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LUÍSA FERREIRA
26/07/2022
Fotografar pode ser, para algumas pessoas, um ato quase tão importante como respirar. É esta a sensação com que ficamos ao observar a obra de Luísa Ferreira. Era apenas uma criança quando pediu aos pais uma câmara fotográfica como presente. A pequena Kodak foi o princípio da certeza de que a fotografia iria ser parte intrínseca de si mesma. Começou a estudar Geografia, mas desistiu do curso para seguir fotografia, área em que acabaria por se licenciar mais tarde. Na consolidação do percurso académico, concluiu o mestrado em Design e Cultura Visual, especialização Estudos de Fotografia, pela Escola Superior de Design, e regressou às origens no Doutoramento em Geografia e Planeamento Territorial, especialidade Geografia Humana, que desenvolve na Faculdade de Ciências Socias e Humanas, na Universidade Nova de Lisboa. Como o olhar fotográfico se alimenta de todas as referências e lugares interiores que o autor contém e não apenas do visível no mundo exterior, a fotografia de Luísa Ferreira reflete as diversas ramificações e os interesses que foi preservando ou descobrindo ao longo da vida.
Dos lugares da geografia ao humanismo e às fortes preocupações sociais, do jornalismo, em especial dos tempos que trabalhou como fotojornalista do Público, em quase 40 anos de carreira fotográfica há lugar para registos que nascem da necessidade de comunicar com os outros ou, noutras circunstâncias, apenas seguir o desejo desinteressado de eternizar o observável em liberdade. Matérias, o mais recente livro de fotografia, editado pela XYZ Books Lisbon, nasce dessa possibilidade de tornar novamente visíveis imagens realizadas em modo livre, “longe do olhar dos outros”, num tempo sem os pudores sociais e, caricaturando a realidade de hoje, sem a censura dos nus que as redes sociais impõem.
Por Fátima Lopes Cardoso
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FLC: Começaste a trabalhar na fotografia como fotojornalista, integraste a equipa fundadora do jornal Público e, durante dois anos, a agência norte-americana Associated Press. De que forma a natureza da fotografia jornalística, com uma clara necessidade informativa e comunicativa, está presente nos teus trabalhos mais concetuais do presente?
LF: Iniciei na imprensa porque queria ser fotógrafa. Nem tinha nada a ver com o querer ser. Era apenas a fotografia que me interessava. Comecei a fotografar em meados dos anos 1980. Consegui comprar a minha primeira câmara, estava sempre a mandar revelar até que tive possibilidade de comprar o meu primeiro ampliador e aprendi a revelar. Não sabia que iria ser fotojornalista. Estava sempre a fotografar o que podia e o que encontrava num modo livre. Em 1987, o jornalista Manuel Neto, que trabalhava no Diário Popular e que me encontrou com duas máquinas, perguntou-me se lhe queria dar um filme para avaliar, dado que lhe disse que não estava a trabalhar para ninguém. A partir daí, colaborei com eles durante quase meio ano e surgiu a oportunidade de ganhar algum dinheiro posteriormente através do fotojornalismo. Depois, passei a interessar-me naturalmente por esta área da fotografia e a conseguir trabalhar nesse campo.
FLC: Fotografas desde muito jovem, que impulso te leva a pegar na câmara e a fotografar desde essa altura?
LF: O lado da criação, mas através do olhar. Sentia essa vontade até que surgiu a oportunidade de ganhar dinheiro para comprar o meu equipamento e explorar esse ramo. Tinha dez anos e os meus pais não tinham muito dinheiro para comprar filmes. Quando fiz o exame da 4ª classe, pedi como presente uma máquina da Kodak. Sempre me seduziram as fotografias do álbum de família, por exemplo. Sempre achei lindíssimas e era uma forma de ver o outro como nunca o conheci. Não tenho fotografias de bebé dos meus pais, mas tinha minhas. É toda uma geração que vai mudando. Há muitas pessoas que não possuem fotografias de quando eram pequenas, depois há outra geração que tem e isso vai alterando a perceção do outro e do mundo. Nos anos 1980, comecei a comprar muitas revistas que chegavam a Portugal, como a The Face, a Interview, a Cahiers du Cinéma, a Première, a National Geographic, que lia e acabaram por me influenciar.
