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TOBI MAIER
Tobi Maier é um dos curadores-associados da 30ª edição da Bienal de São Paulo que termina a 7 de dezembro de 2012. Nesta entrevista a Fernando Oliva, Maier refere o interesse pela arte brasileira no mercado internacional e explica os conceitos que permeiam as zonas curatoriais da bienal. Conduzida por Fernando Oliva, a conversa foi publicada originalmente pelo Goethe-Institut Brasil (www.goethe.de).
Curador e crÃtico de arte, Maier esteve associado à Frankfurter Kunstverein e foi colaborador da Manifesta 7. Entre 2008 e 2011, trabalhou no Ludlow 38, espaço cultural do Goethe-Institut para arte contemporânea em Nova Iorque.
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P: Na posição de quem observa o Brasil a partir de uma perspectiva “de foraâ€, como analisa o lugar do paÃs hoje no universo das artes visuais? Parece real e palpável o presumido interesse global pela arte contemporânea brasileira?
R: A diversidade do universo da arte brasileira é certamente reconhecida fora do paÃs. Prova disso é o número de trabalhos em história da arte sobre o assunto realizados nos últimos anos, bem como as coleções de arte latino-americana no exterior. A presença de artistas brasileiros em bienais ou mostras coletivas internacionais é frequente. E a importância histórica da Modernidade no Brasil permite a historiadores e curadores traçar diversas analogias com a história da arte em outras regiões da América do Sul.
O mercado local de arte reflete a curiosidade. Os trabalhos de jovens artistas brasileiros galgaram a alturas vertiginosas. Ou seja, o interesse é real e palpável. Apesar disso, acho difÃcil falar “da†arte brasileira. Paralelamente ao entusiasmo no mercado, vejo uma série de nomes importantes da história brasileira da arte, cujo resgate histórico em retrospectivas não se deu até hoje. Há também muita gente, a meu ver, que não faz muita questão do selo ‘made in Brazil’ no próprio trabalho.
Diálogo internacional
P: Estamos a assisitir ao incremento do número de curadores, crÃticos, historiadores e artistas internacionais, que vêm ao Brasil para realizar projetos. No entanto, a “recÃproca não é verdadeiraâ€, e os profissionais brasileiros ainda têm uma presença internacional muito tÃmida. Você teria alguma suposição sobre este descompasso entre o interesse pelos artistas brasileiros, de um lado, e o desinteresse pelo trabalho de curadores, crÃticos e historiadores, de outro?
R: Com certeza há visitantes que seguem uma opinião preconcebida, pesquisam, mas no fim não querem influenciar o discurso já estabelecido, não permitindo, desta forma, um diálogo verdadeiro. Mas primeiro de tudo é naturalmente importante que se ofereça no Brasil um fórum aos criadores internacionais. Isso acontece em diversos nÃveis e vai desde apresentações regulares de artistas estrangeiros reconhecidos internacionalmente em galerias e museus do paÃs, bem como em conferências, até artistas jovens interessados, que vêm ao Brasil para residências. A Bienal também tem a função de apresentar artistas internacionais ao público brasileiro.
Além disso, não gostaria de falar de um desinteresse pelo trabalho dos curadores, crÃticos e historiadores brasileiros. Há grande interesse pelo trabalho dos mesmos, seja por Lina Bo Bardi, Flávio Carvalho, Augusto Boal ou pelos textos de Paulo Freire, que fornecem material para exposições e seminários no exterior, ou para a participação de curadores brasileiros conceituados em debates internacionais. Mas à s vezes o Brasil parece, da mesma forma que outros paÃses de grande extensão – tomemos como exemplo os EUA, onde vivo desde 2008 – autossuficiente, ou seja, satisfeito consigo mesmo. É claro que é importante conhecer a própria história. Mas, ao mesmo tempo, a cena da arte brasileira precisa se mostrar aberta à s influências estrangeiras num mundo que se globaliza. Desta forma, podem surgir analogias interessantes.
