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FERNANDO SANTOS
01/07/2024
“A arte continua a ser um bom negócio”
O amor que Fernando Santos nutre pela arte despertou na sua infância. O marchant fundador da galeria homónima localizada na rua de Miguel Bombarda, no Porto, primeira a abrir no denominado Quarteirão das Artes, começou a consciencializar-se disso ao acompanhar o pai colaborador do Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso (MMASC) em Amarante.
Aos 22 anos, Fernando Santos abriu a Galeria São Pedro – o primeiro espaço de arte contemporânea aberto ao público em Amarante – apadrinhado pelo artista plástico e crítico doutorado em História de Arte, António Cardoso, que exerceu funções de docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e de diretor do MMASC.
No final dos anos 80, Fernando Santos já estava a colaborar com a Galeria Nasoni no Porto, a qual foi lançada a 13 de dezembro de 1985, pelo político António Cabecinha, pelo pintor Armando Alves e pelo galerista José Mário Brandão. Na década de 90, Armando Alves e José Mário Brandão abandonaram a Nasoni, mantendo-se Cabecinha à frente desta.
Foi em 1993 que inaugurou a Galeria Fernando Santos (GFS) na Miguel Bombarda, para onde levou outros marchants e as suas galerias, implementando um núcleo de arte na zona envolvente – o já referido Quarteirão das Artes – com inaugurações simultâneas.
Em 2023, comemorou o seu 30.º aniversário com uma celebração especial, iniciando “uma viagem através dessa memória e de uma história que merece ser contada, materializada na iniciativa ‘30 anos depois…’”, apresentada em setembro desse ano. Como o próprio Fernando Santos nos recorda.
À sua galeria icónica estão ligados artistas internacionais tão diversificados como Alan Davie, Alicia Eggert, Antonio Saura, Antonio Seguí, Antoni Tàpies, A.R.Penck, Baselitz, Bosco Sodi, Enzo Cucchi, Jan Voss, Jaume Plensa, Jorge Galindo, Jorge Perianes, Julian Schnabel, Karel Appel, Luis Gordillo, Raúl Cordero, Ray Smith, Ruben Rodrigo, Saint Clair Cemin, Santiago Ydáñez ou Vitor Mejuto; e artistas portugueses como Alberto Carneiro, Álvaro Lapa, Ana Vidigal, André Cepeda, André Príncipe, Avelino Sá, Costa Pinheiro, Cristina Massena, Cristina Mateus, Gerardo Burmester, Ilda David, João Louro, João Vieira, Jorge Martins, Jorge Pinheiro, José de Guimarães, José Loureiro, Luísa Correia Pereira, Luísa Mota, Manuel Baptista, Manuel Botelho, Manuel Rosa, Maria José Oliveira, Maria Souto de Moura, Nikias Skapinakis, Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Pedro Quintas, Pedro Valdez Cardoso, René Bertholo, Rui Sanches e Sandra Baía, para citar alguns.
Atualmente, Fernando Santos foge às inaugurações simultâneas, justificando que “já as transformaram numa romaria da qual não faço parte”. E vai-se desviando do circuito ao qual deu início no limiar dos anos 90, fugindo às datas pré-determinadas para as inaugurações simultâneas como a de sábado, 6 de julho, e as seguintes deste ano, a 21 de setembro e 16 de novembro. A última exposição da GFS, em 2024, será a de Cristina Massena.
Se inicialmente “ter uma galeria era ‘uma pedrada no charco’”, Fernando Santos acaba por concluir que: “A arte continua a ser um bom negócio”.
Por Helena Osório
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Helena Osório e Fernando Santos. © Cortesia Galeria Fernando Santos
Helena Osório: Como foram os primeiros passos no mundo da arte?
Fernando Santos: Tudo o que se faz tem de ser com paixão e foi uma área que me tocou imenso, acabei por envolver-me. O meu pai foi colaborador do Museu de Amarante quando eu era criança. Como filho mais velho, acompanhei-o sempre naquelas lides. Abri a primeira galeria, em Amarante, aos 22 anos.
HO: Porquê Galeria São Pedro?
FS: Porque se situava no Largo de São Pedro, onde se localiza a igreja de São Pedro. Quem lhe deu o nome foi o Prof. Doutor António Cardoso, na altura pertencia ao Grupo dos Amigos da Biblioteca-Museu Municipal de Amarante. Quando sugeri, apoiou o projeto e abriu-me as portas de muitos artistas. Quem fez a parte gráfica da imagem da galeria foi o escultor João Machado.
