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ENTREVISTA


Moacir dos Anjos


Cartaz da 29ª Bienal de São Paulo


Artur Barrio, “Des.Compressão”, 1973. Técnica variável. Fotografia: Registro Doris Mena.


Artur Barrio, “Des.Compressão”, 1973. Técnica variável. Fotografia: Registro Doris Mena.


Carlos Bunga, "Lamp", 2002. Vídeo Pal (cor e áudio). Duração: 1' 34" (Loop).


Carlos Bunga, "Lamp", 2002. Vídeo Pal (cor e áudio). Duração: 1' 34" (Loop).


Filipa César, “Memograma”, 2010. HD, 40’, cor, som. © Filipa César.


Maria Lusitano, “The War Correspondent” [Correspondente de guerra], 2010. HDV, cor, som. Colecção da artista. Fotografia: Maria Lusitano.


Pedro Barateiro, “Plateia”, 2008. Cortesia do artista e Galeria Pedro Cera, Lisboa. Fotografia: Pedro Tropa e Teresa Santos


Pedro Costa, “No quarto de Vanda” [In Vanda's Room], 2000. Filme 35 mm. Duração: 178 min.

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Yonamine, “Dipolo”, 2009. Da instalação “Os mestres e as criaturas novas (remixstyle)”. Instalação de parede, serigrafia sobre papel de jornal.Cristina Guerra Contemporary Art, Lisboa. Foto: Yonamine.

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MOACIR DOS ANJOS


Moacir dos Anjos é um dos curadores da 29ª Bienal de São Paulo. Em conversa com a ARTECAPITAL explica os fundamentos do evento; da ausência – ou talvez não – do trabalho de Lygia Clark; as relações entre arte e política e muitos outros pontos de interesse.
Moacir dos Anjos (n. 1963, Recife) foi director geral do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) no Recife, entre 2001 e 2006, e fez parte da equipa de coordenação curatorial do programa Itaú Cultural Artes Visuais, de 2001 a 2003. Também desenvolveu co-curadoria em 2007 na Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Foi curador da Bienal “Panorama da Arte Brasileira” que decorreu em 2007 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Entre vários projectos de curadoria realizados destacam-se também mostras individuais de Rosângela Rennó e Cildo Meireles ou ainda uma colectiva de Ernesto Neto e Rivane Neuenschwander. Publica regularmente artigos de teoria e história da arte e textos críticos sobre artistas em livros, catálogos e revistas. É autor da obra “Local/Global: Arte em Trânsito” (2005). Desde 1990 é investigador da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife.

Lisboa, 1 de Julho de 2010
Por Teresa Pearce de Azevedo



P: Porquê aquele verso de Jorge de Lima, “Há sempre um copo de mar para o homem navegar”, para mote desta edição da Bienal de São Paulo?

R: É quase um absurdo, mas a arte é justamente isso, é aquilo que faz caber um oceano num copo de mar, ou seja, dentro de tão pouco é capaz de inventar um espaço gigantesco. O mote da Bienal é uma metáfora sobre essa utopia. Apesar de todas as adversidades, a arte é capaz de nos fazer ver outras possibilidades na vida.


P: Relativamente à imagem escolhida/logótipo para representar esta Bienal, o que nos poderia adiantar sobre a sua simbologia? Qual a sua leitura?

R: Existe um vídeo [no Youtube] em que a equipe de design, coordenada por André Stolarski, explica a escolha da identidade visual da Bienal de uma maneira muito clara. Eu não teria competência para reproduzir as suas palavras, mas posso interpretar da seguinte maneira: a bússola artesanal era algo que se fazia muito nas escolas brasileiras. Neste caso, remete para uma experiência próxima a uma busca de orientação, a procura de um caminho. A bússola que nos orienta é também uma metáfora do que acreditamos que a arte seja: a capacidade de mudar o entendimento do mundo, de formar o caminho que fazemos na vida, com escolhas feitas por nós.


P: Daí advém que não se pode separar a arte da política?

