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ENTREVISTA


Dori Nigro. Fotografia: Fabio Piccione.


Imagem de Dori Nigro em adolescente, do ĂĄlbum de famĂ­lia desgastada pela enchente.


Quadro Negro. Fotografia: José Caldeira.


Quadro Negro. Fotografia: José Caldeira.


Quadro Negro. Fotografia: José Caldeira.


Quadro Negro. Fotografia: José Caldeira.


Quadro Negro. Fotografia: José Caldeira.


Prov(oc)ação Pública. Fotografia: Emmanuel Grunstein.


Prov(oc)ação Pública. Fotografia: João Pádua.


Prov(oc)ação Pública. Fotografia: Lucas Reis.


Prov(oc)ação Pública. Fotografia: Jani Nummela.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Museu de Serralves.


PIN DOR AMA. Fotografia: Andre Delhaye.

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JOÃO RENDEIRO



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DORI NIGRO


21/01/2021 

 

 

Dori Nigro (Olinda, 1988) é um artista afro-brasileiro a viver no Porto. Apresenta-se como performer, arte educador, pedagogo e comunicador social, oriundo de uma família modesta e camponesa da zona da mata pernambucana e do trabalho terceirizado no litoral. Começa na sua nota biográfica a abertura aos seus interesses, à sua vontade de alargar as narrativas e denegrir - como nos explica - o conhecimento: teve acesso aos estudos por meio de programas sociais e cotas raciais.


Por Catarina Real

 

 

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CR: Gostava de começar a nossa conversa com a tua passagem pelo teatro amador comunitário, pelas possibilidades que isso te trouxe e o quão presente ainda está na tua prática.

DN: É engraçado que o menciones porque tenho estes dias andado a pensar sobre ele. Tenho pensando muito nesse processo - porque estamos num momento em que se valoriza muito o resultado final e pouco o processo. Esse processo e a percepção da sua importância e o meu adentrar nas artes foi através do teatro amador comunitário.
Só para contextualizar, eu venho de uma família modesta do Nordeste Brasileiro, de Pernambuco, mais precisamente de Olinda, que é litoral, onde cresci. A forma que nós encontrávamos de ter acesso a algo diferente era através desse teatro, proporcionado através de uma professora que pertencia à comunidade. A metodologia andava muito em torno da pedagogia do oprimido. Respondíamos aos incómodos e à vulnerabilidade que vivíamos através do teatro, através de experiências que não tínhamos na sala de aula.
Na minha escola não havia disciplina de artes e então, para nós que não tínhamos esse privilégio, o adentrar nas artes foi muito importante. No início, por ingenuidade, fiquei bastante incomodado com o teatro ser apenas processo, mas depois consegui perceber que esta era a parte mais valiosa... é que ensaiávamos as peças, mas nunca as encenávamos.
Uma peça, lembro-me, ficamos um ano a ensaiar e nunca a apresentámos. O mais interessante foi o processo, não o resultado. Em muitas alturas isso deveu-se às enchentes, a uma situação de calamidade e de má gestão pública, em que as águas não deixaram que a gente apresentasse a peça.
Uma das peças que ensaiámos, chamava-se “João de Barro”, um pássaro muito resistente que constrói casas com barro, e tinha essa coisa nómada, de acordo com o clima e as condições de vida. Era também uma metáfora para falarmos sobre essas enchentes que aconteciam na comunidade, em que as pessoas, tal como o João de Barro, tinham de construir uma outra casa e uma outra vida. Mas apenas hoje, com um outro olhar, consigo ter consciência destas coisas.
A partir dessa experiência comecei a pensar muito nesse processo, porque foi nessa experiência de teatro comunitário - que nem sequer tinha nome - que encontrámos forma de falar de opressão e da margem. Tudo partindo da linguagem teatral.
Uma outra coisa que eu acho muito interessante também é que éramos chamados de loucos. A nossa professora de teatro teve inclusive de sair da comunidade porque era perseguida, era fora da normalidade, falava com os animais... e aquilo para uma comunidade que não tem acesso a um olhar mais sensível sobre o mundo, que as artes possibilitam, era visto como fora da normalidade. Para mim, esse contacto com o teatro e com essa professora, foi muito rico, deu-me uma forma de ver mais alargada, e a possibilidade de reflectir sobre a condição de opressão que vivíamos nessa comunidade.