FLC: Como preparas o ato fotográfico? O que observas no mundo visível que depois tentas transportar para as fotografias?
LF: Depende do tipo de fotografia. Na Suíça, quando tive a minha primeira câmara a sério, uma reflex, a fotografia era a minha companhia. Estava quase sempre sozinha e a fotografia passou a ser a minha forma de observar e comunicar com o mundo. Era uma dinâmica de comunicação e de memória, quase como um recolhimento. Neste trabalho que agora lancei em livro, Matérias, foi apenas a vontade de ir. Em 1991, um amigo tinha a chave da carpintaria da Central Tejo e eu disse que gostaria de fotografar nesse lugar, mas que queria uns corpos. De forma espontânea, ele disse que iria comigo, levava o ex-namorado e ia para lá. A preparação foi só a vontade e levar filmes. Não existiu uma cenografia, um storyboard, mas apenas a liberdade e a curiosidade que tem muito a ver com a observação.
FLC: A luz é a matéria-prima da fotografia. De que forma a sua heterogeneidade luminosa é importante para criares?
LF: Em geral, utilizo sempre luz natural. Por isso, tenho de fotografar em alturas do dia em que essa luz existe. No entanto, às vezes, uso o flash externo na máquina ou luz de estúdio. Como não permaneço apenas num campo, vario muito o meu caminho. Recentemente, no projeto Luz para as Abadias vinte anos depois para o CAE-Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz, ia de manhã cedo para apanhar essa luz, fotografava algumas imagens ao longo do dia e, ao entardecer, era como um êxtase poder estar naquela atmosfera. Fotografo quando existe essa luz que me possibilita salientar as formas, a textura e dar relevo. Também gosto muito da luz noturna, de fotografar em ambiente de tempestade, chuva... A luz é fundamental, mas não procuro apenas a boa luz, interessam-me diferentes atmosferas.
FLC: As tuas fotos dialogam com a palavra em vários livros associados a escritores e a poetas? Qual é o lugar da tua fotografia nesse processo de diálogo com a literatura?
LF: Em alguns trabalhos, já fiz essa ligação entre a palavra e a imagem, mas, por mim, interessa-me mais que a fotografia fale ela própria, que consiga passar uma ideia e emoção, em vez de pensar que vai estar a dialogar com o texto. Para o catálogo da série Matérias, mostrei as fotografias ao poeta Al Berto e ele escreveu um texto, “Longe do olhar dos outros”, assim como o Vicente Jorge Silva. Não constam no livro, mas integraram o catálogo da exposição de 1992. Já realizei alguns trabalhos em que parti de textos. Estou a pensar, por exemplo, na série Musa Alentejana, do Conde de Monsaraz, que integra o livro Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa, editado e pensado pela Estação-Imagem e que consiste na ideia de representar certos textos em fotografia. Foi um desafio. Também já fiz interpretação de textos, por exemplo, sobre fado. Nesse caso, as imagens eram para estar ao lado dos poemas. A exposição As Dramaturgias, desafio lançado por Jorge Silva Melo, nasceu de conversas com o outro.
FLC: Mas as tuas imagens parecem, muitas vezes, poemas visuais. Quando crias uma imagem deixas a leitura em aberto por quem a observa?
LF: Sim, é sempre a minha escolha. O outro vai ter outros dados e permito que essa interpretação seja livre. Não gosto de condicionar o outro. Já acontece pela forma como mostro alguma realidade ou assunto; todos nós condicionamos o outro pela forma como nos mexemos, pelas referências que cada pessoa tem. Às vezes, faço descobertas incríveis com pessoas que olham os meus trabalhos e me dizem que aquilo é outra coisa bem diferente do que tinha pensado. Essa possibilidade é fantástica.
FLC: E como é que a tua fotografia se relaciona com os espaços geográficos que capta ou mesmo com os objetos?
