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JOSÉ AMARAL LOPES


>Este mês publicamos uma entrevista com José Amaral Lopes, actual Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa. A questão central desta conversa com o ex-Secretário de Estado da Cultura Adjunto do ex-Ministro da Cultura, Pedro Roseta, foi a intervenção e a política cultural da CML. Quisemos saber quais são as prioridades e estratégias de investimento adoptadas pelo munícipio neste sector, especialmente no domínio da arte contemporânea. Foi abordada a situação presente dos equipamentos culturais disponíveis na cidade, a abertura de novos espaços e os projectos em curso, as possibilidades e as condições do apoio prestado às estruturas e à programação de eventos culturais na capital do país.

Por Sandra Vieira Jürgens
Lisboa, 24 e 27 de Novembro de 2006


P: Quando assumiu o cargo de Vereador, com que realidade é que se deparou em termos dos apoios dados ao sector da cultura por parte da Câmara Municipal de Lisboa?

R: Verifiquei que havia algum esforço, mas não sendo um problema exclusivo da autarquia de Lisboa, surpreendeu-me na Câmara Municipal de Lisboa (CML) — porque é a capital de um país, porque tem, ou pelo menos deveria ter, mais massa crítica, mais pessoas informadas, e está mais inserida no mundo (é uma capital europeia, com a história que tem) — algum conservadorismo na política cultural. Tudo o que tenha a ver com o apoio à criação e à produção, mas em particular com a inovação, diria, com alguma ironia, que não concordam com a THC, ou seja, não concordam com o vanguardismo. Mas penso que em Lisboa não tinha havido ainda tempo de estabelecer uma política com estratégia que valorizasse a criação. É inquestionável que quem tem responsabilidades na gestão da coisa pública tem de salvaguardar o património, o bem comum, até do ponto de vista social e civilizacional. Não faz sentido não cuidar do Castelo de São Jorge, do Padrão dos Descobrimentos, dos palácios, cuja gestão e manutenção é da responsabilidade directa da Câmara. Mas isso não pode ser o pretexto — porque senão, não há uma verdadeira política cultural — para que não se promova a criação de um novo património. É o que se passa.
Depois, em si mesmo, a Câmara enquanto instituição é muito conservadora nos procedimentos, o que dificulta também uma gestão cultural mais contemporânea, porque o tempo é decisivo para que as decisões políticas tenham algum resultado. Os tempos normais de decisão da Câmara são demasiados extensos. O que seria normal é que a maioria dos casos de programação cultural ou gestão estratégica no domínio da cultura tivessem sempre um horizonte de dois a três anos, no mínimo, para que as coisas se concretizem. A Câmara não está preparada, até do ponto de vista legal, para ter esse tipo de gestão, infelizmente. Estamos no século XXI, mas as regras são as mesmas que as da primeira metade do século XX. Claro que com alterações normais e inquestionáveis de um novo regime — em democracia as coisas são diferentes —, mas a filosofia subjacente aos procedimentos, infelizmente, em alguns casos, é a mesma. É preciso redobrar o esforço para que as coisas sejam feitas. Não é por acaso que Portugal é um país em que as pessoas trabalham muito, ao contrário do que se diz (não quer dizer que sejam todos), mas depois produzem pouco, porque de facto não temos procedimentos para produzir. Temos os procedimentos para garantir uma constante aplicação do princípio da desconfiança e isso é péssimo. Os procedimentos legais aplicáveis à Administração Pública assentam quase todos — mesmo em nome da transparência e do rigor, princípios inquestionáveis — num exagero de prevenção da ilegalidade, isto é, no pressuposto da desconfiança, e não da confiança e da responsabilização a posteriori. Esta padronização e harmonização de procedimentos, desejável e normal na maioria dos sectores da actividade pública, é um prejuízo na cultura. Como as pessoas afectas a este sector são poucas, o seu peso nas decisões de harmonização dos procedimentos do país também não é muito.



P: Na Agenda Cultural de Lisboa, em Janeiro, indicou algumas linhas de actuação, sendo uma delas a criação de uma nova identidade para a cidade de Lisboa. Gostava de saber de que identidade se trata.

