|
ANTÓNIO PINTO RIBEIRO
O programa “Próximo Futuro” inaugurou dia 20 de Junho na Fundação Calouste Gulbenkian e das suas actividades vão fazer parte conferências, música, cinema e outros projectos diversos. Dedicado em particular à investigação e à criação na Europa, América Latina, Caraíbas e África, este programa será mais uma das contribuições da Fundação Calouste Gulbenkian para a reflexão sobre a contemporaneidade. António Pinto Ribeiro, programador do “Próximo Futuro” falou-nos de alguns dos desafios que este projecto tem pela frente.
Por Joana Lucas
Lisboa, Junho de 2009
P: O programa “Próximo Futuro” vem de alguma forma na sequência dos programas anteriores “O estado do Mundo” e “Distância e Proximidade”. Quando “O estado do Mundo” abordou alguns dos desafios da globalização, o “Distância e Proximidade” as questões do multiculturalismo, acha que o programa “Próximo Futuro” pode ser visto como uma espécie de desfecho desse ciclo de debates sobre as questões da contemporaneidade?
R: Não sei se será o desfecho mas é com certeza uma continuidade dos dois programas anteriores. O que aconteceu foi que “O estado do Mundo” formulou um conjunto de problemas e apresentou também algumas soluções num determinado contexto. Essas questões acabaram por desenvolver outras e felizmente acho que este é um processo sempre inacabado. Há um discreto historiador, o Aby Warburg, que tinha uma teoria extraordinária acerca dos livros afirmando que cada um deles buscava o seu melhor vizinho. Na minha perspectiva este programa também funciona desta forma: cada espectáculo procura um espectáculo, cada seminário procura um seminário. Para já não faço ideia qual será o conjunto de actividades até 2011 mas espero que se siga este processo.
P: Precisamente, o “Próximo Futuro” tem uma duração maior, estando previsto que dure até 2011. Porque é que ele foi concebido com mais fôlego em comparação com os anteriores?
R: Uma das razões é de natureza material: é possível que isto venha a acontecer porque o meu contrato com a Fundação Gulbenkian acaba no final de 2011 e tenho tempo para programar com a ponderação necessária. Por outro lado, a experiência de “O Estado do Mundo”, que durou um ano e meio, deu-me a ideia de que era possível constituir um programa que pudesse estender-se mais no tempo pois havia bolsas de público suficientemente interessadas no desenvolvimento de um projecto deste género. Ao mesmo tempo, há uma linha de investigação e de produção teórica que só tem sentido se for pensada a médio prazo, da qual se espera a saída de algum conjunto de teses ou de teorias. Nela vão estar envolvidos dezoito centros de investigação em Portugal, que com certeza têm uma grande expectativa sobre o resultado dessas reuniões. Desse ponto de vista era também importante que este programa cimentasse um trabalho continuado.
P: Sendo que maior parte desses dezoito centros de investigação são da área das ciências sociais e que esta colaboração não aconteceu de forma tão evidente nos programas anteriores, o que é que espera que a colaboração com esses centros de investigação possa trazer ao “Próximo Futuro”?
R: No “O Estado do Mundo” houve colaboração com alguns mestrados da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Católica. Houve também alguns cursos de várias universidades que participaram de uma forma mais passiva e que vinham apenas assistir às conferências. No caso concreto do “Próximo Futuro” estes centros vão introduzir no seu calendário linhas próprias de investigação que tenham a ver directamente com o programa e há já investigadores que estão a começar a trabalhar nas áreas adjacentes. A minha ideia é que este possa ser um fórum permanente de investigação com uma componente fortemente internacional e que envolva especialistas em várias áreas.
P: O facto do “Próximo Futuro” ter iniciado as suas actividades teóricas com uma conferência do Nicolas Bourriaud, visando a discussão da proposta do conceito de Altermodernidade, pode ser visto como uma procura de respostas aos desafios e às questões suscitadas pelos anteriores programas? Este programa procura essas respostas?
R: O programa procura sobretudo encontrar formulações adequadas aos tempos de hoje. Não sei se encontrará respostas mas o que eu considero um sinal dos nossos tempos é a própria dificuldade na formulação de perguntas. A tentativa será de desenvolver um conjunto de enunciados que nos ponham frente ao mundo contemporâneo. A conferência do Nicolas Bourriaud acontece por várias razões: a primeira é porque penso que ele tem uma proposta interessante, mas não é nem a única nem é aquela que pode enformar todo o programa “Próximo Futuro”. É uma proposta que tem tido um debate importante em toda a Europa, sobretudo depois da realização da Trienal da Tate Britain, quer nos media quer nas universidades. Claro que houve pessoas a favor e pessoas contra, mas considero que entre nós existe tanta falta de debate, sobretudo a uma escala internacional, que era importante trazê-lo. Ele colocou as suas questões, infelizmente não houve tantas perguntas como seria desejável, mas aí está a formulação de um problema sobre o qual vale a pena reflectir. A par desta conferência haverá mais um conjunto delas e posso quase garantir que o Néstor Canclini virá a Portugal, e esse vai ser igualmente um momento importantíssimo do nosso programa. Também o filme de Paul Virilio, “Penser la Vitesse” que passará no dia 8 de Julho é um documento notável e incontornável que parte do princípio que a contemporaneidade não é estática. Nós de alguma forma não nos acomodamos à ideia da contemporaneidade quer espacial quer temporal pois ela não é estática. Outros olhares mais descentrados do que aqueles que nos chegam do Atlântico Norte, aos quais estamos mais habituados, são muito importantes e podem trazer-nos algo de novo.
