos dá muito trabalho mas é um enorme prazer e essa é, no fundo, a condição para fazer avançar este projecto.
P: As inaugurações dos projectos do rosalux participam na estratégia de inauguração simultânea das galerias vizinhas?
R: Na Brunnenstrasse o rosalux não participa em inaugurações simultâneas, penso que não seja essa estratégia prioritária das galerias que aqui se encontram. Em Wedding, onde também realizamos projectos, há essa preocupação. Acontece no último fim-de-semana de cada mês. O próximo projecto do rosalux foi marcado de acordo com esse factor. Em Wedding a simultaneidade é uma necessidade uma vez que o bairro fica longe do centro. Na Brunnenstrasse existem concertações entre algumas grandes galerias mas as outras não alinham. As sinergias são importantes mas nem sempre é imprescindÃvel a combinação de datas.
P: O rosalux desenvolve-se em espaços distintos. Importas-te de os nomear e caracterizar, em termos geográficos e programáticos?
R: O rosalux é actualmente constituÃdo por dois espaços expositivos mais um estúdio residência. A sede é o atelier rosalux, uma bela cave na Strelitzer Straße. É um espaço alternativo, ideal para performance e vÃdeo. Tem a enorme vantagem de ficar perto da Brunnenstraße e da Invalidenstraße, a cinco minutos do Metro, da Alexanderplatz, da Augustraße, ou seja, de todo o centro histórico de Berlim que foi completamente renovado e onde as galerias se sucedem umas à s outras. A norte da rua, temos a Bernauer Straße. e o memorial do Muro de Berlim. Estamos super bem situados. Por trás deste espaço, temos uma casinha com jardim onde os nossos artistas podem residir como se estivessem no campo. Em 2007 tivemos uma boa loja na esquina da rua, um espaço lindÃssimo, todo em tijolo e com uma arquitectura interior de Peter Sturm. Foi aà que realizámos a exposição de Gonçalo Pena e do João Pombeiro, por exemplo. No final de 2007, deixámos de poder utilizar esse espaço e entretanto surgiu uma nova solução: o Storyhotel*****, um óptimo espaço no bairro de Wedding que pertence a uma produtora de cinema. O bairro de Wedding apresenta graves problemas sociais e está, por isso, a favorecer a implantação de galerias alternativas para a recuperação e revitalização da área. Foi aà que realizámos a exposição de James Newitt, um artista australiano.
P: Como é gerido, em termos logÃsticos e financeiros, um projecto individual com esta dimensão?
R: Trabalho com uma pessoa fixa, a Jaecki Lindenau que se encarrega, entre outras coisas, das relações públicas e da internet e tenho tido vários estagiários. Posso rapidamente alargar o leque de pessoas mas até agora as colaborações externas têm sido apenas pontuais. Em termos financeiros, é tudo rigorosamente suportado por mim.
P: E isso é uma opção ou uma contingência?
P: O auto-financiamento é uma contingência que se tornou na opção possÃvel perante as exigências burocráticas e a minha relativa falta de tempo para desenvolver planos de angariação de sponsors. Quero aproveitar a minha próxima ida a Lisboa, durante a Feira de Arte, para defender a utilidade do projecto, encontrar e estreitar parcerias.
P: O que vais propor em concreto?
P: Um programa de residências para artistas portugueses em Berlim a finalizar num projecto expositivo a ser co-financiado por uma instituição, um banco ou uma grande empresa. Uma plataforma para artistas portugueses que será co-financiada pelas pessoas que se mostrarem interessadas em utilizar Berlim como uma rampa de lançamento internacional para os artistas.
P: O que propões portanto, é uma responsabilidade partilhada entre artistas, galeristas, comissários, instituições e financiadores num projecto de internacionalização da produção artÃstica portuguesa ou produzida em Portugal. Queres desenvolver mais a tua proposta?
R: Pretendo lançar um repto ao meio artÃstico e à s instituições que apostam e fomentam as artes. Temos vontade, capacidade, experiência, bons contactos e muitas ideias para aumentar a visibilidade dos artistas portugueses em Berlim. Não viajo a Lisboa com um projecto completamente fechado. Falámos das vantagens da internet e do trabalho à distância, mas há uma altura em que temos que nos apresentar pessoalmente e convencer as pessoas que este projecto tem pernas para andar. Darei a conhecer um projecto berlinense que tem a originalidade do foco português na sua programação e pretendo ouvir a resposta, os anseios e as prioridades dos profissionais do meio. A partir daÃ, iremos desenvolver parcerias concretas e criar uma base de trabalho conjunta para os próximos anos. A nossa visão é de que Berlim é uma plataforma incontornável para as artes plásticas ao nÃvel mundial. Acreditamos na qualidade dos artistas e dos comissários portugueses, e cremos que todos têm a ganhar com o nosso projecto, com o diálogo com a comunidade local, com os meios de comunicação, etc. O público berlinense é muito aberto, a cidade ainda é comparativamente barata. Abre-se uma janela temporal que convém aproveitar. Essas condições nem sempre são fáceis de encontrar.