R: Quando se fala em identidade não é criar nada de novo, porque as identidades não se criam por decretos nem por decisões dos políticos. Trata-se de uma identidade reconhecida. Hoje em dia, o mundo está tão padronizado: todos nós vestimos da mesma maneira; comemos os mesmos hamburguers, pizzas, arroz chau-chau; conduzimos os mesmos automóveis; utilizamos os mesmos telemóveis; usamos os mesmos procedimentos na linguagem informática, as teclas são as mesmas. Há uma padronização de comportamentos, todos muito condicionados pelas relações internacionais económicas, as quais estabeleceram um padrão que depois fomos assimilando, inevitavelmente. O mundo global tem esse lado que, numa determinada perspectiva, é positivo, aproxima as pessoas e o modo de compreender a vida dos outros. Mas, ao fim e ao cabo, o que resta, o que deve estar acima de tudo — porque a sua perda é irreparável e porque é um património insubstituível — são as identidades culturais, que são o paradigma da civilização. Nós não seríamos como somos hoje, não pensaríamos, não compreenderíamos o mundo da mesma forma, com os mesmos valores, os mesmos conceitos, não fora a nossa experiência civilizacional ser baseada na diversidade e na troca, na inovação e na compreensão daquilo que é novo, por vezes com desfazamentos entre o adquirido e a vanguarda. Por isso, já que há uma perda de identidade, de reconhecimento da identidade, deveríamos valorizar o óbvio, porque Lisboa tem uma identidade própria, mas perde-se se nós não a reconhecermos. Se calhar faz de tal maneira parte do nosso quotidiano que já não é notada como essa identidade. Nesse sentido, neste contexto, Lisboa tem uma construção: a sua identidade foi sendo criada como um espaço em que as várias identidades tinham relevância. Todas as capitais europeias e do mundo — não é uma característica de Lisboa — têm sido palco de cruzamentos de culturas, de credos, de raças, de várias formas de viver e de estar no mundo. Penso que Lisboa, com essa característica, não faz uma mera assimilação: assimila respeitando as origens. Por isso, acho que é uma cidade muito naturalmente identificável com um palco da interculturalidade. Até a própria designação da cidade, as “Mourarias”, Alfama, as várias diferentes histórias dos vários locais de Lisboa, ainda hoje (quase sem precisar de nenhum estudo, ou seja, assimiladas pelos lisboetas) têm estas identidades diferentes reconhecíveis. É importante que todos nós tenhamos sempre presente o valor que é a identidade, porque é insubstituível, porque não se pode deixar de ser lisboeta para passar a ser europeu, só. Mas a Europa é o que é por ser a soma disto tudo. É o encontro e a conjugação disto tudo. Não percamos esta noção: somos europeus, ocidentais, por questões históricas e relacionais, mas somos lisboetas, somos portugueses.



P: Nesse Editorial também se notava algum optimismo. Disse que iniciámos o ano com optimismo e o sector da cultura passa a ser um sector-chave na urbanização da cidade. Quais são as prioridades da Câmara, em termos de apoio à cultura?