Talvez precisemos menos de exposições panorâmicas da “nova arte brasileira†e mais de espaços de exposição e salões que possam mostrar aqui artistas internacionais desconhecidos sem pressão comercial e, ao lado das galerias e dos museus, incentivar métodos curatoriais experimentais. E precisamos também de um discurso que fomente a publicação de arte e teoria contemporâneas, bem como de um afrouxamento das regras alfandegárias na introdução de trabalhos de artistas estrangeiros no paÃs. Estes são alguns pontos, acredito eu, que poderiam enriquecer o intercâmbio mútuo em diversos nÃveis, do ponto de vista brasileiro.
“O realizador de exposiçõesâ€
P: Nos anos 1990, parte do meio ligado à arte acreditava que o poder estaria definitivamente nas mãos dos curadores, como agenciadores de ideias e projetos dos artistas no mundo globalizado. Porém, esta expectativa não se confirmou. No Brasil, especialmente, as decisões finais costumam ser tomadas na gerências de marketing e departamentos financeiros. De que maneira você vê hoje o papel do curador em um mundo cujas noções básicas de sociedade, polÃtica, economia e cultura estão em plena revolução?
R: Pessoalmente me identifico mais com o conceito szeemânico [derivado de Harald Szeemann (1933–2005), responsável entre outros pela lendária Documenta 5 de Kassel] do “realizador de exposições†do que com o conceito da moda do curador. O realizador de exposições engloba diversos aspectos do nosso trabalho, enquanto o termo curador, do ponto de vista histórico, derivou do aspecto de conservação das obras de arte. Hoje fazem parte desta atividade também aspectos como display, fundraising e mediação.
Enquanto na Alemanha o Ministério da Cultura e as Secretarias de Cultura dos estados distribuem a maior parte dos recursos públicos, no Brasil a Lei Rouanet facilita aos departamentos de marketing das grandes empresas obter poder de decisão. Estas empresas abatem do imposto de renda verbas despendidas em eventos nos quais os nomes das suas marcas podem ser divulgados de modo especialmente eficaz a um público de alto poder aquisitivo. Isso dificulta iniciativas menores e sobretudo indiossincráticas, embora artistas e curadores independentes de diversas regiões brasileiras tenham me assegurado que conseguiram também obter financiamento para projetos de exposições e publicações.
Em Nova Iorque, tive nos últimos quatro anos a oportunidade de realizar no Ludlow 38 um programa de exposições calcado na crÃtica social e na pesquisa. O Ludlow 38 é um projeto de longo prazo do Goethe-Institut (com apoio de uma montadora), que dá muita liberdade aos realizadores de exposições. Neste contexto, tive a sorte de contar com a colaboração dos diretores dos mais diversos espaços de exposições da Alemanha: o Kunstverein de Munique, a European Kunsthalle de Colónia e a Künstlerhaus de Stuttgart. Agora, o Ludlow 38 funciona como residência de curadores.
Além disso, pude acompanhar de perto outros projetos curatoriais interessantes, como por exemplo o Artist’s Institute, uma iniciativa de Anthony Huberman, sediado em uma pequena sala de Chinatown, em cooperação com o Hunter College. O Artists Space amplia-se no momento, com a criação de uma segunda sede para palestras e apresentação de livros. Na Alemanha, Astrid Wege tenta desvencilhar o European Kunsthalle Cologne um pouco da sede em Colónia para se estabelecer como projeto itinerante.
Neste clima económico e polÃtico descrito por você, os realizadores de exposições tentam fazer projetos inovadores e de longo prazo em cooperação com institutos culturais, universidades e com a iniciativa privada, sem, com isso, se prenderem somente ao caráter de evento do que produzem.
P: Gostaria que fizesse uma breve análise de suas experiências anteriores e recentes (Manifesta 7, Ludlow 38 e 27ª Bienal). Do ponto de vista deste percurso pessoal, seria possÃvel traçar uma linha de atuação, que se conecta com as propostas da atual 30ª Bienal e o seu papel dentro dela?