LF: O meu trabalho Fora de Jogo tem imenso a ver com o espaço. Num sábado de manhã, encontrei, no jornal Expresso, um anúncio público do concurso Arte em Campo, lançado pelo Instituto das Artes. Tinha a ver com o Euro 2004. Senti vontade de participar, mas não gostava de futebol. Até deixei de ser fotojornalista porque não queria ia ao futebol todas as semanas. Nesse dia, viajei para fora de Lisboa e fui tomar café na aldeia de Perais, perto de Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco. Quando chegámos, estava um dia de chuva, com uma nuvem gigante e encontro um campo de futebol em cimento no meio da paisagem. A partir daquela visão, senti que era aquilo que queria fotografar. Encontrei a resposta sobre o que queria concretizar na paisagem, no território. Naquele momento, comecei a desenvolver o projeto e, com a ajuda de António Coxito, fui à procura de campos de futebol nos distritos onde não tinham sido construídos os novos estádios para o Euro. Apercebi-me do quão importantes eram esses espaços e como tudo se transformava à volta deles. Vi muito poucas construções de cimento; os campos de futebol eram quase sempre em terraplanagem no meio da floresta.
A relação com os objetos, muitas vezes, também tem a ver com a luz. É tudo muito díspar. Outro exemplo da relação com os lugares foi o trabalho A Orla da Cidade. Neste caso, tinha a ideia de que não havia condições para as pessoas viverem nesses sítios. Era um assunto que me interessava tratar e cuja ideia trazia comigo e crescia há vários anos. Escolhi 18 fotografias e convidei algumas pessoas a escrever sobre cada uma dessas imagens. A pessoa escreveria um texto sobre o que via naquela imagem. Tal como noutro trabalho, Há Quanto Trabalha Aqui?, começo a sentir que quero tratar determinada realidade para chamar a atenção e levar pessoas a refletir sobre o assunto. Comecei a perguntar às pessoas há quanto tempo trabalhavam ali e apercebi-me que a resposta era muito importante para analisar a mudança na sociedade nos tempos que correm e essas palavras fazem parte da imagem. Hoje em dia, já ninguém fica 50 anos a trabalhar no mesmo sítio, estamos sempre a pulular. Quando realizei a exposição sobre o Porto de Lisboa, pretendia chamar a atenção que este lugar não era um sítio assim tão negativo como se julgava. Circulava a ideia de que era necessário devolver o rio à cidade e eu gostava muito de ir ao porto e de andar por este lugar. Claro que é agradável passear numa zona limpa, mas também não concordo que parte da área ribeirinha se transforme num sítio só para ricos. Talvez traga esta preocupação do humanismo do fotojornalismo, mas também da geografia, que se preocupa com a transformação dos espaços urbanos.
Matérias. Lisboa: XYZ Books. 2022 © Luísa Ferreira
FLC: Como nasceu o conceito do último livro, Matérias?
LF: Nos anos 1980 e início de 1990, ia quase todas as noites ao Bairro Alto. Morava nessa zona e era ago normal. Estava com um amigo já falecido, João Figueira Nogueira, que me diz que tinha a chave da Carpintaria da Central Tejo, em Belém, onde se encontravam a filmar um conjunto de entrevistas. Disse que me interessava fotografar nesse lugar e com corpos. De forma espontânea, levei duas câmaras e fui fotografando em liberdade. Foi sentir e ir fotografando. Ferro, madeira, serradura, escadas, lençol branco, objectos, pó, luz. Como escrevi antes sobre este momento: “O calor do verão e a humidade do rio transformou tudo em matéria. A experiência do corpo em contacto com o ferro, com as aparas de madeira, o reencontro, estar lá como um voyeur, não provocar, deixar fluir. Uma doce dança lenta.” Em 1992, por convite de André Gomes e com imagens escolhidas por José Pedro Vicente, expus este trabalho na Sala do Veado, no Museu de História Natural. Encomendei molduras em ferro na Rua do Almada – nessa altura ainda existiam oficinas de carpinteiros, serralheiros, vidreiros e outros ofícios – e enferrujei-as na minha varanda, na rua do Loreto. Como o lugar era todo de cimento, as fotografias a preto e branco, a ferrugem ia dar o tom de cor e destacar as imagens da parede. O Al Berto escreveu o poema “Longe do Olhar dos Outros” e pedi ao Vicente Jorge Silva, meu diretor no Público, onde trabalhava na altura, se queria fazer um texto. Álvaro Carrilho desenvolveu o design do catálogo, do tamanho de um LP porque era essa dimensão que me interessava bastante. Como tinha um atelier de serigrafia, propuseram-se imprimir as fotografias nessa tipologia.
