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ENTREVISTA


António Olaio durante a performance Graças à Luz Eléctrica, Plataforma Revólver 2020.


António Olaio durante a performance Graças à Luz Eléctrica, Plataforma Revólver 2020.


António Olaio durante a performance Graças à Luz Eléctrica, Plataforma Revólver 2020.


Armando Azevedo, Páscoa 79, esferográfica e colagem de papel e tule s/tela, 1979.


Instalação/performance de Armando Azevedo Simposyum de Lyon, 1979


Performance Il faut danser Portugal, Centro Georges Pompidou, Paris, 1984.


Performance Les Miroirs ne reflectent pas l'image de Dracula, Espaço Makkom, Amesterdão, 1984.


Performance Graças à Luz Eléctrica, Espaço Makkom, Amesterdão, 1984.


Performance Erotic Phonecalls, Intervention III - Verrières, Paris, 1986.


Performance Flowers for the murdered postman, Art is Action, Galerie Zorro, Kassel, 1987. Fotografia: Stephan Reusse.


Performance Hot mice don’t like Sundays, com Fátima Carvalho, festival O Ângulo Recto ferve a 90º, Aniki Bobó, Porto, 1987. Fotografia: Bérnard François.


Performance DESTERRADO, Museu Soares dos Reis, Porto 2017. Paulo Mendes Archive Studio _Orbital17. Fotografia: Rui Pinheiro.


Binóculos Divergentes, performance com Paulo Mendes, Cooperativa Árvore, Porto, 2018. Paulo Mendes Archive Studio. Fotografia: Israel Pimenta.


Performance Lunch Break, exposição 'Trabalho Capital', São João da Madeira, 2019. Paulo Mendes Archive Studio. Fotografia: Rui Pinheiro.


Anywhere Else, concerto/performance, lançamento do cd, Teatro Académico Gil Vicente, 2020. Fotografia: Vitor Garcia.

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MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




ANTÓNIO OLAIO


14/12/2020

 

 

Esta é a segunda entrevista que acompanha o Ciclo de Reenactments - Performance Arte Portuguesa, que será apresentado na Plataforma Revólver, em Lisboa. Este ciclo tem por objectivo partilhar episódios da história da performance portuguesa.
No dia 9 de dezembro, pelas 19h, foi transmitida em
live streaming a performance GRAÇAS À LUZ ELÉCTRICA, de António Olaio.
Publicamos esta entrevista sobre o percurso do artista e sobre o momento e as circunstâncias da apresentação da performance GRAÇAS À LUZ ELÉCTRICA, na Galeria Makkom, em Amesterdão, em 1984.
António Olaio é artista plástico, performer, músico, professor universitário e investigador. É ainda director do Colégio das Artes, em Coimbra.


Por Isabel Costa

 

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IC: Começaste a fazer performance muito cedo, em Coimbra. Como surgiu esse primeiro impulso de criar com o corpo?

AO: Eu tive a sorte de conhecer pessoas que passaram pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, e pude ver os anos 70 através deles. Falo de João Dixo, Albuquerque Mendes e principalmente do Armando Azevedo. Passava muito tempo com ele. Quase diariamente ia beber cervejas com o Armando Azevedo e falávamos de arte.
Tive a sorte imensa de me atirarem para o meio da performance aos 18 anos, e de ter começado a fazer performance neste ambiente. Comecei num festival onde esteve presente o Egídio Álvaro, no edifício do Chiado, na Baixa de Coimbra. Neste festival, esteve presente o Manoel Barbosa, o Gerardo Burmester, entre outros. Mais tarde fui convidado pelo Egídio Álvaro para ir apresentar uma performance a Almada, em 1983, e também em Cascais (um festival fabuloso quase clandestino, porque assim que chegámos percebemos que a Câmara afinal não tinha apoiado o festival). Tudo isto foi antes e durante o meu percurso na Escola de Belas Artes. Enquanto era estudante tive o privilégio de estar em contacto com estes artistas.
Ao princípio fazia uns pequenos rituais, muito influenciados pela pintura que fazia. A pintura estava de uma forma óbvia por detrás das minhas primeiras performances e o que faço em pintura faz ainda hoje parte do meu trabalho performático.
Desde cedo, a relação com o corpo não foi particularmente interessante para mim (esta é capaz de ser uma informação um pouco escandalosa), mas ao mesmo tempo, era. Não no sentido da afirmação do corpo, mais como uma exorcização, uma purga. A Gina Pane a cortar-se, ou o Chris Burden a dar um tiro no braço (acidentalmente ou não) pode não ser propriamente a afirmação do corpo. O braço do Chris Burden tornou-se mais imaterial que material. Na performance, muitas vezes, o braço é menos braço e o corpo é menos corpo.
Essa afirmação do corpo, sendo tão evidente, evidenciando que o corpo do artista está “ali mesmo”, muitas vezes afirma a sua condição de imagem. Isto do ser “mesmo”, tem muito que se lhe diga. Uma pintura também é “mesmo”, também está presente.