R: Algumas são tradicionais, no bom sentido. São necessárias e indispensáveis: a preservação do património, muitas vezes aliada a um melhor conhecimento do próprio património. Toda a gente conhece o Castelo de São Jorge mas há imensas potencialidades do Castelo, do ponto de vista do conhecimento e da compreensão da nossa civilização, que não estão tão facilmente acessíveis. Os historiadores, os académicos, os cientistas conhecem, já o cidadão comum não conhece tão bem. É obrigação de quem gere a coisa pública, da valorização do conhecimento, do acesso ao património, tornar mais acessível todas essas potencialidades que nos permitem conhecer melhor a nós e à cidade, e isso é insubstituível. Não é o apoio à criação ex novo, inovador, mas trata-se de reinventar formas de tornar o conhecimento cada vez mais acessível e valorizar esta consciência da nossa identidade e do nosso património — isso é absolutamente indispensável.
Outro sector que é absolutamente indispensável é o de garantir o acesso ao conhecimento. As autarquias também têm, em termos de construção de uma sociedade, de garantir e de ter em atenção os direitos de cidadania. O conhecimento é fundamental, até para o exercício desses direitos; é uma arma fundamental para que o cidadão tenha uma consciência mais crítica e reflectida da realidade, o que o torna mais exigente e mais consciente das opções que tem. As autarquias têm de ser parceiras fundamentais. No acesso ao conhecimento é fundamental que a CML tenha um papel, até porque é gestora de muitas das infra-estruturas que têm esse objectivo. Toda a parte que não é mediática, nem espectacular, nem festivaleira — que é o caso das bibliotecas e dos arquivos — tem de ser constantemente melhorada. Lisboa tem 17 bibliotecas, mas ainda tem falhas gravíssimas para uma capital europeia que se pretende civilizada, desenvolvida, e dinâmica. Nós temos 17 bibliotecas, mas há zonas da cidade que estão muito mal servidas. Vou dar-lhe um exemplo muito concreto: Benfica é um dos bairros mais habitados, com uma população muito grande comparada à de outras freguesias, uma população estudantil também muito grande, e não tem uma biblioteca municipal, fundamental para a equação de acesso ao conhecimento e formação. A câmara tem de complementar e enriquecer, tornar mais disponível, mais acessível, mais atractivo, interpelante, esse acesso ao conhecimento.
As bibliotecas dos dias de hoje desempenham um papel fundamental, porque não são salas de leitura cinzentas, onde o silêncio impera, mas têm de ser sítios de encontro com o conhecimento e com os grandes pensadores, de uma forma interpelante e motivadora, e que facilite essa vontade de conhecer. Por isso, as bibliotecas são fundamentais e os museus também, porque permitem uma leitura da nossa identidade histórica, mas também do nosso futuro. Aí, entra o domínio da arte contemporânea e da construção de um novo património ou daquilo que, daqui a uns anos, será, esperemos, o património histórico.
Depois, há uma rede ou pano de fundo do papel da autarquia que é garantir, num estado livre e democrático, a diversidade da oferta. A diversidade da oferta cultural é quase uma regra, devia ser quase um dos Mandamentos (se estivessemos a falar na Bíblia) de qualquer autarca que tem consciência daquilo que se está a fazer e daquilo que deve fazer.
Como Secretário de Estado, tive obrigação de conhecer algumas câmaras, de que Viseu é um belíssimo exemplo. Nada é perfeito, mas há experiências autárquicas, de todos os partidos politicos, que revelam essa preocupação e isso é de louvar. Diria que Almada também tem uma filosofia com uma perspectiva política muito bem construída; Tondela; Montemor-O-Novo; Tavira também construiu e está a construir de uma forma sólida.
Em Lisboa, paradoxalmente, nessa matéria, esses exemplos não eram tão seguidos, salvo raras excepções. Quanto à questão da regularidade e da estruturação dos projectos, é um chavão dizer-se que não há política cultural que não seja de longo prazo. Esse chavão só faz sentido se for passado à prática. Este carácter muito pontual da actividade cultural de uma cidade como Lisboa não é o desejável. Há sempre lugar ao carácter pontual, esporádico, da política cultural, pela própria natureza das coisas. Agora, é inquestionável que a sua base deve ser regular e sustentável.



P: Como a Festa da Música…?