FLC: Trinta anos depois renasce em livro.
LF: Quando Tiago Casanova e Pedro Guimarães me convidaram para fazer parte do programa de Residências, de XYZ Books, fiquei muito contente. Enviei alguns projetos para escolherem qual queriam publicar, mas percebi que iriam optar pela série Matérias. Foi uma experiência fantástica trabalhar com a fotógrafa Vanessa Winship, responsável pela edição e seleção das fotografias. Fotografei as provas de contacto e algumas provas que tinha ampliado em 1991. Falei bastante com ela através de zoom e a sua escolha agradou-me muito, assim como o design de Fernanda Fajardo e João Linneu. A partir dos fotogramas selecionados nas provas de contacto por Vanessa Winship, organizei a seleção do princípio para o fim. Tem uma lógica cronológica.
Sempre gostei de fotografar corpos. Talvez por ser algo natural. E ao contrário do que se possa pensar, é exatamente para contrariar a ideia de fotografar o erotismo. Embora algumas destas fotografias possam ter algum erotismo, não me parece que haja alguma exploração no corpo nesse sentido.
FLC: Quando divulgaram as imagens do livro no Instagram, esta rede social censurou e bloqueou algumas fotos. Como vês essa espécie de retrocesso civilizacional em relação à nudez e em defesa do que está instituído como sendo o politicamente correto?
LF: Acho horrível. Quando ia fotografar o lançamento de automóveis, no fotojornalismo, existiam sempre mulheres sensuais como objetos de desejo e era algo que não me interessava. Sempre quis contrariar essas imagens e cortava as cabeças no enquadramento. Não queria contribuir para a mensagem de a mulher ser um objeto usado pelo capital e para potenciar a venda. A minha vontade de fotografar nada tem a ver com esse estereótipo geral associado ao registo dos corpos. Claro que o corpo é sempre algo que pode ou não ser belo. A história da arte, sobretudo desde o Renascimento, é composta da representação de corpos nus. Portanto, o que acontece hoje é ridículo. Não vivo dentro de uma rede social; a maior parte é engendrada por americanos loucos que estão a voltar para trás, como acontece com a proibição do aborto ou o ridículo de quererem processar certos autores que fotografavam as crianças, os filhos nus. Não compreendem que é tudo mais simples e puro, que nada tem a ver com a exploração de um corpo para causar desejo ou vender. Tem mais a ver com a pintura e a estética da arte.
FLC: Se é possível escolher, qual é a tua obra mais querida?
LF: Gosto de várias séries que realizei e Matérias é uma das que mais aprecio. Obteve agora uma luz que nunca pensou ter. Como diz William Klein, “isto é uma imagem, isto é uma fotografia porque se decidiu torná-la pública”. A série tinha 33 fotografias apresentadas numa exposição e, agora, há muitas mais fotografias e leituras possíveis. Com o livro, tornaram-se novamente visíveis, mas antes estavam na gaveta. Interessa-me muito a série sobre o Porto de Lisboa, que expus em 1993; dos projetos Fora de Jogo, Branco, Capitão Goma, Há Quanto Tempo Trabalha Aqui? e A Orla da Cidade. Também foi muito bom regressar à Figueira da Foz, 20 anos depois para voltar a fotografar e apresentar a exposição que tinha estado na cidade há duas décadas. Gosto de várias coisas, mas claro que é mais fácil relacionar-me com o meu trabalho pessoal. Fotografo o Lux há mais de 20 anos. Já fotografava para Manuel Reis, no Frágil, e depois passei para o Lux. Vejo esta experiência como parte da minha vida.
FLC: O livro permite dar outra leitura ao trabalho?
LF: O objeto livro tem uma materialidade e uma possibilidade de ver que até agora não tinha existido. Quem possui o catálogo via essas poucas fotografias, são três, e quem tinha visto a exposição conhecia mais algumas imagens, mas antes não estavam visíveis.
FLC: Qual é a importância dos livros e das exposições para a autora Luísa Ferreira?