IC: Estudaste Física antes de te mudares para a Escola de Belas Artes, no Porto. O que te trouxe a experiência de teres passado por este primeiro curso?

AO: Estudei Física em Coimbra, apenas um semestre. Tive um péssimo professor na disciplina “Fundamentos da Física Moderna”, mas acabou por ser fantástico porque me desencantei, e mudei-me no ano seguinte para a Escola de Belas Artes do Porto.
Poderá ser interessante pensar que o facto de eu ter passado pelas ciências, não me faz ter a necessidade de mostrar aos outros, de uma forma objectiva, que sou inteligente e que o meu trabalho é relevante. Deu-me uma certa assertividade. Sim, ter passado pelas ciências talvez me tenha dado a convicção que não era parvo nenhum.


IC: Como conjugas as profissões de artista, investigador e professor? A tua actividade nestas três profissões está ligada?

AO: Está, não é fácil, e ao mesmo tempo é. Estranho-me, mas acho que isso é bom, porque a habituação é algo que não é bom para quem quer fazer alguma coisa. Desde que me conheço como artista que sou também professor. E, no fundo, a razão de ser professor é ser artista, porque se eu esvaziar completamente o meu trabalho como artista deixo de ser professor.
A palavra investigação, neste campo, é uma palavra que me faz impressão e me traz algum desconforto, porque me parece que esta palavra até pode fazer muito mal à própria investigação. Por exemplo, eu prefiro o nome dissertação a tese. A palavra tese é um equívoco. O interesse das coisas está na possibilidade de abrir caminho para uma outra coisa, mas é preciso que haja a inteligência de ver o que se encontra nesse processo e a capacidade de poder despontar esse processo. É um abrir um campo de possibilidades, enquanto que a ideia de tese é uma coisa muito apriorística. Quando alguém pergunta qual é a tua tese, está a perguntar onde é que vais chegar.
Uma das coisas que acho perigosa, é a ideia de artista-investigador, que é uma espécie de nova tribo, e já deu origem a vários equívocos. Como se houvesse um tipo de arte que se tem de mostrar como investigação, que mimetiza a investigação científica na sua aparência. Isto pode ser muito importante, mas não o será se excluir a obra de arte como uma coisa que vale por si só.
Por outro lado, o facto de fazermos arte nas universidades dá-nos tempo e um contexto para a arte acontecer e para a pensarmos.
O que nós, enquanto investigadores, tentamos fazer, é pôr no centro a própria arte. É difícil ligar estas profissões e ao mesmo tempo não é. Confesso que a minha maior performance foi a minha defesa do doutoramento...


IC: Em 1984 apresentaste performances em Paris e em Amesterdão. Começando pela participação no Festival de Performance “Performance Portugaise”, no Centre George Pompidou, comissariado pelo Egídio Álvaro, onde eras dos artistas mais jovens do grupo de 10 artistas convidados. Como foi esta experiência?

AO: Comemoravam-se dez anos da revolução de Abril. Em Paris havia muitas comemorações. Foi muito importante para mim, porque foi a primeira vez que fiz performance no estrangeiro. Levei uma performance muito parecida com uma outra que tinha feito num festival em Portugal. Já não me lembro que música dancei, mas dancei uma música vestido de cuecas e com uma paleta em cada mão. Tentava que o corpo estivesse sempre em movimento sem sair do mesmo sítio. No Pompidou, a performance que levei era muito semelhante a esta. A bandeira portuguesa tapava as paletas nas minhas mãos e por cima de mim estava o título (que trouxe de Portugal, pintado à mão), “Il Faut Danser Portugal”. A ideia era convidar Portugal para dançar, como se fosse uma palavra de ordem, como se dançar fosse uma prioridade, ou Portugal como um banda sonora que se tem de dançar...