R: Qual é o mérito da Festa da Música? Quando se diz que é preciso criar projectos que tenham capacidade de fazer formação de públicos (o que não se faz por decreto, nem só com boas intenções), isso implica uma certa regularidade, previsibilidade. As pessoas têm de saber que aquele evento acontece e têm de o desejar, têm de sentir a falta dele. Muitas vezes, é a forma de abrir portas para outros eventos. Se houve evento que em Lisboa conseguiu fazer isto foi a Festa da Música. Informalmente, todas as pessoas, como se fizesse parte do seu dia-a-dia, como se fosse uma coisa engraçada, como se fossem conviver, sabiam que iam viver emoções e que se iam enriquecer. A Festa da Música criou hábitos, cada vez tinha mais gente, e portanto é uma pena perder-se. Quem pensa numa estratégia cultural tem de pensar que as coisas têm de ter alguma continuidade e criar sustentabilidade. A Câmara tinha vários acordos pontuais, várias estruturas que fazem parte da vida da cidade, como a Barraca, a Comuna, o Teatro Mário Viegas, a Garagem, a Casa dos Dias D´Água, o KARNART. A Câmara pode alhear-se disso? Mesmo que não seja apenas do ponto de vista financeiro, não pode. Se as estruturas estão fragilizadas ou condicionadas, na sua existência, por uma intervenção da autarquia, então ela tem de ser pensada para garantir essa continuidade. Depois, poderá dizer: “Claro que isso pressupõe uma certa colaboração.” E os agentes compreendem isso, porque estes objectivos da Câmara são comuns. A Maria do Céu Guerra, o João Mota e outros (estou a falar dos mais velhos, aqueles mais conhecidos há mais tempo, para não ferir susceptibilidades) querem criar correntes de público e de formação de novos públicos para o futuro deles, e do sector.
Articular políticas e estratégias é muito fácil porque não são impostas, são partilhadas, são comuns, logo cria-se um quadro compreensivo de cooperação. Esse foi um dos objectivos: garantir a regularidadade e a sustentabilidade dos eventos que interessam. Depois, de uma vez por todas, é preciso encarar naturalmente que numa capital europeia do século XXI a inovação e a criação são fundamentais, sob pena de construirmos só museus e olharmos só para o passado. Não temos capacidade de risco, de sonho, de compreender a diferença, de estar com uma perspectiva positiva perante aquilo que é novo; o que é geralmente o grande problema da sociedade. Quando se teme o que é novo, constroem-se sociedades muito rígidas, muito pouco livres. Do ponto de vista cultural, por vezes, as pessoas esquecem-se disso, mas é como se mantém e valoriza um conjunto de valores que fazem parte da riqueza da Humanidade, isto é, da sua evolução (e às vezes involução). É necessário que o agente político seja um promotor na quebra do preconceito, da abertura da sociedade. Na altura em que foram criados movimentos novos, estes não foram compreendidos por todos os agentes políticos, pelo poder instituído e pela maioria dos cidadãos. Fenómenos que hoje são adquiridos como mais-valias, em termos de património histórico e civilizacional, no momento em que foram criados não foram reconhecidos. Esses exemplos históricos também nos ensinam ou deviam ensinar a perceber que devemos estar abertos às coisas novas, não numa perspectiva meramente lúdica ou de irresponsabilidade, ou sem reflexão crítica sobre as coisas. Sejamos francos, não é aceitar tudo, correndo o risco de “comer gato por lebre”, mas termos uma capacidade de abertura à inovação.
A inovação, em si, é inovadora, mas a atitude perante ela deveria ser conservadora, no bom sentido, enquanto algo constante, permanente. Deveria ser de tal maneira assimilado e assumido, que já não é inovador permitir a inovação, antes pelo contrário.



P: Qual a capacidade efectiva da Câmara Municipal de Lisboa no sector cultural?

R: É uma capacidade razoável. Cerca de 60 por cento do investimento do Ministério da Cultura no apoio à criação e à produção é destinado a entidades, instituições, companhias e criadores residentes em Lisboa. Por um lado é mau, porque significa que o país ainda é muito centralizado, tendo ainda a capital uma importância demasiado grande. Por outro lado, não era preciso diminuir a actividade artística da capital, era preciso aumentar, o que parece ser muito difícil de fazer, mas não é. A actividade artística e criativa, e a fruição cultural nas outras regiões do país, são problemas do Governo. Quando estava no Governo defendi, com o Dr. Pedro Roseta, que as autarquias deviam assumir uma partilha de responsabilidades, não se substituindo ao Governo; deveriam ser capazes de ser parceiros que assumissem a sua quota-parte nas responsabilidades, o que quer dizer também a sua quota-parte nos investimentos necessários para que essa actividade cultural se desenvolva.
Tendo consciência disso, o orçamento da CML para a cultura, em termos comparativos, está muito acima daquilo que o Governo afecta. Ou seja, este ano o Orçamento da Cultura baixou — passou para cerca de 0,4 por cento —, enquanto na Câmara ronda sempre mais de 5 por cento, o que se mantém este ano. Há um investimento de cerca de 30 milhões de euros.
Por outro lado, a CML tem uma empresa municipal, a qual tem uma actividade que vai sendo reconhecida e notória na produção do objectivo de garantir uma oferta cultural diversificada, de manutenção do património, de valorização, na criação de uma vida cultural da cidade, de qualidade e diversificada. Tem esse papel e tem conseguido cumpri-lo, não obstante os problemas financeiros que todos nós vivemos. Portanto, a capacidade financeira da Câmara, em termos comparativos, é relevante. Ou seja, se a Câmara deixasse de investir, seria uma perda muito grande.
Veja-se o caso recente da polémica da Festa da Música: quando a CML foi chamada a colaborar, entendeu que devia ser parceiro, e que a iniciativa era útil e necessária, tendo feito um esforço muito grande — 100 mil Euros para uma Câmara que tem uma série de projectos em desenvolvimento e que, ainda por cima, não estavam previstos no seu programa, porque a Festa era totalmente assumida pelo Centro Cultural de Belém (CCB). Mas a Câmara demonstrou que estava empenhada em que esses eventos de qualidade fossem possíveis e continuassem a ser desenvolvidos. A nossa capacidade não é a desejável; é a possível.