CR: Na sinopse de Quadro Negro, de 2019, dizes que - e cito-te - queres “denegrir a branca dormência colonial” - podes-me falar mais sobre essas vontades, e sobre todas estas palavras que soam a um manifesto?

DN: Fui convidado pelo Circolando para intervir num antigo quartel militar, agora desactivado, onde há uma marca colonial muito viva. Eu era o único negro deste grupo, dentro deste espaço, e fui colocado exactamente na sala de aula. Esse foi o espaço que me foi atribuído para performar. Denegrir é um termo utilizado por um filósofo brasileiro, o Renato Nogueira, que o uso no sentido de reparar o conhecimento que nos foi imposto em detrimento de outros conhecimentos. Diferente do que, por exemplo, a história da filosofia oficial aponta, há uma outra história filosófica anterior à greco-romana que é a história filosófica do Egipto, e isso é negado.
Pego muito no espaço da sala de aula para pensar e reparar as ausências de referências afro-ameríndias nos manuais escolares, desde a minha escola primária e básica, à escola onde estudei pedagogia. Enquanto aluno levei sempre com uma história europeia, muito fora da minha realidade, e de repente, quando vou estudar para ser professor apercebo-me que é pelo mesmo processo que são ensinados os que ensinam, nessa ausência de outras histórias. Dantes responsabilizava os professores por essa ausência, mas vejo agora que a questão é ainda mais profunda. É necessário denegrir os manuais e a política escolar.
Esse denegrir é trazer outras aprendizagens que foram negadas. Eu, enquanto corpo racializado naquele espaço, tive muito essa vontade de denegrir a sala de aula, de trazer as referências apagadas, esquecidas...


CR: O que leva a pedir-te para me falares sobre o racismo e as suas expressões, que pelas tuas palavras, está tão fortemente presente na academia, o lugar onde deveria primeiramente ser abolido.

DN: Aí puxa-se o gancho para outra performance “Prov(oc)ação Pública”, onde coloco o meu corpo à prova e o coloco também como espelho para a dormência de uma branquitude que não reconhece os seus privilégios. Essa é uma performance que nasce da minha presença na Universidade de Coimbra, onde era um dos poucos alunos negros.
Esta performance tem um cariz comunitário; utilizei testemunhos de outras pessoas negras de outras universidades, entre o Porto e Lisboa, com quem fui estabelecendo vínculos de amizade. Fui vendo que as palavras que são proferidas contra os nossos corpos são semelhantes, e fui-as elencando. Nessa performance essas frases e palavras-chave vão sendo projectadas no meu corpo negro, que se torna branco. O meu corpo é o quadro branco onde há esse reflexo, porque há também a questão de as pessoas não me verem como negro. Um olhar exterior que diz, que tenta impor uma identidade, que é completamente fora do que a que é.
No contexto da academia, e da apresentação dessa performance, há uma história muito interessante e exemplificativa; lembro-me que tive de provar para o segurança da universidade que era aluno. A performance fala desse racismo institucional e horas antes de a apresentar sou deparado com uma prova desse racismo. O segurança que olha para o meu corpo e o define como não pertencente àquela universidade. E não é à toa que aconteceu comigo, outras pessoas passaram e mais nenhuma teve de provar a sua pertença ali.
Há um problema de reparação muito forte para enfrentar. A performance tem esse incómodo, dessa história que continua reverberando nas nossas acções, e perante a qual a gente continua dormente, presos na nossa falta de acção.
Há um livro de uma amiga, a Raquel Lima, “Ingenuidade, Inocência, Ignorância”, um livro de poesia onde ela vai trabalhando muito com estas três palavras, e o quanto temos um pouco de cada uma dessas palavra em nós. E o não reconhecimento disso, de que os possuímos.
Dentro da academia vejo uma resistência muito forte a ver isso.


CR: E uma resistência à mudança?

