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ENTREVISTA


Sala de Leitura da Kunsthalle Lissabon.


Sala de Leitura da Kunsthalle Lissabon.


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André Romão, O Inverno do (nosso) descontentamento, 2010. Exposição na KL, de 07.01 – 14.02.2010. Fotografia: Bruno Lopes.


Carla Filipe, É um espaço estranho e maravilhoso, o ar é seco, quente e insípido - Precarious, escape, fascination, 2010. Exposição na KL, de 04.03 – 10.04.2010. Fotografia: Pedro Magalhães.


Stefan Brüggemann, SHOW TITLES (AUDIO) , 2010. Exposição na KL, de 30.04 – 06.06.2010.


Pilvi Takala, The messengers, 2008. Exposição Flip side na KL, de 26.05 – 02.07.2011. Fotografia: Bruno Lopes.


Pedro Barateiro, Hoje estamos de olhos fechados, 2010. Exposição na KL, de 17.09 – 30.10.2010.


Mounira Al Solh, The Sea is a Stereo. Exposição na KL, de 03.12.2010 – 22.01.2011.


Wilfredo Prieto, Paisagem com a queda de Ícaro, 2011. Exposição na KL, de 10.02 – 19.03.2011.


Ahmet Öğüt, Stones to throw, 2011. Exposição na KL, de 01.04 – 14.05.2011. Fotografia: Bruno Lopes.

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LUÍS SILVA - KUNSTHALLE LISSABON


A Kunsthalle Lissabon define-se como uma instituição simultaneamente mainstream e alternativa. Desenvolve uma actividade curatorial e propõe-se expandir a percepção do que pode constituir uma instituição. Já realizou doze exposições individuais com artistas nacionais e internacionais e acaba de abrir uma Sala de Leitura, um espaço polivalente e experimental que representa o desejo de documentar a actividade que desenvolve com os artistas que a ela ficaram ligados e congregar referências editoriais, teóricas e discursivas, associadas a potenciais modelos alternativos de acção institucional. A auto-reflexividade no campo da prática artística e curatorial parece ser o seu constante desafio.

Luís Silva, é com João Mourão, um dos responsáveis pela criação da Kunsthalle Lissabon, em 2009.


Por Sandra Vieira Jürgens
Lisboa, 27 de Maio de 2011




P: Para começar, gostaria que me falasses do novo projecto da Kunsthalle Lissabon que é a Sala de Leitura, um espaço que arquiva e disponibiliza materiais publicados relativos à actividade da KL e ao campo expandido da prática artística e curatorial.

R: Falar deste espaço, da Sala de Leitura, da ideia que está na sua génese, implica falar da Kunsthalle Lissabon e do seu projecto. Quando criámos a Kunsthalle, constituindo um exercício sobre a prática curatorial e sobre a prática expositiva, sentimos que fazia falta um complemento mais discursivo, que de alguma forma nos permitisse apresentar o material que estava na base da nossa prática enquanto curadores. A teoria, a academia, as perspectivas que de alguma forma influenciavam a maneira como estávamos a desenvolver a nossa actividade.

Por outro lado, quisemos arquivar e disponibilizar publicamente todo o material relativo à Kunsthalle Lissabon. A Kunsthalle existe há dois anos — fizemos doze exposições e há documentação visual relacionada com a sua actividade — e quisemos começar a fazer a historiografia, o arquivo e a documentação da nossa própria prática à medida que ela vai acontecendo. O objectivo é a compreensão e o entendimento da prática curatorial, qual o seu lugar, e como é que se pode apresentar a nossa própria actividade expositiva a alguém que não teve acesso a ela.

Estes são os dois pólos que estão na génese da criação da Sala de Leitura. Por um lado, a tentativa de disponibilizar material sobre a programação realizada, e refiro-me não apenas à documentação sobre o trabalho que os artistas mostraram na Kunsthalle, mas também toda e qualquer documentação sobre a sua prática. Por exemplo, se alguém quiser conhecer melhor o trabalho da Pilvi Takala, que é a artista que agora expõe, temos aqui uma boa mostra do que se publicou sobre o trabalho dela, seja catálogos individuais, seja catálogos de exposições colectivas, livros de artista, revistas e publicações periódicas onde o seu trabalho possa ter sido objecto de crítica ou de algum artigo de fundo. Portanto, a ideia desta Reading Room, irradia sempre de um foco, que é o entendimento da nossa actividade curatorial enquanto Kunsthalle Lissabon. E a partir daí ramifica-se. Assim, nas estantes da Sala de Leitura disponibilizamos esse material para quem quiser consultar e também outro material que enforma a nossa prática, que até pode não estar directamente ligado a ela mas que achamos que é importante ter. Podemos encontrar os catálogos das individuais e das colectivas dos artistas como quem já trabalhámos, uma secção de teoria com os livros que de alguma forma marcam o nosso pensamento e a nossa prática e publicações periódicas que, na sua larga maioria, à excepção da Artforum e da Frieze, não se encontram disponíveis para consulta pública em mais lado nenhum.