P: Foram anunciados dois complexos, tanto na Alta de Lisboa, como em Entrecampos. Pode falar-me desses projectos?

R: Lisboa ainda tem uma grande deficiência em alguns tipos de equipamentos, em particular no que se refere à arte contemporânea, tanto a nível do Estado como a nível da Câmara. Esses equipamentos contam-se pelos dedos: o Museu da Cidade, sendo que o Palácio Pimenta tem dois pavilhões, o Branco e o Preto; o Museu temático Bordalo Pinheiro; a CML é ainda gestora do Torreão Nascente da Cordoaria Nacional; a Galeria do Risco, que é mínima mas que está muito bem localizada e que poderá criar pólos de interesse na cidade; a CML tem também em curso uma galeria na Rua da Boavista, de pequenas dimensões, mas que estrategicamente poderá ser afecta preferencialmente aos novos criadores. Para colmatar as falhas, utilizam-se espaços como o Castelo de São Jorge, o foyer do Cinema São Jorge, o Palácio Galveias, que tem uma galeria com algumas condições.



P: O projecto criado para a Alta de Lisboa vem suprir essa deficiência?

R: A Alta de Lisboa traduz essa estratégia, que não é só de agora; só que agora temos de andar com mais pressa. Essa insuficiência cada vez se nota mais. O que acontece em algumas autarquias é que, no âmbito da aprovação do projecto, foram reservadas determinadas áreas para equipamentos culturais. Um deles para um teatro de dimensões razoáveis, do Siza Vieira, uma sala com cerca de 600 lugares, outra com cerca de 400, e uma galeria para a qual pensámos estabelecer uma parceria público-privada com uma fundação que já existe e que tem um espólio valioso, nomeadamente a Fundação Paço D´Arcos. Recentemente, António Gomes de Pinho (Presidente da Fundação Serralves) também adquiriu um local na zona do Beato em que a Câmara também colabora, tratando-se de um investimento privado. São projectos de raiz da Câmara, para além da Alta de Lisboa, que resultam desta urbanização que aprovou e que contemplava esta contrapartida. Isto é, os promotores imobiliários tinham de afectar determinadas áreas para estes equipamentos, e portanto estamos já em fase do projecto. O Siza Vieira já fez o projecto do teatro; tenho reuniões marcadas para saber onde é que a galeria poderá ser localizada e se a engenharia financeira das contrapartidas é suficiente; a galeria da Boavista é quase um compromisso (não gosto de falar em certeza porque o Orçamento para 2007 ainda não está aprovado); depois, temos o projecto grande do Arte Forum no Campo Grande, que permitirá a construção de uma galeria de raiz com dimensões já próprias de uma cidade como Lisboa. Este projecto Arte Forum, inicialmente, era multifuncional — tinha dois auditórios para teatro, cinema e outras utilizações, como sala de leitura — mas, atendendo à necessidade e à aposta que a Câmara quer fazer na arte contemporânea, o projecto que está a agora em cima da mesa nos serviços do Urbanismo competentes nesta matéria está a privilegiar a arte contemporânea, ou seja, a galeria. Os arquitectos ainda não apresentaram o projecto final mas, de acordo com o parecer da Cultura, a galeria ficará só afecta à arte contemporânea. Pensamos que apesar de tudo, em termos de teatros e de auditórios, há outras alternativas; a cidade já vai ficando apetrechada e vai dando resposta à maioria das necessidades, designadamente, temos o São Jorge, o Maria Matos, o São Luiz, o Teatro Taborda, o Teatro da Comuna. Começámos a requalificar os equipamentos: está prevista a utilização do antigo Cinema Europa, do antigo Cinema Paris. O próprio Parque Mayer também prevê dois teatros.
Em termos de equipamentos para outro tipo de actividades culturais e artísticas, nomeadamente no domínio da dança, do teatro, do cinema e da música, já vai havendo respostas, em termos comparativos. No domínio da arte contemporânea, tendo em atenção que da parte da Administração Central não há um único caso (seria o CCB, mas pelas razões que todos conhecemos este não está disponível para todas as necessidades), parece-nos que faz falta à cidade de Lisboa este equipamento que será uma galeria com cerca de 2 mil metros quadrados, um edifício contemporâneo, que ainda está em projecto e está ser preparado para criar condições físicas para as reservas. Penso que vamos ficar melhor, o que é a nossa obrigação. Estes projectos levam tempo, pois são projectos de arquitectura, cuja construção pode demorar dois anos. Por vezes, as pessoas pensam que é só uma questão financeira. Ela é fundamental, mas mesmo depois de se tomar a decisão financeira, como se trata de projectos de grande envergadura, os procedimentos necessários previstos na Lei (concursos públicos, projectos...) levam tempo. Além disso, para que não fique tudo dependente das disponibilidades orçamentais públicas que, infelizmente, têm como tendência aumentar os constrangimentos, a estratégia é a de estabelecer parcerias público-privadas no bom sentido. A Câmara deve estabelecer boas condições de funcionamento, decidir que destino dar a determinado espaço e ter direito a utilizá-lo para prossecução de fins de interesse público. Poderá geri-la em parceria com coleccionadores privados, galerias com capacidade, o que até melhora a qualidade, porque são agentes que já têm experiência e conhecimento em termos internacionais, e não estão sujeitos aos procedimentos burocráticos e administrativos a que geralmente uma entidade pública está. Têm também, por isso, maior autonomia e maior agilidade, porque estão a investir o dinheiro que é seu, enquanto a Câmara, quando investe ou precisa de realizar investimentos, está a utilizar dinheiro dos contribuintes, pelo que tem outros procedimentos, que são necessários, mas que restringem a rapidez e agilidade.