P: No texto que assina e que dá o mote ao “Próximo Futuro” fala da necessidade de novas narrativas, isto depois de os anteriores programas terem tido convidados como o Homi Bhabha e o Arjun Appadurai que são personagens da diáspora e surgem no contexto dos estudos pós-coloniais. No entanto existe essa falta de “novas narrativas” que não tenham de se construir exclusivamente na diáspora ou que necessitem dela para se afirmar. Qual é a dificuldade de as encontrar quando o “Próximo Futuro” aponta para contextos geográficos como África, América Latina e Caraíbas?
R: Em relação à primeira parte da sua pergunta é inacreditável como há três anos atrás o campo dos estudos culturais e pós-coloniais era uma realidade relativamente vaga entre nós. Foi por isso que na altura achei que era importante a apresentação dessas propostas. Era algo que não se podia adiar mais. Penso que visto à distância “O estado do Mundo” foi um programa clássico, mas foi algo que fazia sentido naquele momento preciso. Agora o que é importante é ter novos protagonistas que não sejam globetrotters. Contudo há problemas que se colocam e que têm a ver com as distâncias físicas e geográficas que são impedimentos reais à circulação de pessoas. Há outro problema que é o do acesso à informação, ou seja, para conhecer o trabalho dessas pessoas é necessário existirem redes especializadas. É precisamente isso que tenho vindo a desenvolver há alguns anos e que é importante para conhecer o trabalho de algumas pessoas que vivem nestes países e que têm as suas redes locais. Em alguns casos essas pessoas, por não frequentarem as grandes universidades mainstream, têm menos acesso às fontes de informação privilegiadas, mas isso não quer dizer que não sejam absolutamente extraordinárias e que não tenham um discurso bastante inovador construindo narrativas novas quer em relação a si próprias quer em relação a nós. O que este programa tem de confortável é precisamente permitir que algumas dessas pessoas venham pela primeira vez até Portugal. Ao mesmo tempo há um desafio pelo facto de não serem muito conhecidas nem serem grandes estrelas que atraem multidões.
P: Mas acha que é possível a “procura” dessas “novas narrativas” sem uma certa dose de paternalismo e sem cair no exotismo?
R: Do meu ponto de vista acho que sim. Como sabe nestas questões a atitude do receptor também é fundamental. Acho que em alguns casos vamos ficar absolutamente surpreendidos com a qualidade dessas narrativas e sobretudo com a sua erudição porque muitas destas pessoas têm o “benefício” da periferia: leram tudo aquilo que nós europeus lemos e mais aquilo que os americanos escreveram e mais aquilo que eles próprios produziram, e isso é uma vantagem enorme.
P: Enquanto lia os textos de apoio à programação descobri a Ruth Simbao, que desconhecia e me interessou bastante, sobretudo pelo facto de questionar a utilização de uma africanidade, com ou sem aspas, pela arte contemporânea. Depois li o texto do Alberto da Costa e Silva que está precisamente nos antípodas do texto da Ruth Simbao, ao recriar uma espécie de cenário idílico de convivência entre África e Brasil. Não estando a falar da mesma coisa, são visões completamente distintas em relação ao “outro” e o facto desses dois textos se apresentarem juntos como textos principais do “Próximo Futuro” levou-me a pensar se seria ou não contraditório tê-los ali a ambos… Acha que é importante que estas duas posturas convivam na discussão das temáticas do programa?
R: Creio que sim, e que é bom que convivam com tudo o que têm de contraditório. Acho muito fascinante o seu comentário porque na realidade o Alberto da Costa e Silva é um pioneiro neste tipo de estudos e é um dos grandes especialistas nestas questões em que começou a trabalhar há sessenta anos. Contudo, e como muitos outros dessa geração, ele é de algum modo um herdeiro do luso tropicalismo, mas era importante conhecer o Alberto da Costa e Silva independentemente da sua “linha”, independentemente de acharmos que ele poderia ser revisto. Gosto de manter algum respeito pelas pessoas que foram fundamentais para aquilo que nós hoje pensamos. O Alberto da Costa e Silva escreveu o referido texto no hospital o que foi de uma generosidade imensa e pela qual lhe ficarei profundamente grato. Mas creio que vai haver situações de inevitável confronto, por exemplo entre intelectuais e pensadores do norte de África e da África subsahariana. Tudo isso pode ser muito interessante.
P: Há também uma certa ideia de urgência e de preocupação com o tempo que percorre todo o programa. Acha que hoje em dia devemos apontar a nossa intervenção para o futuro mais do que para o presente?
R: De algum modo podemos intervir no futuro. O tempo hoje é tão comprimido e tão veloz que a capacidade em intervir directamente no presente está muito relativizada…
PRÓXIMO FUTURO
www.gulbenkian.pt/proximofuturo
Nota
Entrevista a Nicolas Bourriaud na ARTECAPITAL:
www.artecapital.net/entrevistas.php?entrevista=75