Para além disso, é um espaço polivalente. É uma sala de leitura que as pessoas poderão visitar para consultar os livros e para participar num programa de conversas, de screenings, que constituirá uma programação menos ancorada nas exposições que realizamos. Temos uma área que nos permite receber uma audiência média e também trabalhar outras formas de lidar com a prática artística contemporânea que não o formato de exposição.


P: O vosso entendimento da prática curatorial está voltado para um outro tipo de produção de conhecimento. Sentem que esta necessidade de disponibilizar este material é, de alguma forma, uma resposta à falta de contexto para o entendimento e reflexão sobre as práticas curatoriais em Portugal? Sentem que isso pode ajudar a colmatar um vazio?

R: A ideia é essa. Nós temos um entendimento da prática curatorial e do pensamento curatorial um pouco diferente da maioria das pessoas e acreditamos que este se pode constituir como um campo do conhecimento, uma disciplina em si própria. Daí também que a nossa selecção de livros esteja muito voltada para a prática e para o discurso curatorial, para a historiografia da actividade expositiva. Há um conjunto de ideias, de conceitos e de ferramentas ligados à curadoria e à actividade expositiva que nos interessa, são imprescindíveis na nossa prática diária e queremos que as pessoas também possam ter acesso a eles.

De alguma forma, a Kunsthalle sempre se pautou por esta ideia de generosidade e de hospitalidade extrema, de dar tudo o que conseguimos dar às pessoas, fazendo com que venham ao espaço e a Sala de Leitura também parte dessa ideia. Se nós temos acesso a um conjunto de materiais queremos disponibilizá-los para poderem ser consultados.

Neste caso muito concreto, o foco da Sala de Leitura está muito ancorado nessa dimensão da prática curatorial, das ferramentas e dos discursos e ideologias associados a esse exercício e também no que o próprio exercício da Kunsthalle implica sobre o pensamento institucional. O que é uma instituição? Quais são as funções da instituição?


P: Como vês hoje a situação da prática curatorial? A curadoria teve grande visibilidade na última década, assistimos à formação de cursos académicos, à sua profissionalização, mas hoje está a ser cada vez mais questionada sobretudo devido a certos modelos e lugares comuns do discurso curatorial. Por outro lado existe uma prática curatorial expandida, baseada nos valores desta sociedade do conhecimento, no estabelecimento de redes e debates de ideais. Qual é a vossa perspectiva em relação à transformação da prática curatorial?

R: Essa questão é muito interessante e, mais uma vez, acho que a prática enquanto Kunsthalle é a nossa resposta ao que achamos ser localmente a prática curatorial. O que me parece é que apesar de ter havido esse boom na formação — que permitiu a profissionalização do campo e de alguma forma o acesso de mais pessoas à prática e às ferramentas da disciplina — continua a existir uma grande ausência de auto-reflexão e criticalidade sobre a própria prática. Quero dizer com isto que há quase uma certa ingenuidade no seu entendimento, ao ponto de as ferramentas do display e o próprio display não serem reconhecidos como um sistema ideológico que faz e opera de determinada maneira, que estabelece uma forma muito específica das pessoas se relacionarem com a arte e da arte se relacionar com o mundo em geral, da arte se relacionar com os protocolos da exposição e da instituição e dos mecanismos que funcionam no sistema. A prática curatorial também implica essa reflexão, não se reduz apenas às narrativas inerentes às exposições e às obras, também diz respeito às condições de produção, às condições de visibilidade e às condições de acesso às exposições e às narrativas. Penso que isso não é tido em consideração, de alguma forma é ignorado ou marginalizado em prol do exercício — uma exposição é um conjunto de obras de arte! Nós achamos que não é assim, uma exposição é muito mais do que um conjunto reunido de obras de arte. A Kunsthalle é esse exercício do ponto de vista da prática curatorial e é também um exercício de um pensamento sobre o institucional, que já é outra dimensão mas que entronca no projecto.