IC: No mesmo ano apresentaste a performance “Graças À Luz Eléctrica” em Amesterdão, na Galeria Makkom, num ciclo semelhante chamado “Portuguese Performance Festival” que te propuseste a refazer na Plataforma Revólver. Que performances fizeste neste festival?

AO: Este festival aconteceu no mesmo ano que o do Centre George Pompidou. Houve um interesse pela performance portuguesa e o Egídio Álvaro foi convidado para ser organizador de um outro festival em Amesterdão. O espaço Makkom pertencia a um artista israelita que vivia em Amesterdão e que tinha uma casa lindíssima que funcionava como galeria, onde recebia artistas. Neste festival, fiz duas performances, uma que se chamava “Os Espelhos Não Reflectem a Imagem de Drácula” e fiz a performance “Graças à Luz Eléctrica”, onde tinha uma imagem feita de uma composição de fotocópias, e uma fila de velas, umas grandes e outras mais pequenas, que eu esperava que se apagassem à medida que a performance decorria. Eu dançava com lâmpadas acesas nas mãos, à procura de sombras que o corpo pudesse criar, ao mesmo tempo que o corpo era iluminado por si próprio. Fiz esta performance com 220 volts, sempre a arriscar a vida.


IC: Intencionalmente esta performance terá algumas mudanças. O que vai mudar e porquê?

AO: Não vou repetir a performance. Vou manter as lâmpadas em movimento, que é um elemento importante desta performance. Não vou estar em cuecas como estava, porque não me parece que faça muito sentido tentar reproduzir essa imagem. Eu estarei, no fundo, a recriar esta performance e a modificar o que me fizer sentido. Não me interessa qualquer puritanismo em relação à performance como experiência irrepetível. Posso fazer a mesma performance várias vezes e de maneiras diferentes, ou de forma semelhante.
Ainda assim, as coisas não são tão difusas, eu tenho um foco grande nesta repetição, mas este foco, e é isso que me dá liberdade para relacionar este reenactment com outras coisas e transformá-lo.
Por isso na performance vou começar por mostrar uma imagem de um painel do Armando Azevedo que ele fez em 1979, quando fez 33 anos e que fez parte da instalação/performance que apresentou no Simposyum de Lyon desse ano a convite da Orlan (e também no mesmo ano no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra). Aqui vemos a silhueta do seu corpo preenchida com desenhos a esferográfica azul, e todo o resto da superfície coberto do jornal do dia... E nada envelhece mais depressa do que o jornal do dia... Aqui à volta daquele corpo com os braços no ar, não propriamente abertos como os de Jesus Cristo na cruz, mas a aproximação possível, como quem põe as mãos no ar quando está a ser assaltado ou a ser preso...
E desta vez, bem a propósito, escolhi, para dançar, uma canção que fiz com o Paulo Furtado: “I took the nails from my hands, so I can start dancing”.
Dedico esta performance ao Armando, claro. Infelizmente já não está entre nós, mas tenho a certeza de que não acharia nada mal eu fazer esta performance assim.


IC: Quando surgiu a música nas tuas performances?

AO: Comecei a cantar no Museu Soares dos Reis, numa performance que fiz numa exposição que o João Dixo organizou para o lançamento de um perfume, o perfume Salvador Dali. A exposição chamava-se “Um Certo Perfume Surrealista”. Na exposição, eu apresentei uma tela que chamei “Perfume Assassino”, e na inauguração cantei. Levei gravada uma canção, que fiz juntamente com o José Ferrão e onde participava o Pedro Oliveira, meu galerista na altura.


IC: É a partir desta altura que começas a cantar e decides iniciar um projecto profissional de música, a banda Repórter Estrábico, onde eras o vocalista. Como foi esta experiência? Quando tempo durou?