Foi uma época interessante, numa altura muito difícil em que ter uma galeria era “uma pedrada no charco”. Pouca gente comprava arte, mas as coisas começaram a evoluir.
HO: Refere-se à arte contemporânea.
FS: Sim. Sempre trabalhei em arte contemporânea, embora haja uma envolvente de arte moderna... Na altura, não existiam muitos artistas que viviam daquilo que produziam. Eu tive a oportunidade de entrar em alguns ateliers, como aquele do mestre Júlio Resende que na altura também me apoiou imenso e com quem inaugurei a galeria. Foi a primeira exposição da galeria em nome próprio na cidade do Porto.
HO: A Galeria Nasoni, no Porto, acabou por ser a grande escola?
FS: A Nasoni foi um projeto novo, para o qual fui convidado. Para mim, foi realmente uma escola, posso dizer que fiz o doutoramento na Nasoni.
HO: Para quem viveu a febre cultural dos anos 80-90 no Porto, reconhece o contributo da Nasoni?!
FS: Foi um projeto importantíssimo para o mercado de arte em Portugal, localizado na rua das Galerias de Paris, junto aos Clérigos, que dinamizou o Porto e o país. Começou por ser dum grupo de 10 amigos muito influentes no meio dos negócios. Existiam então duas galerias de arte contemporânea importantes em Portugal, a histórica 111 em Lisboa e a portuense Nasoni que acabou por lhe fazer uma competição, dando uma mexida muito grande no mercado. Surgiram muitas galerias, como já existiam outras, mas a Nasoni veio incrementar o negócio.
HO: A sua dedicação à Nasoni e presença assídua levou muita gente a pensar que fosse o verdadeiro mentor...
FS: Trabalhei sete anos na Nasoni como um simples colaborador da galeria ligado à área comercial. Mas, nesta área temos de estar presentes a 100%, de estar em cima do que melhor se faz na arte, entrar dentro dos ateliers dos artistas a apoiá-los, tal como eles a surpreenderem-nos. É uma atividade que obriga à constante presença e acompanhamento do mercado, do que se está a fazer, e incentivar os artistas sem pressionar.
HO: Nem todos têm esse lado comercial...
FS: Sim, também concordo e eu sempre tive esse prazer.
HO: Qual é o segredo do negócio?
FS: Costumo sempre dizer que é uma relação em triângulo, entre o galerista, o artista e o colecionador. Este triângulo tem de funcionar muito bem. Tem de haver uma confiança, uma abertura e uma lealdade muito grande no que se faz. Hoje, a relação que um artista deve ter com a galeria, e vice-versa, tem de ser muito sólida e transparente de forma a podermos trabalhar e o colecionador acreditar.
HO: Quantos artistas representa atualmente?
FS: Uns 30-40, já outros passaram. Não estou a dizer que é a melhor galeria em Portugal (nem pensar), mas a Galeria Fernando Santos tem um dinamismo muito grande e representa os melhores artistas que há em Portugal e outros internacionais. Posso dizer que tive o privilégio de trabalhar com Antoni Tàpies até falecer, representei-o durante 15 anos; assim como com Antonio Saura que é um histórico e também já faleceu; ou Nikias Skapinakis com quem mantive uma relação fantástica e que acabou por nos deixar muito cedo; Alberto Carneiro, Álvaro Lapa e Costa Pinheiro; e ainda Baselitz, Julian Schnabel, A.R.Penck, Ray Smith...
Convivi com grandes vultos da arte internacional sem dúvida, outros que nunca expuseram aqui, mas tive o privilégio de os conhecer; estão ligados a outras galerias e nem sempre se podem representar. Mas mantenho com estes artistas uma relação de grande amizade.
HO: O panorama da arte contemporânea em Portugal é promissor?
FS: Portugal é um país muito pequeno com um mercado de arte muito pequeno também, por mais que queiramos trazer grandes nomes da arte ao nosso país, e com o mercado aberto conforme está, não é fácil ter grande sucesso. Porquê? Porque não há instituições que os adquiram como acontece lá fora. Continuamos sempre a ‘bater na mesma tecla’ e não existe, neste momento, um único museu de arte contemporânea em Portugal que seja uma referência para os artistas nacionais.
HO: O MAAT e Serralves, não?
FS: O MAAT é uma instituição que faz um bom trabalho e é importante para o país sem dúvida, apoia, adquire obras de artistas... Serralves podia fazer um trabalho muito maior, que faz, mas podia fazer muito mais.
