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FÁTIMA MOTA
13/11/2022
Fátima Mota nasceu em Lagoa, São Miguel, Açores. Desde 2000 é directora da Galeria Fonseca Macedo - Arte Contemporânea, sediada em Ponta Delgada, onde já realizou inúmeras exposições de artistas açorianos ou não, representados pela galeria ou convidados. Em Maio 2021 integra o Conselho Consultivo da Candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura 2027.
Na última edição da feira Drawing Room em Lisboa, a Galeria Fonseca Macedo foi distinguida com o Prémio Projecto Curatorial Galeria, que destaca a criatividade na concepção da apresentação das obras.
A Artecapital conversou com Fátima Mota sobre o programa curatorial e as actividades actuais e futuras da Galeria Fonseca Macedo, e ainda sobre o papel que pode ter uma galeria de arte num contexto insular e como esta pode ser uma forma de projecção dos artistas locais, tanto no arquipélago como internacionalmente, num momento de progressiva “quebra” do isolamento cultural dos Açores.
Por Liz Vahia e Victor Pinto da Fonseca
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LV: Parece-me quase incontornável que a primeira pergunta nesta entrevista seja sobre como é dirigir e programar uma galeria de arte contemporânea nos Açores. Se há quem lamente o facto de estar fora de Lisboa, estar fora de Portugal Continental deve acarretar ainda mais restrições, a começar pela logística.
FM: A situação geográfica de uma galeria de arte é sempre muito importante. No caso da galeria Fonseca Macedo, estar situada numa ilha é estar circunscrita a uma pequena comunidade, considerando tanto o número de artistas como a dimensão do mercado.
Tendo esta condição como ponto fundamental a considerar na programação da galeria, o agendamento das exposições para cada ano faz-se com muita antecedência, procurando-se incluir artistas dos Açores e de fora da Região de forma a que a logística de deslocação de artistas e de transporte de obras de arte se mantenha exequível em termos orçamentais. É sempre de evitar a concentração de artistas de fora da Região num só ano.
LV: Fale-nos um pouco do percurso da Galeria Fonseca Macedo. Há alguma linha programática específica? Tentam representar artistas açorianos?
FM: A galeria Fonseca Macedo foi fundada no ano 2000, em Ponta Delgada, com o intuito de oferecer aos artistas um local adequado para exposição das suas obras e à comunidade um espaço de reflexão crítica e de fruição estética.
Nesse sentido, a programação da galeria teve em conta, desde o início, a divulgação e a promoção dos artistas residentes nos Açores, como o seu núcleo central de actividade, estabelecendo, ao mesmo tempo, contactos com outros artistas e galerias, permitindo uma visão mais abrangente da produção artística actual.
Tendo em conta a distância física dos grandes centros, a exiguidade do mercado e a diminuta oferta institucional na área das artes plásticas, quando a galeria inicia o seu percurso, as exposições faziam-se acompanhar da publicação de catálogos e havia também lugar a conferências/conversas com os artistas e com os curadores, normalmente os autores dos textos de apresentação.
Considerando a dificuldade em divulgar os artistas dos Açores, percebi imediatamente que a participação em feiras de arte contemporânea seria imprescindível para conseguir ultrapassar esta limitação. É assim que a galeria começa a participar na feira Arte Lisboa, em 2002, e, em 2006, inicia a sua participação na feira internacional ARCOmadrid.
Ingressa, posteriormente, na feira ArcoLisboa e na feira Drawing Room Madrid e Lisboa.
LV: Nesta última edição da feira Drawing Room receberam o Prémio Projecto Curatorial Galeria, que destaca a criatividade na concepção do stand. Como se processou a escolha dos artistas e qual o objectivo que queriam alcançar com essa mostra?
Reconhece as feiras como eventos importantes na divulgação não só dos artistas, mas também dos projectos curatoriais e do trabalho permanente das galerias?
