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ENTREVISTA


JPR+JRGM no Festival de Locarno


Manhã de Santo António (2012) de João Pedro Rodrigues.


Santo António de João Pedro Rodrigues.


Santo António de João Rui Guerra da Mata.

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JOÃO PEDRO RODRIGUES E JOÃO RUI GUERRA DA MATA


A carreira em cinema de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata passa pela co-realização de um universo que tem assumido um vínculo cada vez maior com o Oriente. A cumplicidade estética dos dois realizadores é agora pela primeira vez partilhada nas artes plásticas. A dupla foi desafiada a expor no Mimesis Art Museum, na Coreia do Sul. A exposição Santo António, criada a partir de um filme, inaugurou a 26 de novembro.

Por Carla Henriques


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P: Como surgiu o convite para apresentarem uma exposição conjunta?

JPR: A proposta para realizarmos uma exposição, apresentada pelo Mimesis Art Museum (desenhado pelo arquiteto Siza Vieira) na cidade de Paju Book City, e pela Embaixada de Portugal em Seul, foi uma surpresa. Nos últimos anos temos ido com alguma regularidade à Coreia do Sul, aos Festivais de Busan e de Jeonju apresentar filmes e, no meu caso, participar como membro do júri em Jeonju.

JRGM: Embora o desafio lançado tenha sido surpreendente, julgo que o convite surgiu porque pensaram que poderíamos desenvolver um projeto que ultrapassasse as fronteiras do cinema para as artes plásticas, talvez depois de termos realizado A Última vez que vi Macau e também das nossas últimas curtas-metragens, que são trabalhos mais experimentais, uma vez que temos aproveitado esse formato (curto) para ensaiar outras formas de contar histórias.



P: E o que é que vão apresentar?

JPR: No ano passado realizei a curta-metragem Manhã de Santo António, que estreou na sessão de encerramento da “Semaine de la Critique” do Festival de Cannes. É um filme que fiz integrado num projeto artístico para Le Fresnoy, uma Escola de Arte Contemporânea no norte de França, onde dei aulas no ano letivo de 2010/11. Como é, de alguma forma, uma curta-metragem um pouco mais abstrata que os meus filmes anteriores, mais próxima, talvez, de outras disciplinas como a dança, achei que seria interessante transformá-la numa instalação. Chamei a Mariana Gaivão, que já tinha montado comigo o filme, e fizemos uma montagem completamente diferente, usando mais material e imagens que não entraram na curta-metragem. A instalação tem 19,5 minutos e é projetada em simultâneo em quatro ecrãs. São quatro filmes diferentes, o que torna o projeto quase numa longa-metragem. Manhã de Santo António conta o regresso a casa de 40 jovens, rapazes e raparigas, que saem na noite de Santo António e, já de madrugada, apanham o primeiro metro da manhã, descendo na estação de Alvalade. O filme acompanha os vários percursos destas personagens, a geometria do seu andar - todos divergem do mesmo centro que é a Praça de Alvalade e a grande estátua de Santo António, erguida durante o Estado Novo e têm percursos mais ou menos inesperados. O filme é uma reflexão sobre a ideia de movimento, a repetição coreográfica, a forma como as pessoas andam. Quais são as diferentes maneiras de cada um caminhar? A instalação explora ainda mais esse lado da repetição, que agora é conjugada nos quatro ecrãs que interagem uns com os outros.

JRGM: O meu projeto passa por desenhos a tinta da China, de pequena dimensão, e vai complementar a instalação do João Pedro. Desenho há muito tempo, é um trabalho que tem evoluído com os anos. Considerámos que teria interesse complementar a instalação com este meu projeto que apresenta detalhes das personagens do Manhã de Santo António. No filme e também na instalação as personagens são vistas quase sempre de costas. Há sempre um determinado ponto de vista que só é revelado no final, quando finalmente se percebe quem é que está a olhar. No meu caso, as personagens estão sempre de frente, de alguma forma os desenhos revelam o que no filme vemos de costas, atores e membros da equipa.



P: Este projeto do Mimesis Art Museum acaba por ser uma extensão do que têm realizado em cinema.

JRGM: Sou art diretor / production designer, portanto toda esta ideia do desenho acaba por me acompanhar. Seja desenhar décors, espaços, guarda-roupa, no fundo, pensar um filme em temos visuais, mas agora num suporte diferente do filmado, como quando se prepara esse mesmo filme. Considero, por isso, que este projeto para a Coreia do Sul acaba por ser quase uma extensão do que tenho criado no cinema.