Só importamos artistas, podemos exportar também. A arte portuguesa tem de ser conhecida lá fora. E de que forma? Deve existir um grande investimento na organização de exposições, e tentar estabelecer sinergias com outras instituições, criar um circuito como forma de promover os artistas fora do país. Quem tem feito essa promoção são os artistas que se autopromovem no estrangeiro. E é lamentável porque Portugal tem grandes nomes da arte internacional. Ou melhor: temos grandes nomes da arte portuguesa que podem brilhar lá fora.
HO: Culpados?
FS: É preciso levar a cabo um trabalho bastante assertivo e empenhado, mas são sempre os mesmos que mandam neste país e na arte são esses pseudointelectuais, esses críticos de arte que não existem. Está tudo centralizado atualmente nessas pessoas que podiam fazer muito mais, mas o Estado também não apoia, não abre portas e têm-se funcionado assim.
HO: E não é difícil ser crítico de arte (ou qualquer outra coisa), neste país?
FS: Agora há uma nova área / legião de curadores, qualquer um é curador. Não conhecem os artistas e a sua obra e já se intitulam curadores. Eu não estou contra os curadores, mas contra quem tem de circular, de visitar as galerias e não o faz... Claro que nesta galeria apoiamos os curadores e os críticos, mas estes têm de conhecer muito bem a obra de um artista para apresentar uma exposição.
HO: Esse era o papel que o galerista fazia, antes, diretamente com o artista...
FS: E continua, nesta galeria continua. Não estou a dizer que não apoiamos os curadores ou os críticos, as pessoas que estão muito próximas dos artistas, claro que sim, mas que conheçam o trabalho do artista. Uma ocasião, numa exposição do Tàpies que apresentamos, disse ao responsável de uma instituição importante deste país que, se já tinham um Tàpies, deviam ter mais do que um Tàpies. Respondeu: “Basta-nos um!” Não compreendo como alguém que foi diretor de um museu diz uma coisa destas. Se vai mostrar uma única obra desta dimensão revela a pequenez da mentalidade e isso é mau.
HO: A Galeria Fernando Santos nasceu em 1993 e a aposta foi desde logo a Miguel Bombarda?
FS: Em 93 abri a primeira galeria em frente ao Palácio de Cristal e acabei por mudar-me para aqui.
HO: O Fernando Santos foi o mentor, ou pelo menos um dos mentores do Quarteirão das Artes.
FS: Fui o primeiro a vir para cá como podia ter sido outro, mas eu nunca estive quieto e continuo. Com a idade que tenho e com os anos em que já estou nesta atividade e são à volta de 40, continuo com muito empenho em fazer coisas diferentes e estão a acontecer coisas completamente diferentes na galeria, nomeadamente com a ampliação do espaço que neste momento tem à volta de 1.200 metros quadrados. Nós tentamos criar sempre nova dinâmica, novas exposições, novos espaços onde apresentamos várias exposições ao mesmo tempo.
HO: Quantas casas, que foi ocupando e 'esventrando', estão dentro desta galeria?
FS: Já me chamam uma toupeira que rasga o espaço, e não é uma questão de rasgar, mas de criar para a cidade e para o país o que eu considero um espaço com uma importância muito grande na dinâmica cultural no Porto.
Nós apresentamos constantemente projetos novos, estamos abertos ao público e não há entradas pagas, conforme outras instituições têm e que devem ter, mas é um espaço de livre circulação. As pessoas podem vir e assistir a conferências como a que tivemos recentemente com quatro dos grandes nomes da arte portuguesa (Cabrita Reis, José Pedro Croft, Rui Sanches e Pedro Calapez), portanto uma conversa que contou com a presença de 150 pessoas ao fim da tarde e que vai continuar em setembro com outros artistas.
HO: Como funciona este mega espaço?
FS: Temos a exposição à entrada que se coordena depois com as obras em constante rotação do acervo pelos outros espaços da galeria, o que acaba por ter uma dinâmica muito grande e é preciso empenho, é preciso paixão, é preciso não parar. É importante para a cidade e a cidade tem de dar valor a estes espaços. A autarquia vai fazendo o que pode, mas era importante que os seus responsáveis nos apoiassem aparecendo, deviam aparecer mais vezes e promover estes projectos que necessitam de divulgação.
HO: E como estamos de inaugurações simultâneas?
FS: As inaugurações simultâneas continuam, mas já as transformaram numa romaria da qual não faço parte. Eu faço as minhas inaugurações, não concordo com o tipo de inaugurações que estão a ser feitas neste momento, transformam o quarteirão numa romaria. Só faltam os zés-pereiras, as castanhas, as farturas e tal. Penso que a Câmara está metida nessa programação e os colegas das galerias que aqui estão.