AO: Depois da performance que fiz no Museu Soares dos Reis, o José Ferrão perguntou-me se eu queria fazer mais canções, e nesse contexto criámos este grupo. Surgiu o nome Repórter Estrábico, de que gostei muito. A ideia surgiu ao pensarmos o que poderia ser um Repórter Estrábico. Seria alguém que está sempre a ver duas coisas ao mesmo tempo, o que em algumas situações pode ser muito mais interessante do que estar focado numa só coisa.
Éramos dois a escrever as letras, eu e o Luciano Barbosa, ele tinha um grupo chamado Volúpia Mundana, que acabou por terminar e ser assimilado pelos Repórter Estrábico.
Interessava-me entender aqueles concertos como performances. Acabava por levar muitas vezes músicas dos Repórter Estrábico para festivais de arte.
Saí do grupo em 1991, quando ainda estávamos a promover o nosso primeiro disco. Naquela altura tínhamos 5 anos, e havia uma grande curiosidade sobre nós.
Eu saí exactamente no pico do sucesso dos Repórter Estrábico. O grupo vivia de várias ideias e da possibilidade de tomar decisões improváveis, mas percebi claramente que tinha pouco espaço para fazer coisas e isso levou-me a preferir sair.


IC: Após este período continuas outros projectos de música. O que ficou do Repórter Estrábico nos projectos de música que fizeste após abandonar este projecto?

AO: Saí dos Repórter Estrábico em 1991, mas rapidamente comecei a gravar outras canções e iniciei a minha parceria com o João Taborda, músico com quem trabalho até hoje.
Por exemplo, muitos dos meus vídeos parecem videoclips, e essa confusão parece-me bem. A canções que fiz depois de sair da banda, fiz com mais autonomia.
Aprendi muito com o humor sarcástico e displicente do grupo. O grupo tinha um tipo de humor de quem não tinha deslumbramentos, de quem não cedia. Essa forma elegante do humor fascinava-me. O conhecimento deles de música não tinha nada a ver com o que era mais celebrado. Muitas vezes até trabalhávamos numa certa ideia de música de série B. Eu não sabia nada de música quando comecei na banda e achava fantástico aprender com eles.


IC: Recentemente apresentaste no teatro Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, um concerto do teu último álbum chamado “Anywhere Else”, onde colaboraste com mais dez outros artistas. O processo de trabalho para a construção deste concerto é diferente do processo de trabalho para a construção de uma performance?

AO: É um concerto-performance, podemos chamar-lhe assim. Para este concerto, trabalhei com muita gente. É algo que me deu um gozo enorme fazer e é das melhores coisas em que já participei, porque não fiz sozinho, fiz com muita gente. Fizemos este trabalho sempre à distância, mas não por causa do confinamento, porque começámos antes. A única música que não gravei à distância foi uma música que gravei com o Paulo Furtado, em 2003.
Neste concerto colaboro com o Richard Strange, Victor Torpedo, Vitor Rua, Frederico Nunes, Anselmo Canha, Paulo Furtado, José Valente, Érika Machado, Silvestre Correia, Susana Chiocca, Luís Figueiredo, Ana Deus, Haarvöl, Pedro Tudela, e ainda com o Miguel Carvalhais. Também, em alguns momentos, canto comigo próprio. Uso a voz do original e canto por cima. Estou quase o tempo todo sozinho em palco (com a excepção do Vitor Torpedo e da Érika Machado, ao vivo em duas canções), com vídeos para todas as canções. Este processo de trabalho é muito semelhante aos meus outros processos.


IC: Para a exposição “Crying My Brains Out” fizeste uma música chamada “My Own Moon”, e gravaste o videoclip na sala do Exame Privado, na Universidade de Coimbra. Neste videoclip usas um traje talar, os teus óculos, e interages com as pinturas desta sala. Neste trabalho, estás de alguma forma a propor um diálogo entre ao teu trabalho na academia e o teu trabalho como artista?

