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MARIANA BRANDÃO
28/10/2020
Até 30 de Novembro decorre a 18ª edição do festival Temps d’Images, que apresenta 12 obras que abrangem a dança, o teatro, a performance e o documentário, onde se incluem estreias absolutas e primeiras apresentações em Lisboa. Com uma programação inicialmente pensada para ocorrer em épocas diferentes deste ano, o festival agrega agora dois momentos e propõe pensar sob o mote “Ainda há tempo?”.
A Artecapital foi conversar com Mariana Brandão, directora artística do festival Temps d’Images, sobre esta edição neste ano tão atípico.
Mariana Brandão estudou História da Arte na Universidade do Porto e doutorou-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, com uma tese sobre dança e performance. Depois de ter passado pelo ensino e por diversas instituições culturais, dirige há três anos o festival Temps d’Images.
Por Liz Vahia
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LV: O Temps d’Images comemora esta ano a sua 18ª edição, que é sempre um marco importante para qualquer evento. O mote desta edição parece estranhamente em sintonia com a situação actual. O festival lança a questão “Ainda há tempo?”, uma interrogação que parece tanto dirigida a quem cria como a quem assiste à arte que se faz actualmente. Queres comentar o tema desta edição?
MB: Esta edição do TdI seria a primeira desdobrada em dois momentos, um na Primavera e outro no Outono. Pensámos neste mote numa tripla acepção: por um lado o desvanecimento das Estações como as descrevíamos, como aprendíamos na escola, por outro, a idiota aceleração a que nos sujeitamos, e ainda o tempo de que dispomos no planeta, se continuarmos a portar-nos assim.
Não antevimos esta pandemia que nos trouxe um inédito confronto com o tempo e a catástrofe. Ainda ontem à noite lia a última Electra, excelente revista, precisamente sobre a Velocidade. Faz pensar.
LV: Sendo um festival que alia a imagem à presença física e faz disso um aspecto definidor, parece-me um evento excelente para pensar a criação em relação com as novas tecnologias em tempos de pandemia como esta, onde cada vez se oferecem mais conteúdos em formato digital e parece que tudo afinal poderia “ter lugar online”. Achas importante dar foco a esse lado performativo da imagem, no seu sentido englobante de presença, espaço, participação?
MB: Acho importante ter presente que as novas tecnologias - que para alguns já são velhas-, são simultaneamente uma bênção e uma praga. Fundamental lembrar que o digital nunca pode substituir ou equivaler à Arte ao vivo. Feliz e comprovadamente há muita, muita, muita coisa que não tem lugar e não cabe mesmo online.
Apresentamos, contudo, e pela primeira vez uma peça online. Se um artista tem interesse, ferramentas e razões para trabalhar nessa circunstância, não vemos porque resistir. O mal é quando esta opção é tomada por resignação, confusão, preguiça e todas essas coisas pouco edificantes que circulam em nós e à nossa volta. Quanto a testar, pensar e questionar a relação com técnicas e tecnologias, velhas e novas, também me parece excelente.
LV: Sentes que o Temps d’Images é ainda um espaço necessário onde criações mais arriscadas podem ter lugar? Trabalham com essa ideia de acompanhamento de criações que estão no limite, ou entre várias abordagens artísticas?
MB: Necessário sim, mais arriscadas talvez não. O risco está, e ainda bem, presente no trabalho de muitos artistas que se apresentam em contextos muito distintos do nosso festival, e muitas vezes em formatos e espaços ditos mais “convencionais”, “tradicionais” ou “estabilizados”.
Agrada-nos essa hipótese de acompanhar criações e trabalhar “entre” esferas, não repudiando os limites. Gostamos simultaneamente de não ser empurrados para trabalhar “no limite”, em termos de escassez de recursos. A precariedade pode ser muito interessante enquanto tema, prática, experiência. Quando é imposta tem outras consequências.
LV: A pandemia obrigou este ano o festival a uma apresentação no seu formato “regular”, em vez dos dois momentos inicialmente programados, um na Primavera e outro agora no Outono. Como foi adaptar o programa inicial bipartido? Exigiu um trabalho muito mais próximo com os artistas e espaços de apresentação?
Sentem que se “sacrificaram” alguns dos objectivos pretendidos com a programação pensada para dois momentos?
MB: Exigiu mais trabalho e um pouco mais de risco, assumido por todos nós: artistas, equipas, espaços, financiadores e até público. Mas é também para isso que aqui estamos.
Sacrificámos uma peça mas ganhámos outras coisas ao longo do caminho de adaptação que fizemos.
LV: Podes falar-nos um pouco do projecto “Open Acess – Experimentação em artes performativas e criação transmédia” e o seu acolhimento pelo Temps d’Images?
MB: Resulta de um convite por parte do Granit, em Belfort, um teatro e centro de experimentação/criação com alguma quilometragem quanto ao transmédia. Na altura nem sabíamos bem do que se tratava, e também por isso decidimos embarcar neste projecto internacional, juntamente com o National Theatre Wales e a ColectivA. Foi feita uma chamada a que responderam mais de 100 artistas, tendo sido selecionados 8, que agora apresentam os seus protótipos. Por não serem obras acabadas, optámos, juntamente com o Centro Cultural da Malaposta, pela entrada livre. Enfim, não tão livre por causa das restrições sanitárias, mas em compensação o público pode conhecer quase todos os trabalhos numa única visita.
É resultado de uma grande resiliência, num projecto que foi continuamente reformulado e desvirtuado pelas limitações decorrentes da pandemia, que foram sendo contornadas por este conjunto de artistas determinados e pela notável equipa da Malaposta, que acolheu de braços abertos uma proposta tão instável.
LV: Quase a meio desta 18ª edição do Temps d’Images, qual o balanço que fazem em relação às condições de criação/apresentação das obras e em termos de reacção do público?
MB: Somos levados a pensar que a arte ao vivo vai sempre existir enquanto existirem pessoas. Gostaríamos de celebrar isso com o público em salas cheias.