HO: Como ficou o projeto original de tornar esta rua pedonal? Na gaveta?
FS: Começou-se, mas não evoluiu. As pessoas que gerem esta cidade parece que têm vergonha de quem fez o primeiro projeto. Que terminem o projeto porque a cidade só beneficiará com uma rua pedonal. Nem se pode passar com os carros estacionados em cima dos passeios, portanto não há respeito. É uma rua suja intransitável, é um ponto de interesse da cidade com caixotes de lixo em frente a hotéis e restaurantes. Uma vergonha! Não sei quem tem essa responsabilidade, mas deviam melhorar. Dizem que o Porto é uma cidade virada para o turismo e para a cultura, mas não sei onde.
HO: A única parte da artéria que se tornou pedonal foi o troço em frente à Galeria Fernando Santos, com as marcas do escultor e pintor Ângelo de Sousa, autor do desenho e pintura para esta primeira parte da calçada pedonal na rua de Miguel Bombarda?
FS: Este projeto, que inicialmente teve logo muita crítica, quer se goste, quer não se goste, é uma referência. Neste momento, com as obras do metro sem fim (dizem que terminam finalmente este ano), esta plataforma que está a proteger o desenho de Ângelo de Sousa será levantada e pode ser que melhore. O embelezamento da rua é importante. Hoje em dia a Miguel Bombarda é um polo cultural já muito importante para a cidade, ligado a várias áreas de criatividade, das galerias de arte ao lazer, para além de toda a envolvente com muitos projetos criativos, e tornou-se um ponto com peso cultural.
HO: A ideia original passava por levar a toda a rua intervenções artísticas com o cunho de diferentes artistas à imagem desta primeira de Ângelo de Sousa...
FS: Isto era para ser muito mais completo. Como não somos nós que mandamos, é a autarquia, e como o arquiteto Filipe Oliveira Dias que produziu este projeto já faleceu, não se avançou mais.
HO: Quem teve a ideia de criar este núcleo, o Fernando Santos e quantos mais?
FS: Eu tive a ideia do projeto, encomendei o desenho, o arquiteto Oliveira Dias alinhou, paguei e ofereci-o à Câmara. Eu paguei um preço simbólico ao arquiteto para apresentar e muito bem o projeto num espaço da rua, muito antes do Porto Capital da Cultura, porque era para estar pronto nessa altura e acabou por se atrasar, mas que foi oferecido, fui eu que o mandei produzir, é claro que envolveu outras pessoas.
HO: Quem foram afinal os pioneiros do Quarteirão das Artes?
FS: O galerista Zé Mário Brandão, um dos que fundou a Nasoni, foi o segundo ou terceiro a vir para a zona, com a Canvas (desde 1994); a Maria de Belém da Galeria Presença (desde 1995/96); o Manuel Ulisses da Quadrado Azul (desde 1997).
O pintor Augusto Canedo (igualmente entre os pioneiros) teve um projeto muito interessante, a galeria Por Amor à Arte (desde 1994/95), com uma dinâmica muito grande. Artista como é, envolveu-se num projeto único em termos de energia, com uma nova geração de artistas; teve aí um bar-restaurante, criou a revista BomBart com a Helena Osório (coordenadora editorial) e Susana Leão Machado (designer), e foi pena ter desaparecido. Neste país, as coisas nascem e desaparecem rapidamente porque não há um suporte para apoiar o que é bom.
André Viana com a galeria homónima (desde 1998) também integrou o grupo. Essencialmente fomos os primeiros, entre tantos outros que passaram por aqui.
HO: As galerias que iam até ao Palácio de Cristal estão agora mais dispersas?
FS: Concentram-se na rua, basicamente na parte pedonal. Com o tempo e se o panorama melhorar pode ser que surjam outras galerias. Há quem procure espaços para abrir galerias, mas não existem espaços e as rendas são altíssimas.
HO: Vai desviar-se também das inaugurações simultâneas a 6 de julho, e das próximas agendadas para 2024?
FS: Eu já não sei a data das próximas inaugurações. Em junho fiz uma inauguração com uma artista americana, Alicia Eggert, patente até 16 de setembro. A próxima inauguração, em setembro com a rentrée, é uma grande instalação do artista espanhol radicado no Porto, Jorge Galindo, e será no final de setembro.
HO: Portanto, já não segue as datas instituídas.
FS: Pode coincidir, mas enquanto não houver uma reestruturação e boa-vontade da parte de todos, mantém-se. As modas passam e nesta área as pessoas têm de se empenhar e de criar um interesse conjunto. Se houver isso muito bem, se não cada qual segue o caminho. Já temos a programação até final de 2026. Temos de trabalhar com antecedência.