R: Primeiro de tudo, é preciso dizer que se trata de estações fundamentalmente distintas. Como estagiário no departamento curatorial de Lisette Lagnado tive o privilégio de trabalhar durante três meses ao lado desta maravilhosa curadora, tendo podido elaborar textos e ajudar a realizar o projeto no Jardim Miriam Arte Clube como parte da Bienal. Durante a Manifesta 7, Adam Budak forneceu-me generosamente espaço para realizar o projeto de exposição e rádio Auditory Epode dentro de sua mostra no Rovereto.
A minha tarefa como curador do Frankfurter Kunstverein, onde trabalhei com Chus MartÃnez entre 2006 e 2008, e no Ludlow 38, o satélite para a arte contemporânea do Goethe-Institut em Nova Iorquw, foi a de dirigir durante vários anos uma instituição com um programa de exposições, mediação e eventos, bem como de publicações, estabelecendo um diálogo local, nacional e internacional com o público, com artistas e com outras instituições.
As Bienais mencionadas por si têm naturalmente objetivos semelhantes, mas trabalham com uma outra temporalidade e outra dimensão. Elas dispõem de mais espaço e de mais recursos para confrontar os seus públicos com uma grande exposição. Como curadores da 30ª Bienal de São Paulo, tentamos, em diálogo com Luis Pérez-Oramas, André Severo e Isabel Villanueva, usar esse espaço para dar aos artistas a possibilidade de desenvolverem os seus trabalhos num ambiente extraordinário.
Intercâmbio entre o Brasil e o resto do mundo
P: A 27ª edição da Bienal aconteceu em 2006, ou seja há quase seis anos. No entanto, devido à s profundas mudanças no Brasil e no mundo, neste curto perÃodo, este momento nos parece muito mais longÃnquo. Particularmente em relação ao seu trabalho e à sua vivência no Brasil naquela 27ª Bienal, qual a sua impressão sobre este novo momento? Em outras palavras, o que você acha que mudou no meio cultural e artÃstico brasileiro, e na Bienal especificamente, neste perÃodo desde então?
R: A Bienal é produzida a partir da sua própria tradição institucional. Ela acontece em uma das cidades mais complexas do mundo e é uma espécie de “regulador†do intercâmbio de informação entre o Brasil e o resto do mundo. A Bienal mantém a sua ambição de ser a mais importante exposição de grande porte do Brasil e da América Latina. Em comparação com o perÃodo de minha estadia no Brasil em 2006, é claro que o meio das artes mudou, tanto dentro quanto fora da Bienal. E se profissionalizou sensivelmente. Como mencionado anteriormente, o mercado brasileiro de arte cresceu muito, e com isso também a possibilidade de que artistas e curadores passassem a viver dos seus trabalhos.
P: Gostaria agora que analisasse mais detidamente o conceito de “constelaçãoâ€, fundamental para esta edição da Bienal. Neste momento, a poucos meses da abertura da seção expositiva, como analisa a formalização deste conceito nas propostas dos artistas e no andamento dos debates internos da curadoria da 30ª Bienal?
R: A 30ª Bienal de São Paulo – A Iminência das Poéticas vai evitar a sequência linear de obras de arte avulsas. Ao lado de Luis Pérez-Oramas, André Severo e Isabel Villanueva, temos como objetivo criar constelações e ligações entre os trabalhos e torná-las visÃveis na mostra. Mas isso não significa que evitaremos os agrupamentos de obras de um artista. Pelo contrário, planeámos mostras minimonográficas de obras.
No entanto, queremos submeter a circulação geral entre as obras, bem como o lugar onde serão expostas, ao critério dos arranjos constelares. A ideia das constelações deverá refletir-se também no catálogo, para o qual pedimos aos artistas que criem ensaios visuais, ou seja, perfis hÃbridos ou atlas semelhantes aos de Aby Warburg, que situem suas obras em um contexto social, filosófico e histórico mais amplo. A colaboração com outras instituições da cidade de São Paulo – para apresentações fora do Pavilhão da Bienal – representa mais uma sequência constelar.
“A poética não exclui a polÃticaâ€
P: Outro conceito ainda nebuloso para o público neste momento é o das zonas curatoriais. Você poderia falar sobre cada uma delas: sobrevivências poéticas; alterformas/alterações poéticas; vozes poéticas; derivas poéticas?