AO: Um artista pode só fazer arte e não fazer mais nada, mas quando um artista faz outras coisas, essas coisas contaminam o trabalho. É bom termos uma vida doméstica e com outros trabalhos, porque a experiência estética não acontece só na obra de arte, mas em muitas outras situações que vivemos.
Quanto ao vídeo, ali não estava a ser iconoclasta, nem estava a provocar a universidade. A ideia de alguém pensar que este trabalho tinha essa intenção também não me desagrada, mas não era de todo essa a minha ideia. Fiz este vídeo para a exposição que inaugurei na Filomena Soares “Crying My Brains Out”. Ao mesmo tempo que eu estava a preparar essa exposição para a galeria Filomena Soares, estava a preparar com o Miguel Wandschneider uma exposição antológica na Culturgest chamada “Brrrrain”. A exposição na Filomena Soares inaugurou ainda durante a exposição na Culturgest.
Nesse contexto, a ideia de Universidade pareceu-me que fazia sentido. “Brrrain” é uma forma idiota de dizer cérebro, e “Crying My Brains Out”, significa “chorar o cérebro”, quase como se “vomitássemos o cérebro pelos olhos”, colocando a ideia de sentimento e pensamento no mesmo plano. Destas ideias disparatadas, no sentido de dispararem em vários sentidos, nasceu a ideia de ir até um dos “corações” da Universidade de Coimbra, a Sala do Exame Privado. Nesta sala estão retratos dos reitores da Universidade de Coimbra desde o século XVI. As paredes estão cobertas de gente, de retratos. O traje talar que tenho vestido neste vídeo é uma evolução dos trajes que vemos pintados nessa sala. A minha ideia foi colocar uma lua em cada um dos retratos no vídeo para sugerir que estas figuras estivessem vivas, como vampiros. Eu não queria dizer que os reitores da Universidade eram todos vampiros, mas isso tornava-os vivos e mais presentes. Havia sempre a possibilidade de eles aparecerem… A música é feita com o João Taborda.


IC: Como foi o processo de pedir autorização para filmar dentro da Sala do Exame Privado?

AO: Naturalmente causou alguma perplexidade na Universidade quando pedi para filmar nesta sala, sobretudo por estar a dançar e vestido com o traje talar. Pedi autorização directamente ao reitor para filmar nesta sala. Queria de facto levar isto a sério. Não queria de forma alguma que aquilo fosse algo clandestino. A perplexidade que o vídeo causou não foi a coisa mais interessante que aconteceu. Felizmente, muito rapidamente foi apreciado e isto levou a que o Fernando Seabra Santos, então reitor, me viesse a pedir para fazer o retrato dele.


IC: Num primeiro olhar, a tua obra pode parecer um pouco irónica. Vês ironia e humor no teu trabalho?

AO: De certa forma, ter um trabalho lúdico interessa-me. Interessa-me o aparente equívoco, de parecer que uma obra tem menos fundamento, menos estrutura, menos peso, menos densidade. A complexidade das coisas leva-me a fazer este jogo que as pessoas tomam por lúdico. E que é. É um ingrediente que torna mais fácil fazê-las. O parecer um gesto quase infantil, ou um gesto pouco elaborado ajuda na recepção da obra.
Essa possibilidade de as pessoas não terem que pensar mais sobre uma obra porque já a receberam como irónica, não é necessariamente mau, porque de facto permite que as pessoas estejam a ver todas as coisas ao mesmo tempo, sem terem a obrigação de parar em qualquer delas...
De facto, tudo aquilo que permite que uma relação entre outra coisa e outra provoque desvios, acaba por ser mais eloquente do que se isso não acontecer.
Os artistas têm este privilégio de não ter que dizer o que as coisas são e de não ter que mostrar que entendem o mundo.
Não me importo muito que associem o humor ao meu trabalho, porque ele está lá, mas importo-me quando a mera associação ao humor resolve logo a coisa e se fica por aí. O que as pessoas muitas vezes reconhecem como humor é o que pode ajudar a estar além, não aquém...


IC: Numa entrevista dizes que o corpo do performer representa a ideia de pessoa. E que uma vez no espaço, somos actores e autores ao mesmo tempo naquele momento. Existe uma personagem nas tuas performances?

AO: A performance foi-me apresentada como uma forma de arte onde somos autores e actores ao mesmo tempo. Não trabalho exactamente uma personagem, no sentido de uma personagem definida, mas sim uma pessoa que faz de pessoa, que trabalha a partir da ideia de pessoa genericamente. Uso a forma como me apresento na sociedade, o meu sexo, a minha altura, o meu aspecto, a minha condição, aquilo que as pessoas vêem em mim. Mas uso isso num jogo que dilui a minha identidade. Até porque se há uma coisa que desconheço em absoluto é a minha identidade. Talvez seja demasiado próxima para eu a conhecer. E a identidade não é fixa.