DN: Sim, usando um termo do Brasil, quando falamos é tudo colocado neste “mimimi” e colocado dentro de um discurso de vitimização, como se o próprio discurso fosse um discurso não académico e demasiado pessoal, como se este problema fosse um problema nosso. E que é nosso (!), mas quando o confronto, quando entrevisto várias pessoas e o problema é o mesmo, é evidente o efeito sobre os muitos corpos. E historicamente sabemos bem qual o resultado do apagamento desses corpos violentados. E não só falando dos casos mais mediáticos, como o Bruno Candé, a Cláudia Simões ou o Giovani Rodrigues, mas de toda a esfera da violência.


CR: Aproveitando a tua referência a esses corpos violentados, pedia-te para nos dizeres; quem são as Serei/as ?

DN: As serei/as são muitas.
Esse é um projecto que nasce - eu digo em 2013, mas ele nasce muito antes disso e fica latente - de uma homenagem à minha avó materna e que me leva para uma proximidade com o Candomblé, do qual eu confesso que tinha medo. A gente fala da decolonização, mas é algo utópico, porque estamos sempre com a mente colonizada. Vamos tentando, mas há sempre aquela referência... Hoje ainda tenho medo do Candomblé, e questiono-me muito sobre isso, sobre esse medo. Esse discurso da religião do outro, da cultura do outro, é sempre colocado como algo negativo e a própria imposição católica diz-nos que ela é que é a religião certa, benéfica.
Essa serei/a é uma homenagem à minha avó materna, que vem de uma família modesta do interior de Pernambuco, uma camponesa que trabalhava na plantação da cana de açúcar, que já tem essa referência colonial e que era adepta do Candomblé, mas tinha um pé no catolicismo popular. Já levamos com essas misturas; enquanto era adepta da nossa Senhora da Conceição era também adepta de Iemanjá, sereia. E contava muitas histórias. Olinda tem o rio, em volta da cidade, e tem o mar muito próximo, então a minha avó trazia muito essa mitologia, de evocação, admiração e medo, das sereias.
Para esse projecto entrevistei muitas pessoas da família e tinha muitas histórias sobre o fazer dos despachos, das oferendas a essas deusas e entidades do Candomblé. E de dançar para essas deusas num terreiro que já não existe no Brasil, também em Olinda.
Eu pego nestas referências da minha avó, mas também numa outra referência minha, que era o contacto com o feminino. O meu pai trabalhava fora e eu ficava com a minha mãe, que tinha um salão de beleza, de estética, próximo de casa. Eu tinha muito contacto com a minha mãe e com as minhas primas nesse lugar. Vou-me apegando a essas memórias, de primeira infância, e depois de adolescência, e construo essa performance, que era primeiramente activada por mim, mas o que depois me interessa é o trabalho comunitário, de abrir essa performance para outros corpos.
Abri-a aqui em Portugal, para corpos que estavam no mesmo contexto que o meu, pessoas que viviam aqui no Porto e que tinham também essa relação com o apagamento. Como pessoas que nascem em Portugal, com uma ascendência africana, mas que têm as suas identidades negadas de ambos os lados, porque não são consideradas nem portuguesas, nem africanas. Vou-me aproximando dessas pessoas e construindo essa acção, dessas sereias que desfilam. Desfilam cada uma delas o seu incómodo. Eu tenho o meu, a minha questão, que vou resolvendo através da performance, mas quando eu abro a outras sereias, a outras existências, vou escutando outras histórias.
Eu activava a performance na rua, mas também em espaços fechados, galerias. Apresentei aqui em Portugal, no Brasil, e em Cabo Verde. A cada acção o envolvimento e as reacções eram diferentes. Só em 2019 é que ela foi aberta a outros corpos.


CR: Consegues perceber a performance como um agitador activo ao nível das questões sociais e políticas sobre as quais te vais debruçando?