P: Estes projectos implicam um financiamento elevado. Como se poderá encontrar um equilíbrio entre as condições dadas aos equipamentos, não só em termos da sua existência, mas em termos da programação? Sabemos que o Museu da Cidade, por exemplo, tem uma programação irregular e que outros espaços da Câmara também poderão ter esse problema. A Bedeteca e a Videoteca sempre disseram que havia um desinvestimento financeiro na sua actividade.

R: Às vezes não se trata só de desinvestimento financeiro. O Museu da Cidade tem uma vocação muito específica: tem um percurso museológico de contar a história da cidade. O Pavilhão Branco e o Pavilhão Preto dependem muito das iniciativas externas. Também têm obrigações internas, mas têm de estar disponíveis para dar resposta às iniciativas que existem, que os promotores e os agentes culturais têm. Se fosse só para a Câmara, não estaria a promover a iniciativa daqueles que são os mais interessados, que são os agentes do sector. A CML tem de ter essa vocação — por um lado, tem instituições e equipamentos, como o Museu da Cidade, o Palácio Pimenta ou o Museu Bordalo Pinheiro, com objectivos definidos até pela própria designação. O programa museológico do Museu da Cidade é muito orientado para a história da cidade; o Pavilhão Branco e o Pavilhão Preto já serão actividades complementares no domínio da museologia, mas mais dependentes de iniciativas, e aí é uma questão de selecção. Está lá uma exposição do Álvaro Lapa, já esteve Cesariny, ou seja, já lá estiveram grandes obras de grandes autores que o Museu tem a obrigação de disponibilizar, dar a conhecer e valorizar. Mas a CML não tem um sítio que se possa especializar na arte contemporânea. Também é verdade que, no mundo inteiro, a maioria dos museus de arte contemporânea não são museus de colecções permanentes. Hoje em dia, cada vez mais, a arte contemporânea tem de ter esta dinâmica de renovação constante e de dar a conhecer as coisas novas que se vão criando. A própria filosofia de gestão de um equipamento especializado em arte contemporânea não é igual à de um museu tradicional, como o Museu de Arte Antiga ou o Museu da Cidade, que têm outros objectivos, não se podendo padronizar as formas de gestão desses equipamentos.



P: Mas no caso da Bedeteca, que tem iniciativas com um reconhecimento internacional, não subsiste o problema de não haver um orçamento que lhe permita ter uma actividade regular? No caso do Museu da Cidade eu não me referia a ter exposições permanentes, mas temporárias com uma programação coerente…