R: Exactamente. Estamos menos interessados na arte que comenta a política e os conflitos e mais interessados na arte que, por ela mesma, pelo efeito que ela produz em nós, nos move e transforma. Todos já tivemos experiências dessas na vida: ouvir uma música, ver uma coreografia, ver um filme ou um quadro, pode marcar-nos de uma maneira irremediável porque algo muda e algo se quebra. É nesse sentido que a arte é política. É menos uma arte sobre política e mais a ideia de uma política da arte.


P: E a ideia/conceito de que a arte é um exercício experimental de liberdade?

R: A arte é justamente aquele campo onde se inventa o que ainda não está dado como adquirido. Onde se fala daquilo que é conhecido para afirmar ou para criticar mas, como dizia o Mário Pedrosa, a arte é um exercício experimental: “é o exercício de fazer aquilo que não foi feito, de inventar aquilo que não é dado”. Na Bienal de São Paulo há esse espaço de experimentação e há uma ideia muito forte que, para mim, exemplifica isso: como quando Jean-Luc Godard diz que “a cultura é o âmbito da regra, onde somos moldados a agir e a comportar-nos de determinada maneira, onde aprendemos como nos vestir, comportar, comer, participar, a como se relacionar com o outro”.
A arte é o campo da excepção, é o domínio que se contrapõe ao espaço da cultura, da regra. A arte é a excepção à regra, abre fissuras nas convenções culturais. Pela experimentação transforma aquilo que não cabia no campo da cultura e incorpora-o. Abrindo fissuras no campo fechado da cultura, amplia-o e transforma-o. A arte enquanto exercício experimental é a capacidade de fazer caber coisas no mundo que antes não cabiam, ampliando o que já existe e fazendo-nos ver coisas que não conseguíamos ver.


P: Foi importante para a Bienal de São Paulo “enfatizar o lugar e o tempo a partir dos quais ela é organizada, desde o Brasil e desde o momento de rápida reorganização geopolítica do mundo”?

R: Existem várias bienais no mundo e, cada vez mais, é importante, não só no caso da Bienal de São Paulo, que cada uma delas enfatize o lugar onde são organizadas. Fazer uma bienal no Brasil é diferente de a fazer em Itália, no Japão ou nos Estados Unidos e isso implica necessariamente reconhecer que, por um lado, o Brasil está a ocupar um lugar de maior protagonismo no mundo, com grande importância no espaço geopolítico de hoje, estando sempre a ser reorganizado em termos de importâncias relativas.
Uma forma de reflectir isso na Bienal é afirmar a radicalidade da arte feita no Brasil e em outros países da América Latina nas últimas décadas, mostrando que há nesses países uma certa experimentação que inclusivamente já impressionava muito o filósofo alemão Max Bense nos anos 60 referindo-se à arte brasileira. É importante enfatizar que a forma de entendimento da arte nestes países da América do Sul, desde os anos 60 e 70, pressuponha um tipo de compreensão do mundo: experimentação e criação, o que agora está a ser afirmado de um modo um pouco mais económico. O tipo de arte que era feito naquele momento, que ainda hoje é reconhecido como mais vital e importante – Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape – é um tipo de trabalho que muitas vezes nem comentava directamente questões da repressão. Era um trabalho de invenção de linguagem que mostrava outras possibilidades de presença física. Eram trabalhos radicais do ponto de vista da linguagem plástica e, fazer uma bienal que tem a presença dessa tradição experimental, é fundamental para uma bienal como a de São Paulo.


P: Como explica a ausência de obras de Lygia Clark?