Resumindo, acho que apesar da prática curatorial ter sido profissionalizada e ter sido democratizada, há uma falta de reflexividade nos seus próprios pressupostos ou na forma como ela é exercida localmente. De facto, a prática curatorial complexificou-se tanto nas últimas duas, três décadas, que já não é possível pensar em termos simplistas. Acredito que a exposição pode ser esta topografia para um pensamento crítico, é o local onde, para além do tema, de criar uma narrativa e reunir obras, se pode pensar um conjunto de relações. É possível problematizar, podem criar-se edifícios discursivos, mais ou menos teóricos, mais ou menos académicos, mais ou menos estéticos e complexificar essas relações, problematizá-las de modo a conseguir ter consciência sobre o que se está a fazer. Acho que a nossa actividade, o nosso projecto, passa muito por apresentar problemas, complexificar, até assumir que às vezes não temos respostas e que a tentativa e o erro podem ser ferramentas muito úteis para pensar e constituir uma visão, um ponto de vista sobre o mundo.


P: De que forma é que se essa prática crítica se reflectiu na criação do espaço Kunsthalle Lissabon?

R: O próprio nome — Kunsthalle — diz bastante. Dar um nome alemão a um espaço expositivo em Portugal é uma coisa que não faz sentido nenhum. Não temos nenhuma tradição germânica, não temos proximidade nenhuma com a língua alemã e no entanto a kunsthalle acaba por sinalizar uma tipologia muito específica e muito concreta de uma instituição — seria o nosso centro de arte. Um espaço que organiza exposições temporárias, individuais e colectivas, mas que não possui colecção. A kunsthalle, sinaliza internacionalmente esta tipologia de instituição, que é diferente do museu, que possui uma colecção — isto simplificando a relação e a dicotomia entre o museu e a kunsthalle. Mas é a instituição por excelência e nós quisemos trabalhar essa ideia.

A certa altura, enquanto estávamos no processo de pensar o projecto, no início de 2009, brincámos com isso e dizíamos que era o momento de Lisboa ter a sua primeira kunsthalle. Quisemos fazer esse exercício de chamar a uma coisa um nome e esse nome estar associado a um conceito para ver como resultava. Basicamente era a ideia de performar a instituição. Se nós dissermos repetidamente que alguma coisa é uma instituição, como é que vai funcionar? Será que ela vai ser realmente uma instituição? Será que as pessoas vão percepcioná-la como uma instituição? A ideia foi levar esse exercício ao extremo. A certa altura começamos a executar tudo à semelhança de uma instituição, isto apesar do orçamento não ser o mesmo, de não termos o staff de uma instituição, do espaço não ser um espaço típico de uma instituição... Mas existiu esta ideia de entre nós e para o público começarmos a comportarmo-nos como se a Kunsthalle Lissabon fosse uma instituição, de executarmos tudo de igual maneira, de habitarmos as condições de existência de uma instituição quase como um exercício de auto-reflexividade e de crítica. Não no sentido tradicional de crítica, de haver um objecto ao qual somos externos. Acreditamos que esse exercício, de quem se coloca em posição exterior ao objecto, acaba sempre por reificá-lo e por o legitimar. Quando se olha a partir de fora, estamos sempre a constituí-lo. Nós queríamos estar dentro dele e olhar a partir dele, queríamos problematizá-lo a partir da própria realização dessas acções. No outro dia, em conversa com a Pilvi Takala, explicava-lhe que isto era algo semelhante a esse programa da RTP, Último a Sair, que é um reality show sobre um reality show. Copia exactamente o Big Brother, mas nada é verdade, é tudo falso. Na Kunsthalle Lissabon acaba por haver esta ideia, de repetirmos ou fazermos tudo o que normalmente é feito numa instituição, mas com a consciência de que o estamos a fazer. Tratou-se de constituir uma instituição que é um embuste e que o facto de o assumir é já em si um embuste. Acreditamos que temos a nossa instituição, que trabalhamos nela e que há espaço para a pensar neste formato.

