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MÓNICA ÁLVAREZ CAREAGA
2019-10-06
É incomum que uma feira de arte se importe em estruturar e divulgar uma relação dos artistas apresentados na sua próxima edição para além da habitual lista de galerias participantes da feira. É por isso que chama a atenção o material de divulgação da Drawing Room, cujo processo de inscrição e seleção das galerias é baseado principalmente na proposta de artistas e trabalhos que serão mostrados. Neste caso, a exigência é primordial: de que outra maneira a Drawing Room poderia sustentar a concepção de ser uma feira dedicada exclusivamente ao desenho? Entre os dias 9 e 13 de outubro, a feira de arte nascida em Madrid aterra pela segunda vez em solo lisboeta, na Sociedade Nacional de Belas Artes, para apresentar 25 galerias e um total de 72 artistas que exploram o desenho nos seus mais diversos formatos e suportes.
“Não é uma exposição - o objetivo final ainda é a venda, claro – mas a sensação é de curadoria”, conta a diretora da feira, Mónica Álvarez Careaga. Ao lado de outros três profissionais e amantes do desenho, Elsy Lahner, Immaculada Corcho e Manuel Navacerrada, a espanhola preza pelo reduzido tamanho da feira, o que vai contra a quantidade desesperadora de obras e informação visual presente nas mais importantes feiras de arte do mundo. Curadora responsável pela organização de secções especiais dedicadas ao desenho em feiras como Swab Barcelona, Art Beijing e Set Up Bologna, e consultora artística da Arte Lisboa entre 2007 e 2011, inaugurou a Drawing Room Madrid há quatro anos como uma alternativa à Arco: “Muitos artistas espanhóis me diziam querer participar de uma feira mais cómoda e eu não achava que outra feira generalista seria uma saída. Decidi criar uma feira voltada para o desenho, uma prática que eu já vinha trabalhando e que, para mim, requer mais tempo e mais atenção do espectador”, explica.
Outro motivo que justifica a criação de uma feira dedicada exclusivamente ao desenho é a cotação mais baixa no mercado de arte do trabalho sobre papel se comparado a outros suportes: “Nas grandes feiras, como é muito caro para as galerias estarem lá, elas preferem levar trabalhos de valores mais altos, para compensar o investimento. E assim se vê pouquíssimos desenhos e trabalhos sobre papel nesses espaços”, afirma Mónica. Um desenho chega a custar cerca de um terço do que vale uma pintura de semelhantes proporções e do mesmo artista.
A diretora ainda afirma que agora é o “momento do desenho”. Para ela, esta fase começou com a exposição “Drawing Now: Eight Propositions”, em 2002, no MoMA, que foi um gatilho para que instituições do mundo todo começassem a tirar os desenhos das gavetas dos seus acervos e passassem a incluí-los nas suas exposições. A feira parisiense Drawing Now Art Fair tomou de empréstimo o título da exposição na instituição nova-iorquina para criar a primeira feira do segmento. Nos últimos quatro anos, outras iniciativas parecidas nasceram em Bruxelas, Lugano, Basileia, Berlim e Londres, e são responsáveis por criar uma formalização desse tipo de colecionismo e do desenho como objeto de desejo. O nicho também vem mudando a forma de valorizar a prática e o suporte do papel, que antes poderia ser visto como menor, menos “nobre” do que uma pintura ou escultura. “A partir do momento que os museus passaram a valorizar as suas coleções de desenho, outras pessoas o fizeram também. Por exemplo, se pudesse comprar um Leonardo da Vinci, sem pensar em valores, compraria uma pintura ou desenho? Há 50 anos, a resposta seria definitivamente uma pintura. Hoje, poderia facilmente optar por um desenho se ele te agradasse mais!”.
Os artistas sempre produziram desenhos, o que mudou nas últimas duas décadas não diz respeito ao maior ou menor número de trabalhos ou o engajamento com essa produção, mas à maneira como artistas, curadores e galeristas passaram a olhar para o desenho. Se antes um rascunho ou uma preparação para um trabalho eram deixados de lado, hoje eles ganharam nova perspectiva e podem ser encarados como produtos finais, como objetos de arte. E isso também provoca um interesse maior do público que, por meio do desenho, pode criar uma relação mais íntima com o processo de criação de um artista.
As boas críticas recebidas desde o início do projeto em Madrid e a extensão da feira para o país vizinho indicam que esse modelo é bem recebido pelo público. A euforia também se confirmou este ano, quando importantes galerias portuguesas que não participaram da primeira edição da Drawing Room Lisboa, decidiram entrar para a segunda edição - caso da Filomena Soares (entre os seus artistas destaco Helena Almeida e Pedro Barateiro), Uma Lulik (destaco a AnaMary Bilbao), Kubikgallery (destaco o Pedro Vaz e o Pedro Tudela), Sala 117 (destaco Lourdes Castro), entre outras. Também estarão presentes galerias internacionais do Japão, Colombia, Brasil, Moçambique e Argentina – o país último ganha foco especial com curadoria de Deborah Reda e irá apresentar trabalhos de cinco artistas argentinos: Eduardo Stupía, Julia Masvernat, Matías Ercole, Paula Otegui e Hernán Paginini. Na programação paralela à feira há ainda uma série de debates sobre questões relacionadas com o desenho como a Millenium Art Talk e a conversa no MAAT, no dia 10 de outubro, com a presença de profissionais como Kate Mcfarlane, da instituição britânica Drawing Room, uma associação voltada para a documentação e exposição do desenho contemporâneo. O “momento do desenho” já não tem mais volta atrás!
Julia Flamingo
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Para ver a programação completa entre no site: www.drawingroom.pt