DN: Sim. Se considerarmos a própria história da performance, ela nasce como uma linguagem agitadora. De reivindicação quanto a uma forma tradicional. A performance é essa plataforma que nos permite agitar, mas sermos também agitados, activados. Eu me apego a essa linguagem, e uso-a como uma pedagogia. A performance serve como mote para muitas questões, e eu vou usando-a para falar do meu lugar e identidade, como forma de questionar o outro, mas sobretudo a mim mesmo.
Há muito essa questão da arte política, e de se querer mudar o mundo... eu acho que quero mudar-me a mim mesmo primeiro, mudar a forma de me perceber e de me compreender a partir de todo esse apagamento, que o racismo me fez negar. Encontro na performance uma forma de afirmação e de questionamento.


CR: Aproveitando essa palavra, transversal à tua prática, que é a pedagogia, pergunto-te como é a tua relação com Paulo Pinto - com quem desenvolves grande parte do teu trabalho - e como se dá essa colectividade de pensamento?

DN: O Paulo é o meu companheiro, é um multi-artista, psicólogo, arte-terapeuta, arte-educador, performer, doutorado em Arte Educação pela Universidade do Porto. Nós conhecemo-nos em 2005, no contexto académico. O Paulo tem já uma ligação à performance desde os anos 90, desde o envolvimento com o teatro, com grupos de estudo ligados à africanidade, dentro do contexto da vivência dele, e a gente junta os fios em 2005, e começamos a construir performances que respondiam a esse incómodo, a esse assédio académico construído pela falta de referências africanas e indígenas dentro da universidade. Criámos um grupo de pesquisa que nasce muito em torno de um livro do Lévi-Strauss, “Raça e História”, e vamos fazendo as performances como um denegrir do currículo, dos manuais que nos formavam.
As performances nascem muito desse contexto, e a partir dele criámos o colectivo Tuia de Artifícios, em 2007, formado por mim, pelo Paulo, por José Jaqson e Nadia Gobar e começamos a apresentar performances fora do contexto académico. Queríamos pensar o conhecimento que nos impunham como uma forma de construção de poder. Se pensarmos nesse questionamento que a gente fazia, de trazer questões africanas para o contexto dos manuais da faculdade - a faculdade não tinha nenhum interesse em trabalhar com essas questões marginais - então éramos um grupo que usava a performance como manifesto, para gritar contra a dormência da faculdade, que não estava preocupada em ver e enxergar a realidade, e em mudá-la.
Era utópico, mas a performance tem também essa vertente, da utopia e do sonho.


CR: Continuam a trabalhar juntos?

DN: A nossa construção é muito híbrida. Temos a participação no colectivo Tuia de Artifícios, temos um trabalho em duo - onde o colectivo entra sempre com um apoio ao nível da produção - que é referente a um trabalho de um casal que trabalha essas questões da racialidade e das identidades dentro da performance. E trabalhamos também no Laboratório dos Sentidos, com relação com a nossa formação em arte educação e arte terapia, que já tem uma vertente maior de sensibilização através das linguagens das artes, em que trabalhamos com comunidades.
E mesmo no trabalho que desenvolvemos separadamente há um fio condutor de colaboração, porque mesmo quando eu faço um trabalho sozinho, todos eles estão presentes, ajudando de alguma forma.


CR: Vês alguma diferença entre esse trabalho do Laboratório dos Sentidos, mais ligado à arte educação e arte terapia, e o resto do trabalho que desenvolves?

DN: É interessante essa pergunta, porque a metodologia é muito misturada. Quando a gente faz um trabalho comunitário e depois vai fazer também uma performance, estamos utilizando os elementos um do outro. E às vezes fazemos mesmo o trabalho de abrir performances que a gente já fez para que outras pessoas activem, e tem esse contexto de actualização das performances a partir da realidade comunitária.
No fundo é uma metodologia do entulhar, porque Tuia vem desse entulho, dessa propagação, dessa desordem poética, que ao mesmo tempo leva a gente para uma série de questionamentos. Esse entulhar de acções, esse entulhar de pessoas, esse entulhar de sentimentos, é uma pedagogia muito híbrida, que não dá para separar, porque uma coisa atravessa a outra.
E que pouco interessa a autoria fixa, porque essa mistura, é um trabalho que parte de uma história de alguém, mas que no processo de ser activado há uma confluência muito forte, então não dá para pensar com rigidez essa autoria.