R: O problema é que não vale a pena estarmos a fazer as coisas em cima do joelho. A Bedeteca e outros equipamentos têm de ser reorganizados, e quando se tem de estabelecer prioridades há essas falhas. Em termos de necessidades da cidade hoje em dia, um decisor político e público deve estar atento a esta dinâmica. isto é, se a Câmara se fechar, se olhar só para o seu umbigo e para a programação autónoma, ficando alheia a tudo o que se passa à sua volta, alheia à dinâmica dos galeristas, dos criadores e das grandes exposições internacionais, poder-se-á dizer: “Tem a sua programação, está a fazer o seu papel”. Mas não está a responder à dinâmica da sociedade e da comunidade em que está inserida. Não deve olhar só para o bom funcionamento dos seus equipamentos do ponto de vista interno, mas ter capacidade de não inviabilizar ou, pelo menos, de não dificultar; deve facilitar, promover. A conciliação desses dois objectivos, quando os meios não são suficientes para todos, dificulta a gestão de um ou de outro, por isso muitas vezes acontecem falhas. Tenho plena consciência de que há muita coisa que deveria fazer melhor, mas quando não é possível e temos de optar, depois de ouvir e de me reunir com muitas pessoas, incluindo os próprios agentes, tenho tomado decisões que, às vezes, são inevitáveis, porque o prejuízo é irrecuperável.
A mostra de colecções da própria Câmara, o estabelecimento de uma programação regular, mesmo que se atrase, tem tempo e nunca perde oportunidade de vir a ser concretizada. Mas o que é irrecuperável, porqu essas coisas não se repetem, é perder-se uma exposição internacional, perder-se a dinâmica do mercado, não estar atento àquilo que os agentes e o sector fazem, passarem os anos sem se dar resposta a isso.


P: Há quem diga que a Lisboa Photo está em risco. É assim?

R: Nesta altura, não tenho uma resposta concreta. Detesto estar a criar expectativas… Vou fazer um esforço enorme para que a Lisboa Photo seja uma realidade. Agora, nos moldes em que foi sempre, foi uma iniciativa demasiado dependente do financiamento público da Câmara. Se não estou em erro, mais de meio milhão de euros. Ou seja, o projecto em si é útil e necessário, e a Câmara deve fazer um esforço para permitir que ele se realize.
Mas se tiver de ponderar e optar entre realizar, nos mesmo moldes, a Lisboa Photo ou concluir os projectos que permitirão no futuro… Por exemplo, se estiver em causa a conclusão de um trabalho, uma galeria, ou a apresentação de colecções internacionais que só naquele momento têm oportunidade de estar em Lisboa, se não aproveitarmos essa oportunidade, os cidadãos de Lisboa dificilmente terão uma segunda oportunidade; a resposta nunca será satisfatória, mas é uma questão de prioridade. Neste momento estamos a trabalhar no sentido de enquadrar esta iniciativa, sem desistir dela, tornando-a o mais sustentada possível. Não é fazer por fazer. Se tivesse meio milhão de euros para disponibilizar para a Lisboa Photo, não era preciso ponderar nada, nem ter prioridades. Há dinheiro, em princípio faz-se, até porque é uma iniciativa que do ponto de vista internacional é vantajosa para a cidade. A fotografia é cada vez mais uma forma de arte valorizada, e ainda bem. Ninguém pode estar alheado dessa realidade e dessa mais valia.
Actualmente, na discussão do Orçamento para 2007, estamos a ponderar qual é a melhor forma, tendo em atenção a estratégia internacional deste tipo de exposições, pois Lisboa não pode estar isolada deste circuito internacional. Todos os componentes do projecto estão a ser analisados. Neste momento, digo-lhe: não desistimos, pensamos que é possível. Agora, não está ainda definido o modo nem o dinheiro disponível para o efeito; nem os parceiros necessários para que ela se concretize de uma forma sustentada, não tão dependente dos ciclos orçamentais e das dificuldades financeiras do país, e para que tenha uma sustentabilidade própria, em que a Câmara seja um parceiro relevante, mas não o único.



P: A Câmara Municipal de Lisboa adquiriu obras de arte na Feira de Arte Contemporânea – Arte Lisboa 2006. É uma acção para continuar?

R: Enquanto for responsável por este sector e, acho, já dei provas no passado, penso que o paradigma das medidas culturais tem de ser de continuidade e de regularidade. Claro que há eventos e projectos que, pela sua própria natureza, são efémeros e conjunturais, mas enquanto eu cá estiver a maioria dos projectos tem de ter regularidade. Até agora, o esforço que temos feito na preparação dos planos e dos orçamentos para os próximos anos, e até na celebração dos protocolos de natureza plurianual (não é por acaso que começámos a celebrar protocolos desta natureza), foi precisamente para tornar claro que esta não é numa estratégia pontual e casuística, decisões tomadas sem estratégia. Se temos uma estratégia, para a qual temos obrigação de já ter consciência se é de médio e longo prazo, temos de agir em conformidade. Se já sei que para o ano vai existir outra vez a Feira de Arte Lisboa, que para o ano a Barraca continua a existir, e que essa necessidade se mantém e deve ser prosseguida, então, estabeleço logo o quadro que permita essa regularidade.