R: Nem sequer vou falar da questão que é recorrente em muitas famílias: a ganância. Lygia Clark é uma artista que nos interessa muitíssimo, cuja obra exemplifica toda essa capacidade de experimentação e criação. Queríamos mostrar um trabalho da artista relativamente simples que é o “Caminhando”. Basta uma tesoura, um papel e cola para ele passar a existir. É mais um processo e um gesto, é quase uma ilustração do verso da Bienal. Aquele gesto pareceu tão grande para ela que, a partir daí, a sua obra mudou radicalmente. Por conta das imposições da família, um trabalho tão simples como esse já custava uns 30 mil euros. Também queriam o controle de quem escreveria sobre o trabalho e, no caso de o papel acabar, só eles é que o poderiam repor. Mas mesmo não estando a sua obra na Bienal, a sua presença não é menos forte. Retirar Lygia Clark por essas razões é honrar a sua obra. Em trabalhos como “Bichos”, o seu grande desejo era fazer a obra em papel e colocá-la disponível em bancas de revistas para que cada pessoa pudesse fazer o seu próprio bicho. Prescindir de Lygia Clark por esses motivos, não cedendo à ganância da família, é honrar a própria memória da artista. É a ausência mais presente da Bienal.


P: Sobre os artistas escolhidos, 161 de várias partes do mundo, não se teve em conta a origem territorial como valor de selecção. Quais foram os critérios?

R: Dentro dos limites do conhecimento da equipe curatorial, cada um conhece aquilo que a sua história permite conhecer. Eu sou brasileiro e acabo por não conhecer tão bem a arte indiana ou da Tailândia. Dada essa limitação de cada um dos membros da equipe curatorial, lançámos o nosso olhar, fizemos pesquisas e procurámos, independentemente de ser português, alemão ou nigeriano, escolher os artistas que mais nos interessavam. Os artistas que participarão na Bienal têm em comum o facto de terem trabalhos com essa dimensão política que estávamos à procura. São trabalhos que nos fazem ver o mundo de uma maneira diferente, mesmo quando não comentam conflitos. Alguns fazem-no e são experimentalistas, há outros que comentam conflitos e são absolutamente convencionais. E são os últimos que não nos interessam porque só fazem trabalho de propaganda. A nós interessem-nos trabalhos que dizem coisas que só podem ser ditas através da arte, os que reafirmam coisas já ditas de outra maneira não queremos, são dispensáveis.


P: Afirmou: “Não sou ingénuo ou arrogante para achar que vou inventar a roda. A Documenta 11, a última Bienal de Sydney e a 24ª e 27ª Bienais de São Paulo, são as mostras que tive em mente para elaborar o projecto”. Quer desenvolver essa ideia?

R: Todas essas mostras têm em comum o facto de levar a arte a sério, o que não quer dizer que sejam exposições sisudas. E levar a arte a sério é justamente levar em conta a capacidade da arte de ser mais do que um adendo ou um adereço da vida, pertencendo ao campo da cultura, ao campo do estabelecido. Levar a arte a sério é acreditar na capacidade transformadora da arte e foi a essas mostras que fui buscar esse entendimento. São exemplos de eventos que me formaram. E não me vejo como um curador profissional, permanente, em full-time. A minha formação é em Economia. Nunca procurei a curadoria, foi sempre um transbordamento de um processo de pesquisa. Estava a terminar um pós-doutoramento sobre essa relação entre arte e política em Inglaterra, na universidade TrAIN – Research Centre for Transnational Art, Identity, Nation –, quando fui convidado para organizar a Bienal, com o Agnaldo Farias. A única maneira coerente de fazer esta Bienal é torná-la num campo de experimentação de questões que estou a pesquisar há três, quatro anos, e que me interessam. A arte e a política são portanto temas que estava a investigar e apareceu a oportunidade de os colocar em análise. As bienais de que falámos tocaram-me por diferentes razões e ajudaram-me a formar as minhas próprias convicções do que é arte. Espero vir a honrar essa tradição.


P: Também disse:”O facto de que a arte não se pode traduzir completamente em outras formas de expressão é algo que me interessa e que influi na minha aproximação à curadoria”. Porquê?

R: Não estou fascinado com a curadoria. A arte interessa-me quando fala de algo que não pode ser dito de outra maneira, quando uma produção artística fala de um aspecto relevante que não pode ser dito de outra maneira. A curadoria justifica-se quando temos de falar de uma coisa que só pode ser dita através da própria exposição.