IC: Existe muitas vezes para quem interpreta a necessidade de escolher entre interpretar uma personagem que é corporalmente distante do performer, ou interpretar uma personagem com base nas maiores potencialidades comunicativas do corpo daquele que interpreta, uma espécie de alter ego. Optas por alguma destas opções quando performas?

AO: Depende, é sempre da mesma maneira e sempre de maneiras diferentes. Mesmo que esteja só a jogar com a imagem que os outros têm de mim, é difícil distanciar-me de mim próprio. Às vezes penso que tenho uma baixíssima auto-estima, mas que coincide com uma altíssima consideração que tenho de mim próprio. Isso talvez me leve a não saber se estou a fazer uma personagem ou se estou a fazer de mim. Se me estranho, acho que eu sou uma personagem que estou a interpretar.


IC: Quando planeias uma performance, costumas desenhá-la e prepará-la antes de chegares ao espaço?

AO: Nunca desenho uma coreografia em detalhe. Eu penso numa situação e em vários gestos. Tento tornar fácil uma situação que pode ser complicada. Se dançar, por exemplo, prefiro sentir a música nos poros e ter gestos fluidos, um a seguir ao outro, para aquilo ficar convincente e não parecer que estou a representar. Gosto de passar a sensação de que não há um guião e que está tudo a acontecer naquele momento.
Normalmente não preciso de muitos dados, não me preocupo muito em visitar o espaço. Tento o mais possível ser auto-suficiente. Não gosto muito de parecer que me esforcei muito para uma coisa que afinal não teve muita graça.
Mas gosto de prever as coisas. Gosto de usar as coisas como elas são. O lugar pode ser muito importante, mas também é importante às vezes parecer que o que estou a fazer é algo intruso. Uma vez no palco ou no espaço vou usar o que está disponível.
Tento deixar o menos possível para os outros. De facto, a minha experiência foi construída em festivais de performance em que cada um se desenrascava. No fundo, andávamos quase sempre com a performance às costas.


IC: Na performance “Lunch Break” de alguma forma parece que materializas em performance aquilo que pintaste. A pintura e a performance são exactamente a mesma coisa?

AO: Como o tema era o trabalho, na exposição Trabalho Capital que o Paulo Mendes organizou a partir da coleção Norlinda e José Lima (em São João da Madeira) achei engraçado enfatizar o intervalo, e trabalhar aquele momento em que a pausa está quase a começar, chamei a duas telas “5 Minutes To Lunch Break” sendo a performance o próprio “Lunch Break”. As pinturas fazem parte da performance, mas podiam existir sem a performance. As pinturas já tinham um lado performativo, então eu quis acrescentar mais um elemento, e fiz uma performance na inauguração.
Na performance uso uma música encontrada pelo Luciano Barbosa, de um filme de série B dos anos 70. A música é do Lex Baxter. Na acção, tiro as luvas de trabalho e faço uma coreografia com as mãos, não propriamente com a graciosidade erótica da Rita Wayhorth no filme “Gilda”, de Charles Vidor...


IC: Nas tuas performances costumas fazer colaborações com outros artistas? Vi apenas uma colaboração no Simpósio da Performance Arte Portuguesa, organizada pela FCSH, em que fizeste uma colaboração com a Vânia Rovisco e com o Manoel Barbosa. Além dos músicos com quem trabalhas, tens colaborado com outros performers?

AO: Além de vários artistas com quem colaboro na música, o meu colega recorrente de performance é o Paulo Mendes. Normalmente, temos de ter um ponto de partida comum em que cada um tem uma acção. É um diálogo, que são dois monólogos ao mesmo tempo, que entram em jogo em várias situações. Já apresentámos várias performances em conjunto, por exemplo, nas Festas da Cidade de Lisboa, no Teatro de S. João, também em Serralves, num dos aniversários, e mais recentemente na Cooperativa Árvore no Porto num ciclo de performances organizado pelo Albuquerque Mendes.


IC: Vocês ensaiam?