CR: Talvez possamos acabar por falar desta tua última apresentação “Pin Dor Ama”, no Museu de Serralves, em colaboração com Paulo Pinto. Podes introduzi-la à discussão?
E não posso deixar de te perguntar como é que vês a colaboração dos artistas com a Fundação de Serralves, neste momento.

DN: É uma pergunta muito interessante, e sobre a qual tenho reflectido. Eu participei das manifestações contra a precariedade dos arte educadores de Serralves, porque também sou arte educador, e porque também já me vi em situações semelhantes àquela em que se vêem os meus colegas neste momento. Infelizmente, essa precarização, é uma prática comum dentro da esfera dos museus.
O convite para essa performance aconteceu antes disso, embora tenha sido adiado devido à pandemia. Vemos como importante a nossa presença física nesse espaço, para a partir desse espaço construir uma crítica. Esta performance tem uma crítica muito forte à colonização. Se a gente pensa o museu, e a história da arte, o museu acaba por ser sempre um lugar de colonização. A história museográfica é construída a partir da exclusão. Então esta performance é uma crítica à instituição, dentro da instituição. É contraditório, mas é uma forma de causar ruídos, e acho que a performance tem essa função, de desestabilizar as coisas. A performance parte da colonização do Brasil - mas podemos também pensar de uma forma mais abrangente -; Pindorama é o primeiro nome do Brasil, nome dado pelos povos originários. Usámos esse nome mas separámos, como se a senha da dor fosse o amor, há essa relação. Dentro daquele espaço temos a construção da linguagem, escrita e apagada, e as acções aconteciam a partir de frases e de imagens que vamos trazendo da nossa história individual. Eu levei inclusive algumas dessas frases incómodas presentes nas manifestações dos arte educadores da Fundação de Serralves.
A nossa presença era importante para dentro daquele espaço afirmarmos que estávamos ali, mas conscientes do que está a acontecer, e que nem por isso nos vamos calar.
A performance é esse incómodo diante dessa questão; o museu que coloniza, o museu que escraviza, o museu que precariza. Pin Dor Ama é uma performance que agrega todo esse discurso, Serralves mas não só, a cidade, esses discursos coloniais que estão presentes e com os quais a gente age nessa dormência.
É uma performance que dura uma hora, então dividimos esse tempo em algumas elementos: a terra, o mar, o vento, o fogo e o quinto elemento que é o silêncio. Dentro desses elementos íamos trazendo referências desse apagamento, desse epistemicídio em relação aos povos originários. Tem esse momento que traz a terra, a referência indígena, através da cultura indígena e dos povos que ali estavam e que ainda hoje estão sendo expulsos das suas terras. De certa forma a reivindicação que esta performance faz, pensando nessa escravidão mais antiga e pensando nesse contexto de Serralves, é uma actualização desse trabalho escravo, mas agora com estas outras pessoas.
Depois tem o contexto do mar, essa questão das travessias que não o foram, que foram invasões e a gente vai resgatando essas formas de violências, de genocídio contra a comunidade negra no Brasil. Enquanto estamos aqui a conversar uma pessoa negra no Brasil está a ser morta, enquanto estamos aqui a falar uma pessoa trans está a ser morta, comunidades indígenas estão a ser retiradas das suas terras, então a gente quis mesmo que essa performance acontecesse, acreditamos que é importante que essa fala aconteça, que o museu seja desestabilizado.
A performance tem isso: ser um soco no estômago dentro desse espaço consagrado que é o museu, que dita o que é a arte, e que apropriou tudo, desde a performance que não entrava no museu, a todos os corpos que são também agora apropriados.
É importante que tenhamos consciência que a nossa forma de pensar está a ser apropriada para um museu, para um espaço que se diz decolonial, porque hoje está na moda dizê-lo, mas é importante ter dentro desse espaço, o lugar de fala.
Estamos conscientes que estamos a ser apropriados e dentro do lugar de fala que a gente encontrou no museu assumi-lo, porque ele é nosso.