P: Sobre a missão a nível internacional desta bienal, o que me pode dizer? Quais as metas que pretende atingir?

R: A Bienal de São Paulo faz 60 anos e é a segunda mais antiga do mundo, depois da de Veneza. Qualquer pessoa que assuma a curadoria da Bienal de São Paulo tem que honrar essa história e saber que é uma instituição de uma certa importância, no Brasil e em todo o mundo. A Bienal foi importante ou mesmo essencial para o percurso de muitos artistas e, no Brasil, muitas gerações foram aqui formadas. Espectadores, artistas, curadores, educadores, tiveram na Bienal a sua escola.
O lugar da Bienal é muito ambíguo e não pode ser o do museu. Também não se pode confundir com aquela ansiedade pelo novo que é característica da feira de arte. O que aqui realmente nos interessa é explorar a arte experimental, que nos desorienta, que até nos faz ter incertezas sobre se aquilo é ou não arte. E nesse aspecto não nos interessa se o artista é jovem ou se é um veterano, se a obra foi feita hoje ou há sessenta anos atrás. A obra de sessenta anos atrás pode ser contemporânea na medida em que nos ajuda a entender o mundo de hoje. A Bienal não tem essa preocupação em termos de compromisso com os emergentes, queremos trazer aquilo que é importante para entender o mundo de hoje. O compromisso da Bienal não é com o objecto novo, esse é o da feira de arte.


P: E relativamente à presença brasileira na bienal?

R: Não haverá um gueto porque não haverá uma exposição da arte brasileira dentro da Bienal, ela estará totalmente entrelaçada e mesclada com artistas de outros países. Não houve essa preocupação de segmentar em termos de origem geográfica, nem geracional. Teremos artistas como Flávio de Carvalho e artistas com 26 anos de idade. A presença brasileira de artistas de várias gerações vai sugerir sub-repticiamente uma outra narrativa. Até agora no Brasil, na maior parte das análises críticas sobre a arte política do país, focaram a arte que comentava a Ditadura e as questões daquele momento de uma forma muito directa. Essas obras representavam pessoas a serem torturadas e lutas políticas, e isso é o que menos nos interessa. Fizemos questão de não colocar nenhum desses artistas. Interessa-nos mais Oiticica, Lygia Pape, Flávio de Carvalho, Cildo Meireles... Queremos tornar essa leitura da arte política no Brasil mais ambígua permitindo ver obras anteriores ao período da Ditadura. Numa exposição grande como a Bienal isso não vai ficar absolutamente claro para quem não tiver esse conhecimento, mas é mais uma sugestão, uma abertura, uma outra possibilidade de leitura que estamos a colocar na mesa. A Bienal é mais um lugar para lançar questões do que para buscar respostas.


P: Disse que “não queria criar uma exposição meramente contemplativa, e sim tentar recuperar o debate e celebrar o encontro entre a arte e a política”. A que se deve a ideia dos subtemas, ou terreiros, que surgem nesta edição da Bienal de São Paulo?

R: A ideia dos terreiros parte da reflexão de que uma bienal sobre arte e política não poderia ser somente contemplativa, teria que ter um certo grau de engajamento do espectador em relação às obras de arte. Na edição anterior havia um aspecto interessante: uma discussão muito focada sobre o próprio meio da arte e sobre as próprias bienais. Com esses terreiros queremos criar lugares da cultura brasileira que são a expressão do religioso e do samba. Pretende-se reforçar um pouco o lugar de onde a exposição é criada e pensada: o Brasil. Por outro lado, esses 30 mil metros quadrados de exposição num edifício, que é quase um grande percurso, precisam de um certo ritmo para não exaurir totalmente o visitante. Criámos seis terreiros que são espaços produzidos por arquitectos e por artistas que vão dar um certo ritmo a essa mostra. Em cada um desses terreiros vai haver uma programação de debates, performances, projecções de filmes, dança. É fundamentalmente criar um lugar onde se pode parar para descansar ou para assistir a algum evento e seguir adiante.



Fundação Bienal de São Paulo
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