R: A 30ª Bienal de São Paulo – A Iminência das Poéticas pretende tratar da arte contemporânea como um campo incerto, acentuando a questão do iminente: pontos centrais de nosso pensamento são ideias tais como o futuro enquanto potencialidade imprevisÃvel, a possibilidade de contornar convenções, um fascÃnio pelo hibridismo da lÃngua, a impossibilidade de estabelecer regras para a arte, a sobrevivência da poética através de deformações infindáveis, bem como a diversidade de velocidades em um presente determinado. A poética significa para nós o conjunto de ferramentas e lembranças, repertórios e mÃdias que são ativados por indivÃduos ou coletivos para produzir estratégias discursivas, formas altamente expressivas e obras significativas.
O importante para nós é a constatação de que a poética não exclui a polÃtica. A poética materializa a polÃtica como manifestação, interpreta, cria distância e modifica a polÃtica através da incorporação do discurso. Para responder à sua pergunta a respeito das quatro zonas curatoriais, preciso ir um pouco além: sobrevivências, alterformas, vozes e derivas devem ser entendidas como zonas metafóricas e não como zonas espaciais da exposição.
O conceito de “sobrevivênciaâ€, ou Nachleben, como formulou Aby Warburg, descreve a vida histórica após a suposta morte das formas e conteúdos artÃsticos, permitindo-nos uma seleção de trabalhos referenciais com os quais os artistas contemporâneos interagem. As alterformas referem-se à deformação de trabalhos, lembranças, interações: um segmento possÃvel dentro desta lógica poderia ser a visão distinta da história da Modernidade na América Latina ou também a perpetuação de uma ideia por artistas de diversas gerações.
Através da voz da teoria e da voz da poesia pretendemos refletir a respeito de aspectos que, ao lado dos objetos e das ações, são elementos constituintes das artes plásticas. A voz permite criar ligações entre a poética visual, verbal e discursiva. Neste sentido, incluÃmos neste capÃtulo curatorial poesia concreta, som, música, rádio e fonologia. Já a deriva não pode ser “localizada†nem concebida em um único lugar, resistindo a um posicionamento duradouro. Nós nos interessamos por questões como: quais formas e práticas nómadas são essenciais para a compreensão especÃfica de nossa época? Como podemos entender a deriva em formas artÃsticas e ideias como um enfoque frutÃfero no trato da arte contemporânea?
P: Poderia falar sobre a experiência do workshop voltado ao projeto gráfico da Bienal? De que maneira os “resultados†do workshop vão se articular de agora em diante com a existência real da exposição e demais ações do evento? Poderia falar sobre a ideia do cartaz e sua simbologia?
R: Partimos da reflexão de que, ao contrário de todas as suposições, o cartaz é o ponto final dos trabalhos da Bienal, não podendo estar no seu inÃcio, ou seja, há necessidade de um processo preliminar a ele. A ideia do workshop nasceu da cooperação com a equipe de designers gráficos da Bienal, sob a direção de André Stolarski. A proposta era dar continuidade à ideia da constelação, quer dizer, não nos submetermos à autoria de um designer gráfico, mas sim nos abrirmos a um grupo de ideias e influências, para então criarmos, a partir daÃ, identidades para a exposição.
Foi um experimento sem precedentes no Brasil no contexto de uma exposição deste porte e, além disso, uma experiência de caráter pedagógico. Então resolvemos, como equipe de curadores, nos reunir durante uma semana com os 12 membros do workshop e com os designers gráficos convidados Daniel Trench, Elaine Ramos, Jair de Souza, Armand Mervis e Linda van Deursen, para, a princÃpio, falarmos sobre a mostra, e só então desenvolvermos ideias a respeito da imagem da exposição. No workshop esboçamos regras que servirão de base para aplicações de todas as espécies: na internet, no catálogo e também em uma série de cartazes.
DisponÃvel em:
www.goethe.de/ins/br/lp/kul/dub/bku/pt9187638.htm