JPR: Para mim é como se o filme que realizei, o Manhã de Santo António tivesse “desaguado” nesta instalação. À partida não pensei que poderia resultar nisto, mas depois de trabalhar o projeto parece-me quase natural e orgânico.



P: O vosso trabalho cinematográfico tem sido extremamente acompanhado não só na Coreia do Sul, mas também no Japão e na China através de Macau e Hong Kong. Além de uma relação profissional vocês têm uma ligação afetiva com estes países?

JPR: Ainda na Escola Superior de Cinema, o Paulo Rocha introduziu-me ao cinema asiático, principalmente o japonês. Por exemplo, a curta-metragem de minuto e meio que realizei a convite do Festival de Veneza para comemorar os seus 70 anos, intitulada Allegoria della Prudenza, é também uma homenagem ao Paulo Rocha (que morreu no final do ano passado) e ao Oriente. Allegoria della Prudenza começa com os dois túmulos onde está sepultado o realizador japonês Kenji Mizoguchi, um em Tóquio e outro em Quioto. Imaginei que a urna onde estão guardadas as cinzas de Paulo Rocha, que repousa num jazigo em Ovar, seria uma espécie de terceiro túmulo, como se ambos fizessem parte do mesmo corpo cinematográfico. Sinto que aprendi muito com o cinema oriental. E há também a relação do João Rui com a Ásia e com Macau, onde viveu parte da sua infância.

JRGM: A ligação afetiva passa pela minha vivência em Macau e pela forma como contagiei o João Pedro com essa paixão que sempre tive pelo Oriente. O facto de lá ter vivido, foi o ponto de partida para a nossa longa-metragem, A Última vez que vi Macau, que estreou recentemente nos Estados Unidos com a última curta que realizámos juntos já este ano, Mahjong. O João Pedro conhecia Macau através das minhas memórias e relatos. Rodámos o filme com base nessas histórias, reinventando uma cidade que existe e não existe, entre o film noir e o thriller, o documentário e a ficção. E quando vamos a qualquer cidade, na Europa ou na América, uma das primeiras coisas que fazemos é ir descobrir a Chinatown, nem que seja só para irmos fazer as refeições em novos restaurantes asiáticos.



P: Há uma perceção diferente do vosso trabalho nesses países do que no Ocidente?

JPR: É sempre difícil fazer essa distinção porque acabamos por ter perceções individuais do que cada pessoa nos diz sobre o nosso trabalho. No entanto, é certo que nos Festivais do Oriente há um grande entusiasmo pelo cinema e não só com o nosso, mas com o cinema em geral. No caso da Coreia do Sul, há uma energia que se sente. Em relação aos nossos filmes, tanto no Festival de Busan, que é o maior festival asiático, como no de Jeonju, o público é muito interessado e carinhoso.

JRGM: Os nossos filmes têm viajado por todo o mundo, mas no Japão foram “descobertos” recentemente através da retrospetiva itinerante que decorreu no início deste ano, organizada pelo crítico Shinsuke Ohdera, e que acompanhámos em Tóquio, Osaka e noutras cidades japonesas. É curioso, não sabemos explicar muito bem o porquê deste entusiasmo, se é a forma como os filmes são feitos, se a temática… E é interessante pensar que hoje o Pedro Costa é muito reconhecido no Japão, quase que poderíamos dizer que é venerado.

JPR: Quando houve a retrospetiva em Tóquio, mostraram a minha primeira longa-metragem O Fantasma, mas só a puderam exibir uma vez. O filme tem sexo explícito, o que é proibido mostrar no Japão. A sala estava completamente a abarrotar e houve gente que não consegui entrar. Soubemos depois que a polícia ameaçou os organizadores de que se voltassem a exibir o filme seriam detidos. Nem acho que essas sejam as cenas mais importantes, queria mostrar uma certa crueza das relações físicas e das emoções. Houve um enorme debate a seguir, a questão central para eles era a dureza do filme, e o sexo explícito era tido como um ato de coragem da minha parte, por o filmar sem tabus. Tentei explicar o porquê de filmar dessa forma, que na altura era a única forma “justa” para transmitir determinadas emoções. Acho que no Oriente, pelo menos em determinados meios artísticos, as pessoas procuram no cinema e também nas outras artes, coisas que sejam únicas, que é também o que me interessa: perceber que há realizadores que fazem filmes e exprimem emoções de uma forma que é só deles. O que nos dizem é que os nossos filmes são assim.


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