FM: Nesta última edição da feira Drawing Room, fiquei muito feliz pelo facto da Fonseca Macedo ter sido distinguida com o Prémio Projecto Curatorial Galeria, da Fundação Millennium BCP, pois é um reconhecimento público da qualidade do nosso trabalho e também da qualidade dos trabalhos expostos dos nossos artistas representados.
A forma de abordar a questão da curadoria de um stand é sempre a mesma: reunir as obras, neste caso as mais recentes, dos nossos artistas que desenvolvem trabalho na disciplina do Desenho e gerir espacialmente as obras escolhidas tendo em conta as dimensões, as formas, as cores ou os conceitos. Nesta edição, apresentámos 3 artistas com um grande corpo de trabalho na disciplina do Desenho:
- Beatriz Brum (São Miguel 1993)
- José Loureiro (Mangualde 1961)
- Maria Ana Vasco Costa (Lisboa 1980).
No caso específico deste projecto, identificámos um problema com os desenhos muito delicados da série “Corpos de Água”, da artista Beatriz Brum (São Miguel, 1993). Os desenhos foram emoldurados em caixas de acrílico e esta opção teve em conta potenciar a fluidez entre eles. Porém, numa parede branca, seriam quase invisíveis.
Daí que tivéssemos conferenciado com a artista a possibilidade de termos uma parede pintada de cor clara, a fim de destacar os 4 elementos dos “Corpos de Água”.
VPF: Imagino que se encontra feliz por a Fonseca Macedo ter sido distinguida com o ‘Prémio do melhor Stand’ na Feira - Drawing Room Lisboa, que certamente a ajudará/incentivará a continuar a programar exposições ambiciosas.
— Pode delinear-nos os seus planos de exposições e feiras para 2023?
FM: Claro, como já referi, a atribuição deste prémio deixou-me muito feliz, por ser o reconhecimento da qualidade do nosso trabalho, e é também um incentivo para novas e ambiciosas propostas expositivas.
Para o próximo ano, teremos 5 exposições na galeria, sendo a última uma exposição colectiva.Teremos dois artistas dos Açores e dois artistas do Continente.
Iremos apresentar a primeira exposição na galeria de uma artista ainda muito jovem, nascida e a residir nos Açores, com um trabalho muito original, que espero, dentro de pouco tempo, poder mostrar numa feira, em Lisboa.
Estou a planear também uma exposição fora da galeria, numa instituição sediada em Lisboa, que ainda não poderei nomear.
Em relação à participação em feiras, a galeria irá submeter as suas propostas à feira Arco Lisboa e Drawing Room Lisboa.
LV: Neste momento têm patente até 30 de Dezembro na Galeria Fonseca Macedo a exposição “Esse Cinzento é Água e Ar” de Alice Albergaria Borges. Pode falar-nos um pouco do que podemos encontrar ao visitar a exposição.
FM: Antes de falar sobre a exposição, gostaria de apresentar a artista Alice Albergaria Borges.
Alice Albergaria Borges nasceu em Lisboa em 1997. Estudou Produção Artística Têxtil na Escola Artística António Arroio (Lisboa) e licenciou-se em Design Têxtil na Chelsea College of Arts (University of the Arts London). Em 2015, desempenhou o papel principal do filme Colo, de Teresa Villaverde. Atualmente frequenta o Mestrado Design de Produto na ESAD.CR. Trabalha como tecedeira independente, numa prática que se dirige principalmente à exploração, preservação e partilha de técnicas têxteis tradicionais, numa abordagem contemporânea, com especial atenção para a sustentabilidade na produção têxtil.
Ao entrarmos na galeria, somos surpreendidos por uma série de obras, coloridas e suspensas de fios de aço que as mantêm em diversas direções.
Nas próprias palavras da artista “Este projeto é uma homenagem a todas as cores e uma reflexão sobre o descrédito com que são tratadas na sociedade contemporânea. A cor aqui é pensada quase como matéria em vez de luz. Trabalhei sobre 7 famílias de cores - Azul, Roxo, Vermelho, Amarelo, Verde, Cinzento, Castanho - uma seleção pessoal, resultante de pesquisa, reflexão e das próprias matérias utilizadas para tingir. O Branco não tem lugar, porque é a cor de vários materiais no seu estado natural, apesar de implicar processos de lavagem e branqueamento que também têm as suas particularidades. Além disso, está nas paredes da galeria.”