AO: Não ensaiamos, nós combinamos. Até podíamos ensaiar, mas sabemos o que vamos fazer e confiamos que vai dar certo. Testamos o som, a luz, e combinamos o mais possível para correr bem.
Eu não gosto muito de ensaiar tudo, para não repetir. E do que não ensaio não fixo os movimentos, e simplesmente invento coisas novas ao fazer, dentro da estrutura pensada. O que é muito importante é nós estarmos seguros do ponto de partida, da estrutura da coisa, do jogo conceptual. Se a mão vai mais para a esquerda ou para a direita, não interessa tanto.
Na última performance que fizemos, pensei num menu de gestos que podem acontecer. E vou recorrendo a ele não por uma ordem, mas por uma ordem aleatória que funciona à medida que vou sentindo o que está a acontecer.


IC: Sei que tens uma relação interessante com vestígios de alguns actos performativos que fizeste. Por exemplo, a série de fotografias que tens com um aspirador chamado “Cleaning Up The Vacuum”, tornaram-se mais tarde vestígios de uma performance. A performance pode informar os vestígios. Os vestígios também podem informar a performance?

AO: Inicialmente não eram uma performance, embora tivessem um lado performático. Anos mais tarde, ao colocar no site, dei-lhes um nome, e passaram a ser uma performance. Há quem pense que havia uma performance que tinha aquele nome, mas a verdade é que foi um momento em que fiz fotografias, a que mais tarde chamei performance.
De alguma maneira, inventei a possibilidade de ter acontecido esta performance. Para mim é uma performance que se constrói décadas depois, embora na altura já tivesse acontecido um pouco como tal. Só é accionada como performance a partir do momento em que eu a mostro como performance.
Nunca repeti esta performance, ficou feita naquele momento das fotografias.
Nos últimos anos tem-se dado atenção ao problema da preservação da performance, mas parece-me mais interessante a ideia de que uma performance possa antes ser reconstruída na nossa percepção com os indícios que há dela. Eu vivi performances que vi, e vivi performances que não vi, através dos indícios e vestígios deixados.


IC: Numa das tuas entrevistas encontrei a frase “O que é objectivo é o que não foi filtrado pela minha subjectividade.” Podes falar-nos um bocadinho desta ideia?

AO: É muito comum associar-se a subjectividade ao artista, no sentido de ser ambíguo, indefinido, difícil de agarrar. Disse essa frase porque achei que seria interessante contrariar um bocadinho essa expectativa da arte tão associada à subjectividade e por isso dizer que a subjectividade até filtra o objectivo, até simplifica.
Gosto de pensar que tudo aquilo que eu não vejo que existe é ambiguidade pura. E que a arte é uma porta para a ambiguidade pura. A arte é uma porta para essa consciência de que não estamos a ver tudo, e por isso é que pomos em jogo.
A inteligência do artista leva-o a perceber que pode combinar coisas para aceder a coisas que não acede no seu ponto de partida. Isto não é abrir o caminho para o arbitrário, porque ao mesmo tempo tem a sensação de estar a perceber um todo e uma unidade. Por isso é que a palavra composição é tão fantástica.
O mundo objectivo é aquele que existe para além da nossa percepção. Através da nossa subjectividade nós escolhemos ver uma parte. É um filtro para ver o que é objectivo. Mas a forma como usamos a nossa subjectividade para filtrar o mundo objectivo, pelo jogo, pode ser um instrumento para ultrapassar a condição de olhar subjectivo. Independentemente de eu ver, ou saber, já lá está tudo.

 

 

 

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Isabel Costa
É atriz e encenadora. Trabalha em teatro, cinema e na área de produção de exposições e curadoria. É diplomada em teatro pela Escola Superior de Teatro e Cinema, tendo completado a sua formação na Universidade de Warwick (Inglaterra) e na UNIRIO (Brasil). Colabora com o grupo de teatro Os Possessos desde 2014. Na área de produção de exposições trabalhou no Paço Imperial (Brasil) e na Galeria Luis Serpa Projectos (Lisboa). Em 2016 termina o mestrado Erasmus Mundus Crossways in Cultural Narratives, tendo-se dedicado ao tema da performance arte. Em 2017 inicia a apresentação de projectos a solo, com a performance “Estufa-Fria-A Caminho de uma Nova Esfera de Relações” na Bienal de Jovens Criadores, e a primeira edição do Projeto Manifesta, um projecto produzido por Os Possessos. Em 2019 apresenta o espectáculo “Maratona de Manifestos” e a performance “Salão Para o Século XXI.”