A instituição é um conceito, é uma construção social, e sendo assim não tem um valor em si. Existe apenas enquanto estrutura que é investida e que é habitada por uma comunidade. E se esta comunidade pode rever-se num modelo alternativo de instituição, achamos que o projecto faz sentido e que é um sucesso. Mas o oposto também nos interessa muito, se a qualquer momento ela desaparecer, não existe qualquer problema. Há quase sempre o sentimento de que as instituições são imutáveis — e não me refiro apenas às instituições artísticas, mas também a outras, à instituição escola, hospital — que vão existir para sempre. A nós interessa-nos pensar o oposto, ou seja se a Kunsthalle Lissabon desaparecer nós ficaremos tão contentes como se por exemplo ela se transformar num edifício gigantesco com 300 pessoas a trabalhar e com um orçamento de dois milhões de euros por ano. A Kunsthalle é um exercício e uma reflexão e, nesse sentido, não se define nem pelas paredes, nem pelas exposições que acontecem, ainda que elas sejam o foco principal da sua actividade. No nosso livro dizemos que, mais do que um ciclo, mais do que um edifício, mais do que um conjunto de projectos, a Kunsthalle Lissabon é um ponto de vista, e sendo um ponto de vista não está limitado por nada disso. O que lhe acontecer enquanto espaço físico acaba por ser acessório. Se ela desaparecer, provavelmente o ponto de vista mantém-se, e esse vai viver para sempre.


P: Que modelos ou referências vos interessou seguir?

R: Houve um conjunto de referências que foram importantes e que foram por nós trabalhadas ao ponto de se tornarem numa visão nossa, muito própria, dessas referências. Por exemplo, isso aconteceu com a prática do novo institucionalismo e da crítica institucional. Se me perguntares se a Kunsthalle é um exercício de crítica institucional teria muita dificuldade em assumi-lo dessa maneira. Houve uma grande investigação da nossa parte sobre a crítica institucional, sobre todas as suas vagas, e fizemos foi o exercício de agarrar, aqui e ali, certas questões que nos interessavam. O mesmo aconteceu com o novo institucionalismo, que existiu durante muito pouco tempo, uns dez anos, no contexto de um conjunto de instituições de média escala, europeias, sobretudo da Europa do Norte, no âmbito das quais se pensou quais eram as potencialidades e os pressupostos que deveriam enformar uma nova prática institucional, mas que acabaram por ser todas destruídas porque os poderes políticos não as encaravam como instituições.

Existiram essas referências da crítica institucional e do novo institucionalismo que usámos de um ponto de vista muto pessoal e também a lógica do DIY (Do-It-Yourself), que foi o resultado da nossa falta de orçamento e que também acabou por funcionar como um mecanismo de inversão das lógicas mais comerciais e mercantilistas associadas à prática artística contemporânea, de que nós sempre tentamos fugir, por estarem mais ligadas a uma cultura de entretenimento, do espectáculo, de comodificação da experiência estética. O DIY permite-nos de alguma forma curto circuitar essa tendência.

Da nossa parte houve também uma aposta muito grande na colaboração, não apenas como ferramenta mas como ideologia que marca uma relação de colaboração com os artistas. Não a entendemos como uma relação de co-autoria mas de discussão do projecto, de colaboração no sentido mais estrito da palavra. Se tivéssemos de balizar referências ou pontos de vista usados por nós na constituição da Kunsthalle Lissabon, diria que eles foram: de um ponto de vista mais formal, a crítica institucional; de um ponto de vista mais discursivo, o novo institucionalismo; de um ponto de vista mais ético, o DIY; de um ponto de vista mais estético, a colaboração. Há uma abordagem mais ética, há uma abordagem mais política, discursiva ou teórica e depois há uma abordagem estética, claro.


P: Em relação a práticas não institucionais que afinidades terão em relação por exemplo aos anos sessenta e setenta? Como é que vocês se situam?

R: Fazer genealogia, inserir-se num legado é muito complicado.


P: Mas como se situam perante essas práticas? Que análise fazem das distâncias e proximidades em relação a esse legado?

R: Acho que é contraditório, penso que estamos simultaneamente muito próximos e muito distantes desse tipo de exercícios que estás a falar. Estamos muito próximos a um nível muito concreto, quando se pensa em termos de um espaço onde acontecem coisas, a forma como essas exposições ocorrem e a maneira como nós entendemos o espaço em relação com uma comunidade e como acreditamos que o espaço tem que estar ancorado na comunidade. Penso que nisso estamos muito perto das experiências dos anos 60 e 70 nos Estados Unidos, em que existia e ideia de solidariedade e de generosidade e hospitalidade que também existem na Kunsthalle.