LF: São a única forma de tornar visível com outro espaço e tempo. Tenho poucos livros de projetos pessoais publicados porque, normalmente, não disponho de verba para produzir um livro, mas consigo dinheiro para realizar uma exposição. Um livro e uma exposição têm dimensões distintas. Uma exposição vive do que se pretende apresentar, mas também de toda a encenação que intencionamos projetar no espaço. Por exemplo, a exposição sobre o Porto de Lisboa, com o título extraído de um poema de Francis Picabia, Os objetos já não têm cor/ mas as sombras dos objetos têm as cores deles/ Um amigo meu/que tem a chave das docas/ também pensa assim, é irrepetível. Foram colocados contentores dentro de um armazém de 3200 m2. Em alguns, retirou-se o fundo para se poder passar de um para o outro - só para ter ideia do grau de dificuldade, os contentores têm 6 metros de profundidade por 2 de largura. Só existia luz pontual nas fotografias. Miguel Santos gravou os sons do Porto de Lisboa, mas depois adicionou música, piano. Cada contentor tinha uma coluna e o som do Porto saia alternadamente com o do piano. Esta encenação e todas as sensações que provocou não podem existir num livro. Gostava de publicar este trabalho em livro, mas o ambiente cénico criado à volta das imagens foi único. Se publicar a exposição Loreto, vai ser completamente diferente do que se passou na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, entre 1 de fevereiro e 5 de março deste ano. O Matérias também propõe uma leitura completamente distinta do que aconteceu há 30 anos. Dá-me a possibilidade de continuar.
FLC: De 1990, quando realizaste muitas das exposições que te foram mais queridas, até hoje, o que mudou na Luísa Ferreira fotógrafa?
LF: O olhar pode estar mais apurado com a experiência, mas acho que tenho menos energia, algo que talvez se justifique pelo facto de passarmos dias no computador, depois de fotografar. É muito cansativo. Tenho agora 60 anos e preciso de perceber o que estou aqui fazer, o que irei concretizar a seguir. Este livro, por exemplo, trouxe-me muita energia positiva. Como também foi bom ter ido para a Figueira da Foz de novo. Às vezes, não sei se sou eu que estou a perder energia ou se é o mundo que está a mudar.
FLC: Entre todas as artes plásticas, existe espaço em Portugal para a fotografia se tornar um objeto artístico comercializável?
LF: É difícil, mas há pessoas que conseguem. Os autores também têm de ter essa atitude e eu não tenho. A última coisa que penso é no preço para vender as fotografias. Às vezes, já é tão inerente que não se vende que depois nem sabemos responder quando nos vêm perguntar. Mas há pessoas que sofrem com a falta de valor da fotografia. Em 2019, estive na Finlândia e apresentaram-me a pessoas que vivem da fotografia. Ao princípio, pensei que subsistiam como eu, que têm de trabalhar no dia a dia e é através do trabalho fotográfico mais comercial que pagam o autoral e a vida para sobreviver no planeta, mas não. Têm uma bolsa do Estado para ser artista. Fiquei a olhar para elas e pensei: Nasci em Portugal.
FLC: O que te encontras agora a fotografar?
LF: Estou a tentar perceber para onde vou. Há projetos que comecei e que ainda não terminei. Há dias, participei num workshop em que me comprometi a desenvolver o Nós para livro, uma série que apresentei a primeira vez em 2011, na Pente 10. Nos próximos tempos, vou voltar a trabalhar no projeto. Gostaria de publicar a série No Limite, sobre a recolha de água e a reutilização do plástico e outros materiais. Estou a pensar nesses dois projetos em forma de livro. Em alguns trabalhos, manifesto preocupação porque não consigo viver no planeta sem olhar para o que está a acontecer e sentir necessidade de tocar o outro através da fotografia.
FLC: Também lecionas? Encontras um olhar fresco nestas novas gerações?
LF: Já aconteceu algumas vezes. Há sempre surpresas.
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Fátima Lopes Cardoso
É investigadora do ICNOVA e professora adjunta na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa (ESCS), onde coordena a licenciatura em Jornalismo. Doutorada em Ciências da Comunicação, especialidade Comunicação e Artes, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, é autora da tese “A Fotografia Documental na Imprensa Nacional: o Real e o Verosímil” (2015), a ser publicada em livro este ano. Jornalista desde 1997, o interesse académico por conhecer a ontologia da imagem e, em particular, da fotografia jornalística tem levado à participação em várias conferências e colóquios em Portugal e a nível internacional sobre a temática, bem como em diversos projetos editoriais e científicos.