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ALOÑA INTXAURRANDIETA
Entrevista a Aloña Intxaurrandieta, uma das constituintes da Wiki-historias, plataforma de intervenção cultural local, do País Vasco, e também on-line, cujo objectivo primordial é reunir mulheres para que em conjunto possam gerar mecanismos para uma sua maior integração no mercado da arte, quer da produção artística de mulheres artistas, quer de mulheres mediadoras. A reescrita da (muitas vezes subjectiva) história da arte, e a criação de paradigmas discursivos mais justos desde uma perspectiva de género, tem vindo a ser um dos objectivos desta plataforma que procura contrariar um sistema que reproduz modelos falocêntricos, não só nas representações artísticas da feminilidade mas também no sistema de legitimação de artistas e que, portanto, ainda tende a favorecer claramente mais os homens em detrimento das mulheres. Procuramos nesta entrevista com Aloña Intxaurrandieta conhecer melhor a plataforma Wik-historias e alguns dos seus desígnios.
Por Rui Pedro Fonseca
Bilbao, 18 de Novembro de 2009
P: Quais são os desígnios da Wiki-Historias?
R: A Wiki-Historias, criada por Haizea Barcenilla e Saioa Olmo, nasce como um projecto que pretende propor uma construção diferente da história, que seja capaz de se distanciar do ponto de vista unilateral que tem sido construída e que tem deixado de lado tantos tipos de expressões artísticas, entre outras, criadas por mulheres. Para isso, tem-se como base una página web em formato Wiki (participativa) na qual todas as artistas e mediadoras do Pais Vasco que, caso assim o desejem, podem editar, acrescentar e comentar informação.
P: Uma das características da Wiki-Historias, e que está bem marcada no manifesto, consiste em contribuir para dar um novo sentido à história da arte através da sua reescrita. A reescrita da história da arte feita por mulheres e sobre obras de mulheres continua a ter muitos obstáculos para quem produz e para quem escreve?
R: Embora durante os últimos anos o interesse pela arte criada por mulheres tenha vindo a aumentar através de retrospectivas ou investigações, também é claro que ainda há muito trabalho por fazer. Pode cair-se no erro de agrupar todas as artistas dentro de um mesmo grupo apenas pelo facto de serem mulheres, mas não me parece que tenha ocorrido a alguém partir desse mesmo modelo em relação a “homens artistas”.
P: Partindo de uma imagem simples de que todas as contribuidoras da Wiki estão num mesmo barco (incluindo artistas), parece-lhe que todas remam e têm intenções de dirigir o barco a um mesmo ponto? Ou seja, há por parte de todas uma homogeneidade de intenções em trabalhar e actuar dentro do mundo da arte e a partir da Wiki?
R: Os interesses de cada uma podem ser muito diferentes, mas a participação na Wiki supostamente deveria ser direccionada à reescrita crítica da história. No entanto, devido à liberdade de participação, o conjunto de todas imagens é difuso, e às vezes perde-se de vista um objectivo final, porque além do mais utiliza-se a web para outros fins. A nossa intenção é que a Wiki sirva de ponto de encontro a todas as suas participantes que, ao contrário de uma base de dados fechada e dirigida a partir de uma instituição, abra a possibilidade da participação activa, através da crítica, da opinião e do debate, por um princípio de construir um relato com múltiplos pontos de vista.
P: A Wiki permite mais visibilidade a uma artista que queira mais projecção dentro do mundo da arte?
R: Uma das possibilidades que oferece é a obtenção de um perfil e a introdução de toda a informação que se deseje colocar, mas preferencialmente com uma intenção mais informativa do propriamente ligada ao marketing. Uma artista que introduza informação dá-se a conhecer a através da Wiki-Historias será um valor acrescentado, mas não constituirá um objectivo principal. Hoje em dia a Internet oferece muitas possibilidades para criar de forma muito simples páginas que permitam a auto-promoção. A Wiki pretende ser um ponto de encontro de histórias individuais para poder construir uma história mais heterogénea.
P: Sobre as visitas guiadas com perspectiva de género que a Wiki organiza voluntariamente no Museu de Bellas Artes de Bilbao: Pode dar um exemplo de uma obra que você goste particularmente de comentar e explicar que tipo de leitura faz dessa obra?
R: Há duas abordagens que fazemos na visita. Por um lado, consideramos importante as formas como se tem vindo a representar a mulher ao longo da história da arte, dependendo dos valores e objectivos de cada uma das épocas, a começar pela Idade Média. Vejamos a obra “Lot y sus hijas” de Orazio Gentileschi, que me parece um bom exemplo. Por um lado, o tema representa uma cena bíblica em que as filhas de Lot, depois de terem sido salvas por Yahvéh da destruição de Sodoma, e pelo facto de não encontrarem homens com os quais possam assegurar a sua descendência, incitam o seu pai ao incesto. Portanto, são elas que decidem embebedá-lo para cometer tal acto, ficando assim - o homem, isento de qualquer culpa, à mercê da pérfida vontade das duas mulheres. É um exemplo de uma bela obra, com uma excelente técnica, mas que no entanto perpetua alguns mitos associados à maldade e à perversidade inerentes à mulher. Tentamos apresentar uma outra leitura e, além do mais, é também um bom pretexto para falar da artista - Artemisia Gentileschi, uma das mais reconhecidas pintoras do barroco italiano. Assim, chegamos a um segundo tipo de abordagem em que falamos das próprias artistas e do lugar que ocupam no museu. Para isso, creio que “Femme nue lisant. (Mujer núa que lê)” de Robert Delaunay é o melhor exemplo. Falamos da obra de um homem para destacar a ausência da sua mulher, Sonia Delaunay, artista que para além de pintar, tal como o seu marido, foi designer de roupa e desenvolveu vários negócios próprios. No entanto, a história da arte reconheceu-lhe a ele como o prestigioso artista e fundador do Orfismo, quando a participação dela foi tão indispensável para a criação deste movimento. Isto dá-nos vontade continuar a falar da falta de reconhecimento do trabalho de tantas artistas, da sua escassa presença nos acervos e nas colecções, da responsabilidade que tem o museu, graças ao seu poder de decisão, para legitimar o que é arte e o que não o é, e as dificuldades que pode encontrar uma mulher para chegar a conseguir um reconhecimento como artista, etc.
P: Há muita gente que se inscreve nas visitas guiadas? Há mais homens ou mulheres?
R: É uma das actividades que está a ter mais êxito. Além do mais, como este é o segundo ano de funcionamento da Wiki, cada vez mais as conhecem e cada há vez mais pessoas que por sua vez as dão a conhecer. Embora a maioria sejam mulheres, também há homens que se interessam e que se inscrevem.
P: Que tipo de reacções têm as pessoas?
R: A maioria das pessoas sai muito satisfeita do museu porque planeamos uma leitura diferente das colecções mais clássicas. Tentamos que as visitas sejam o mais participativas possível e que se criem debates muito interessantes, não só em torno de artistas, mas também sobre a situação da mulher em general.
Wiki-Historias
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Nota
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