São 7 obras de cores diferentes, como se viu nas palavras da artista. São pinturas em tecelagem.
VPF: A Fonseca Macedo mudou recentemente de localização para passar a ligar a galeria com um alojamento turístico [a Casa da Galeria - Azores Art of Hosting], como partes de um todo e que se constitui um espaço inovador de galeria de arte focada no turismo. (É importante recordar os leitores que a cidade de Ponta Delgada e a Região são candidatos a capital europeia da cultura 2027.)
— Como é que o cenário da instalação da Fonseca Macedo num conjunto íntimo com um alojamento turístico com um conceito de hospitalidade interessado na arte, mudou e poderá continuar a mudar a actividade cultural e comercial da galeria?
FM: Em primeiro lugar, gostaria de precisar que a Galeria Fonseca Macedo não mudou a sua localização. Funciona exactamente no mesmo local em que foi fundada, no ano 2000.
O que aconteceu foi que o edifício da Galeria foi renovado e adaptado para alojamento turístico, num projecto familiar, designado Casa da Galeria - Azores Art of Hosting. A galeria permanece, embora renovada, no mesmo espaço, mantendo a mesma linha programática que tem vindo a apresentar. A Fonseca Macedo nunca será uma loja de “souvenirs”. Pelo contrário, é a Galeria que define o alojamento turístico Casa da Galeria como “Turismo Cultural”. A entrada para a galeria faz-se pela recepção do hotel e o lobby é partilhado por turistas e visitantes da galeria, proporcionando uma área de encontros e de exposição de livros e de catálogos.
Esta experiência de convívio com a área do turismo teve início no mês de Março, e não posso ainda tirar conclusões. Prevejo, no entanto, que esta será uma área que poderá ajudar a galeria na sua divulgação e no seu financiamento, já que os turistas são potenciais compradores.
VPF: É notório o compromisso da Fonseca Macedo em incentivar uma compreensão mais profunda da relevância da arte contemporânea, bem como do mercado de arte e do coleccionismo, na comunidade Açoriana. Simultaneamente têm surgido diversos festivais de arte na Região - uma região imbuída de magia estética porque a paisagem é particularmente sublime -, para além de uma maior dinamização do Arquipélago - Centro de Artes Contemporânea, cada vez mais vitais para a cena artística açoreana e uma mistura saudável em termos de um espírito colaborativo de troca e polinização de ideias.
— Como vê o futuro da arte (sinónimo de cultura) neste contexto actual da cidade de Ponta Delgada e da região dos Açores?
FM: Fico contente por referir este nosso compromisso de tudo fazer para que surja uma maior compreensão da relevância da arte contemporânea nos Açores e do coleccionismo. Este é mesmo o nosso desiderato.
Os Açores de 2022 nada têm a ver com os Açores do ano 2000, quando fundámos a nossa galeria.
Vejo com muito carinho e uma grande esperança o surgimento de excelentes festivais como o Walk&Talk e o Tremor, que hoje em dia movimentam os jovens e os apreciadores das artes plásticas e da música. São referências obrigatórias que muito têm contribuído para aproximar gerações e divulgar o que de melhor se faz em vários pontos da Europa e do Mundo.
Estes festivais, num período curto de tempo, têm uma grande capacidade de mostrar o que se produz na ilha e, ao mesmo tempo, projectam estes artistas para outros locais. O Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas é também uma instituição muito dinâmica e cada vez mais integrada no seu território. As suas excelentes instalações estão sempre ocupadas com os mais diversos projectos.
Resumindo, sinto que todas estas instituições têm vindo a quebrar o nosso isolamento.
É neste caldo cultural que surge a candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura, muito estimulada por um movimento cívico da população dos Açores. O resultado final será conhecido no próximo ano. Espero que Ponta Delgada seja vencedora numa corrida em que a divisa é “A nossa Natureza é Humana”.