P: Pelo que entendi a prioridade do rosalux vai para o estabelecimento de relações com artistas mais jovens ou com um percurso menos institucional, não tanto para a consolidação de carreiras ou para a consagração de artistas reconhecidos no meio berlinense como sejam, por exemplo, a Leonor Antunes, a Adriana Molder e o Rui Calçada Bastos.
R: Se alguns artistas já têm reconhecimento, ainda bem para todos. No entanto, acho que faz falta um trabalho contÃnuo de apoio à arte e cultura portuguesas. Não há aqui, por exemplo, nenhum instituto cultural português, o que considero fazer muita falta. Dada a nossa pequena estrutura, pensamos para já em artistas que não tiveram visibilidade em Berlim ou que a queiram aumentar. Concretamente, tivemos sobretudo artistas em fase de arranque de carreira e realizámos aqui, inclusivamente, algumas primeiras individuais. Os nomes que citas já têm os seus interlocutores em Berlim graças à bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian e à residência na Künstlerhaus Bethanien.
P: O projecto rosalux propõe-se complementar a este programa?
R: A Gulbenkian selecciona um artista por ano. O tamanho, o ritmo, o poder de atracção de Berlim, a curiosidade, o internacionalismo, a abertura mental do público e a quantidade de artistas portugueses interessados em vir não é compatÃvel com esse número. Reconheço a grande importância dessa bolsa. Conheço o antes e depois dessa bolsa e o número de artistas portugueses multiplicou-se. Berlim passou a entrar no imaginário dos artistas portugueses. Muitos dos bolseiros ficam por cá e isso revela muito sobre as condições que a cidade oferece.
P: É um projecto mais relacionado com o fenómeno da emergência?
R: Sim. Emergência entendida como surgimento e não como grupo etário definido.
P: Como seleccionas os artistas? Preferes convites directos ou avalias projectos que te são apresentados?
R: Os dois.
P: Podemos também entender o princÃpio do rosalux como um projecto artÃstico pessoal. O trabalho dos artistas seleccionados relaciona-se, de alguma forma, com aquele que produzes? Partilham, à partida, de reflexões idênticas?
R: Nem todos. Por vezes revejo-me totalmente em projectos como o de Sara & André (e é muito interessante para mim ver esse trabalho desenvolvido por uma geração bem mais jovem). Acho que houve uma evolução fantástica em termos conceptuais em Portugal, por exemplo com a escola das Caldas da Rainha, e nomeadamente através do contributo da minha geração enquanto artistas e professores. Por outro lado, interessa-me o trabalho de artistas que pouco têm em comum comigo. Sou muito curioso e gosto de descobrir novos territórios. Um desses territórios é a arte feminista e/ou transgender. Temos neste momento aberta a exposição de Rachel Korman que aborda essas questões. Gostava de ter mais mulheres artistas. É uma perspectiva que me interessa, artÃstica e intelectualmente. De resto, somos fundamentalmente experimentais e abrimos o nosso espaço à intersecção entre o design e a arte, à instalação, à performance e à arte intermedia. Vejo a condição artÃstica no seu todo e é um prazer descobrir paralelos insuspeitos entre os vários artistas. Acredito no universalismo da linguagem artÃstica. Por exemplo, James Newitt mora na ilha da Tasmânia, a muitos milhares de quilómetros de Berlim e de Portugal, no entanto as suas preocupações sociais e artÃsticas são próximas à s minhas ou à s de um artista como o José Carlos Teixeira que agora mora em Lisboa (e não deixa de ser curioso o facto de ambos terem a mesma idade e terem residido em Los Angeles). Por outro lado, pretendia inicialmente aproveitar as exposições para incluir um subtexto, um comentário ao próprio projecto. Fizemos isso com a exposição do Gonçalo Pena em que uma entrevista de quarenta e cinco minutos debatia o trabalho, a estética e a relação entre pintura e prática conceptual, e era parte integrante do projecto. Com Sara & André e o João Pombeiro, optámos antes por um questionário. Esta inclusão de mais um nÃvel de leitura (nalguns casos, com intervenções do próprio público como no caso de Nuno Coelho) acabou por ser relegada para segundo plano, uma vez que a nossa prioridade se dirigiu antes à concretização e montagem dos projectos. Mas a ideia não morreu e poderá ressurgir doutra forma, impressa, radiofónica ou outra. De um modo geral acho interessante não apenas apresentar e enaltecer uma exposição, mas incluir uma dimensão crÃtica no evento.
P: Actualmente é possÃvel visitar a exposição da Rachel Korman, uma artista brasileira que reside e trabalha em Portugal, num dos espaços do rosalux. Que outras exposições tens agendadas?
R: Aquilo que disse em relação ao James Newitt aplica-se igualmente à Rachel Korman que mora agora em Lisboa mas que vem do Rio de Janeiro. O seu trabalho encaixa-se muito bem nas reflexões do meio artÃstico berlinense. Quanto à programação, iremos ter, ainda este ano, uma exposição de fotografia e vÃdeo da Rita Castro Neves que irá inaugurar a 27 de Novembro. Para o ano, tenho vários projectos aliciantes na manga mas gostava de manter algum suspense. A programação não está completamente fechada. Os interessados podem manifestar-se.
rosalux
www.rosalux.com