P: Qual será o destino dessas obras? Será feita uma Colecção?

R: A Câmara de Lisboa tem algumas obras, mas não tem ainda espólio suficiente para criar uma Colecção digna de ser um museu de uma capital europeia. Vai construindo… Toda a gente critica e com razão que a maioria do espólio do Museu da Cidade é muito pobre a partir do século XX. Portanto, há que recuperar o tempo perdido. Quando tivermos essas galerias e outros espaços que permitam dar a conhecer, e tivermos cada vez mais obras importantes, teremos de constituir uma Colecção. É para continuar, com a consciência de que estamos atrasados, mas com a honestidade para dizer que não se pode fazer tudo de uma vez. Mas isso não pode ser a desculpa para não se fazer nada. Não conseguimos ter um milhão para investir: paciência. Temos 50 mil, 100 mil. Até porque há um sinal claro e concreto para as pessoas de que aquilo que dizemos é executado, não é só uma promessa.
Vou dar-lhe um exemplo concreto: o Cesariny morreu. Para além do carácter de notoriedade pública — de se atribuir o seu nome a uma biblioteca (o Presidente anunciará qual será) —, há coisas que são simples de fazer e simbólicas, sem se tratar de um simbolismo de fachada. Por exemplo, estão ali (Casa dos Bicos) obras adquiridas pela Câmara no âmbito da Arte Lisboa; não tendo nós uma galeria e estando os Paços do Concelho a ser utilizados para a comemoração do centenário do nascimento do Professor Agostinho da Silva (o que não faz sentido a alterar), estava a pensar expor no Museu da Cidade, que tem alguma obras do Mário Cesariny de que Lisboa é proprietária. Vamos mostrar quatro ou cinco obras de Cesariny. Além disso, gostaria de deixar a porta do Paço do Concelho aberta para o cidadão entrar, mas é difícil, até em termos de segurança; mas há sempre uma maneira, nem que seja temporariamente, de facilitar as coisas. Como acho que isso é de interesse público, vou ver se consigo estabelecer formas de, durante uma semana, ou pelo tempo que for possível, as pessoas terem acesso mais livre aos Paços do Concelho. Estou aqui muito bem instalado na Casa dos Bicos, com uma vista sobre o Tejo, mas acho que este espaço deveria ser desfrutado pelas pessoas; nós não devíamos estar aqui. Isto deveria ser aberto às pessoas, deveria ter motivos de interesse para elas virem.
Penso que vou conseguir sair este ano e deixar este espaço aberto às pessoas. Há sempre serviços necessários, mesmo quando funcionam galerias. Mas se libertarmos os pisos de baixo, maiores, que são open space, e o primeiro andar, permitem-se exposições temporárias, uma galeria.



P: Qual foi o balanço que fez da Arte Lisboa 2006?

R: Penso sinceramente que melhorou. Não é um wishful thinking. Em termos de negócio não sei, mas penso que as pessoas sentiram que melhorou. A ARCO em Madrid, há dois anos, melhorou muito para os portugueses. As pessoas, que se queixam sempre, estavam quase todas satisfeitas, tendo dito que as coisas tinham corrido acima das expectativas, e notam que há um esforço da FIL/AIP para melhorar. Não podemos esquecer que aquilo é um mercado e o mercado funciona sempre de forma livre. O próprio envolvimento da Câmara, neste molde, foi um sinal positivo para as pessoas. Claro que dizem: “Foi insuficiente.” Temos consciência disso. Mas se a Câmara fizesse, se o Ministério da Cultura, se as fundações dos bancos fizessem, imagine-se a dinâmica que se gerava, que é o que acontece na ARCO em Madrid. Se o Ministério da Cultura afectasse a mesma verba que a Câmara — que não é nenhuma fortuna — 20 mil ou 25 mil Euros para adquirir, com um júri, obras de arte contemporânea, se a fundação da Culturgest ou da PT, em suma, das grandes instituições, se todos concorrêssemos nesta estratégia, a dinâmica desta feira melhoraria de repente, no bom sentido. Foi o que os espanhóis fizeram, e conseguiram bons resultados em pouco tempo.