HO: O Fernando Santos começou o percurso a solo em 1993, na Rua D. Manuel II, em frente ao Palácio de Cristal, num espaço com cerca de 250 metros quadrados, hoje tem mais de 1.000 na rua de Miguel Bombarda, entre os números 526 e 531, incluindo o espaço inicial de exposições temporárias, Project Room, CUBO e Acervo. Vai continuar neste ritmo de crescimento?
FS: Não sei. Com este projeto de ligação da galeria para o outro espaço ao lado, penso que vamos ficar por aqui. Vão surgindo várias ideias para concretizar ao longo dos próximos anos e Deus me dê saúde e vontade de continuar.
HO: Em 2023, a Galeria Fernando Santos comemorou 30 anos de Miguel Bombarda. Como registou a data?
FS: Há um ano a galeria fez 30 anos nesta rua e tem piada que foi a melhor surpresa que tive até hoje. Aí se nota que a amizade entre a galeria e os artistas, e o respeito que eles (artistas) têm pelo galerista, é muito grande. Convidei os artistas todos para a festa, vieram de vários pontos do globo, e estiveram aqui 45 artistas num jantar-convívio em setembro.
Digo isto muitas vezes: se queremos ter sucesso temos de gostar do que fazemos. Temos de ser empenhados, de ter vontade, de ouvir e nesta relação com os artistas tem de haver envolvimento, paixão e entusiasmo. Temos de sentir muito aquilo que fazemos e temos de fazer com o máximo de profissionalismo e vontade.
HO: Projetos futuros?
FS: Agora só iria para um sítio: Nova Iorque, mas como é impossível, fazemos todos os projectos que temos em mente na nossa cidade e com as instituições que nos solicitam colaboração.
HO: Então só apostou no território português, no norte em Amarante e Porto, e no sul em Lisboa...
FS: Nós portugueses sempre fomos muito arrojados em criar fora do país, eu por acaso sou muito agarrado à terra. Criei três projetos a pedido da administração da Mundial Confiança, o projecto Chiado 8. Foi desenvolvido um projeto fantástico por onde passaram grandes nomes da arte portuguesa e internacional só que, como em tudo, há sempre invejas e eu acabei por vir embora. Estava ligado à Culturgest, e depois como há os interesses desses pseudointelectuais que geriam a instituição, eu acabei por deixar. Continuo a ser nortenho. E, continuo a dizer que esta é uma galeria comercial com uma função cultural, mas é um negócio.
HO: Há que mudar muita coisa para o Quarteirão das Artes retomar o ânimo que tinha?
FS: Os gestores desta cidade, a autarquia, andam a anunciar que é uma das melhores cidades do mundo, um dos melhores destinos gastronómicos; uma cidade que recebe bem, numa região bonita, mas temos de ter muito cuidado com aquilo que dizemos, pois é necessário criar soluções de segurança, de limpeza e de apoio a instituições que são importantes e acolhem quem nos visita dando aquilo que pretendem, como seja segurança e bom acolhimento, transmitindo a nossa maneira de ser e o calor. Vão daqui encantados, mas para isso também temos de nos sentir apoiados pela autarquia. Os agentes culturais da cidade deviam ser mais ouvidos.
A transformação que a cidade [está a sofrer] tem de ser repensada, a transformação que está a ter ao nível de património devia ser ponderada antes de se deitar abaixo o que quer que seja e destruir. Há vestígios importantes, palacetes que são transformados e outros que continuam parados e não se sabe o que vai acontecer, como o antigo conservatório, e a envolvente que é um espaço lindíssimo, foi adquirido e está fechado. A cidade está a transformar-se e a descaracterizar-se, é a evolução dos tempos e do mundo que está em guerra. Os jovens querem viver o dia de hoje, são cidadãos do mundo, não se querem fixar, vivem com muito menos preocupações.
HO: A arte continua a ser um bom negócio?
FS: A arte continua a ser um bom negócio, mas as pessoas têm de acreditar no aconselhamento e em galerias sérias e responsáveis. As pessoas têm de gostar do que estão a comprar.
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Helena Osório
Nascida em Benguela, Angola, é jornalista cultural, editora e escritora doutorada em Estudos sobre a História da Arte e da Música pela Universidade de Santiago de Compostela, com reconhecimento da Universidade do Porto; mestre e pós-graduada em Artes Decorativas pela Universidade Católica Portuguesa. Investigadora no Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (i2ADS / FBAUP).