Há depois uma construção mais discursiva, mais auto-reflexiva que é o resultado da autonomização da prática curatorial e da profissionalização e da figura do comissário independente. A Kunsthalle é uma experiência que advém desta elevação da exposição enquanto um meio privilegiado de acesso à prática artística e isso já me parece bastante distinto do que encontramos naquele tipo de projectos dos anos 60 e 70. A Kunsthalle é um projecto criado e desenvolvido por dois curadores, existe essa vertente curatorial que não existia nesse tipo de projectos. A figura do curador não existia ainda na forma que existe actualmente e as instituições não eram como são hoje. Aí somos fundamentalmente diferentes desse tipo de projectos.


P: Mudou muita coisa em relação às instituições. Qual é a vossa posição em relação a esses movimentos chamados alternativos? De crítica clara ao institucional?

R: Essa questão é muito interessante porque está relacionada com a Crítica Institucional, e com a perspectiva do fora e do dentro. Para se falar em Crítica Institucional tem que se definir primeiro o que é a instituição. Só a partir daí é que se pode fazer a crítica. Creio que nos anos 60 e 70 a instituição era uma estrutura muito diferente do que é actualmente. Penso que hoje a instituição deixou de operar enquanto edifício e passou a operar enquanto ideologia e talvez não haja nada mais institucional do que um curador independente. Não há nada mais institucional do que o Hans-Ulrich Obrist, ele trabalha para a Serpentine, mas é ele a instituição. A instituição acaba por funcionar como um mapa mental, a instituição é a tua cabeça, a forma como tu pensas as ligações entre todos os elementos do sistema e desse ponto de vista é impossível estar fora da instituição. Já não há exterior e não havendo exterior, uma possível crítica já não pode funcionar como funcionava.


P: Essa foi a crítica que se fez nos anos 80.

R: Sim, por isso acho que não é possível manter uma posição externa ou exterior a esta forma de actuar e, nesse sentido, a Kunstahalle Lissabon é completamente mainstream e ao mesmo tempo completamente alternativa. Nós caminhamos sempre nesta linha de contradições, que são intencionais, são consequentes e são conscientes. É um contra-senso, já que não se pode ser uma coisa e o seu oposto ao mesmo tempo.


P: Ou podes...

R: Podes tentar ser e ao tentares tornar essa contradição operacional talvez possa existir aí a tal margem para reflexão ou para exercer uma possível crítica institucional se ainda fizer sentido.


P: É fácil transpor a teoria para a prática? É possível pôr em prática esses fundamentos e argumentos?

R: Pô-los em prática não é complicado nem acho que seja difícil. É uma questão de pensamento, de reflectir antes de fazer qualquer coisa, de encetar um exercício hipotético e antever todas as consequências dessa acção, ainda que possa escapar um possível cenário. O desenvolvimento desse tipo de actividade não é problemático, o que é mais problemático é depois a compreensão. Como é que isso é comunicado para o público, se é que te interessa transmitir isso para o público. E qual é o tipo de público que queremos que entenda este tipo de pressuposto. Por exemplo, o tipo de exercício que nós estamos a fazer com a Kunsthalle é um exercício que se dirige completamente ao meio artístico, está a problematizar as condições da instituição e não faz muito sentido que, por exemplo os turistas, estejam sensibilizados para este tipo de problemática. Portanto, quando entram na Kunsthalle, por muito que se explique e por muito que se faça o acompanhamento não há uma consciência do problema.

As exposições estão lá e funcionam de forma independente, não ilustrando o nosso ponto de vista, o edifício de auto-reflexão e de pensamento que construímos. A análise das condições e das consequências do acto é feita por nós e as exposições são feitas pelos artistas. Há esta disjunção que é altamente produtiva. Mas também pode ser potencialmente contraditória. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Este discurso que nós criámos sobre a Kunsthalle é um exercício que é curatorial e diz respeito aos pares ou à comunidade, por sua vez as exposições têm um potencial de interesse para muito mais gente.


P: Vocês mantém relações com outros espaços, com outras estruturas?

R: Essa é a parte mais complicada porque o estabelecimento desse tipo de parcerias internacionais implica um orçamento para viagens que nós infelizmente não temos. Temos projectos com quem partilhamos afinidades mas a relação não pode ser desenvolvida neste momento porque não temos recursos. Localmente, temos boa vizinhança com a Barber Shop, temos um entendimento comum do que é a prática curatorial e do que é um certo espírito de solidariedade e de generosidade, que também é partilhado com o espaço Uma Certa Falta de Coerência, do Porto. Há linhas invisíveis que nos unem a todos e que fazem como que nos entreajudemos. Mas em termos de parcerias e de desenvolvimento de projectos em conjunto ainda não aconteceu.


P: Como é que conseguem financiamento para as vossas actividades?

R: O fundraising ocupa-nos metade do tempo de trabalho. Na primeira metade do primeiro ano não tivemos apoios nenhuns, trabalhámos com o nosso dinheiro. Foi o início de actividade. Na segunda parte do ano já recebemos subsídios nos Apoios Pontuais da DGArtes. Este ano, e quando digo este ano refiro-me a Setembro 2009/2010, como os pontuais não abriram não tivemos nenhuma fonte de apoios públicos, apenas um apoio reduzidíssimo da Gulbenkian. Organizámos um leilão de beneficência no Natal, que nos permitiu ter dinheiro suficiente para desenvolver o programa tal como o tínhamos planeado. Quando expomos artistas internacionais fazemos pedidos às embaixadas em Lisboa e às estruturas públicas de apoio nos países de origem. Por exemplo, para realizar a exposição da Pilvi Takala, que é finlandesa, não tivemos apoio da embaixada mas encaminharam-nos para a o Instituto Ibero-Americano da Finlândia que é um instituto público que apoia as relações daquele país com a Península Ibérica e a América Latina. Obtivemos também um apoio da Frame - Finnish Fund for Art Exchange, a instituição finlandesa similar à Direcção-Geral das Artes. Sempre que expomos artistas internacionais torna-se mais fácil obter financiamento já que existem mais opções para conseguir apoios. Acaba por ser altamente irónico ser mais fácil conseguir dinheiro para trabalhar com artistas internacionais do que para realizar exposições com artistas portugueses.


P: Como perspectivam a questão da internacionalização?

R: A internacionalização é difícil e a qualidade do trabalho é o elemento menos importante. Tem de haver estruturas focadas na internacionalização e os artistas portugueses têm que ser suportados pelo sector público para conseguirem ter uma carreira internacional, tal como acontece com os holandeses. O ano passado estive na Holanda e percebi que têm uma máquina terrível a funcionar. Há apoios para os holandeses mas também para os artistas não holandeses que vivem na Holanda. Têm direito ao mesmo tratamento que os holandeses, são apoiados e assim circulam por todo o lado. Em Portugal é complicadíssimo. Há sempre iniciativas que se podem realizar a baixo custo e a Kunstahalle Lissabon faz isso através de parcerias. Elas permitem que algo aconteça mas era necessário existir uma política coordenada, concertada e com recursos para alcançar outro tipo de resultados. Acho muito difícil que isso possa acontecer porque o sistema não funciona articuladamente e não há visão, não há política. Sou muito céptico em relação a isso. É tudo feito num regime de auto-didactismo, a nível individual. Na Kunsthalle trabalhamos num paradigma que é o da extrema internacionalização, não acreditamos que faça sentido funcionar exclusivamente no âmbito local. Lá está outra vez o jogo das contradições, somos simultaneamente locais e internacionais. Acreditamos que só conseguimos ser internacionais se formos locais e só conseguimos ser locais se formos internacionais.
Os projectos individuais ou isolados não podem ser responsabilizados pela internacionalização de toda uma comunidade, tem que haver uma política concertada, como há para outras áreas. Cada um pode fazer um pouco mas não é o suficiente, tem que haver uma estratégia de internacionalização. O próprio entendimento da internacionalização é um pouco enviesado, é entendido pela via da exportação e isso não faz sentido, se as pessoas de fora não vierem ver a cena local também não se cria um conhecimento sobre o que se passa aqui. A internacionalização, mais do que significar uma linha recta, implica um apoio à mobilidade, nos dois sentidos. Se mais pessoas viessem ver o trabalho dos artistas, através de convites a internacionais que fizessem studio visits em Portugal, os artistas portugueses podiam participar em mais exposições internacionais e em bienais. Não há essa visão. Na Kunsthalle vamos começar a fazer isso, não é o nosso dever mas também nos interessa trazer um conjunto de curadores a Portugal, cuja prática seja semelhante à nossa e com quem tenhamos afinidades. Tivemos apoios pontuais e já depois do Verão vamos convidar algumas pessoas, que virão a Portugal para fazer uma conferência e ver o trabalho de artistas. Mas não é um esforço concertado nem uma política de visibilidade, é uma acção à nossa escala e acreditamos que conseguiremos fazer alguma coisa.


Kunsthalle Lissabon
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