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ENTREVISTA


Da esquerda para a direita: Noé Sendas, Vera Appleton, Virginia Torrente e Jacobo Castellano.


Jacobo Castellano e Noé Sendas, "Espantoso, esquisito".


Jacobo Castellano e Noé Sendas, "Espantoso, esquisito".


Jacobo Castellano e Noé Sendas, "Espantoso, esquisito".


Jacobo Castellano e Noé Sendas, "Espantoso, esquisito".


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Jacobo Castellano e Noé Sendas, "Espantoso, esquisito".

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VIRGINIA TORRENTE, JACOBO CASTELLANO E NOÉ SENDAS


 

 

De 16 Maio a 15 Junho é possível visitar as obras conjuntas de Jacobo Castellano e Noé Sendas na Appleton Square. Com curadoria de Virginia Torrente, a exposição “Espantoso, esquisito” mostra a cofluência do artista espanhol e do português numa serie de obras que partem dos seus interesses pelos objectos que lhes vêm parar à mão. A Artecapital falou com os artistas e a curadora sobre o processo de trabalho e as afinidades entre eles.


Por Victor Pinto da Fonseca e Liz Vahia

 


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VPF:A ideia de realizarem uma exposição (uma obra) a quatro mãos, significa aceitar o risco de um projecto que "dilui fronteiras", de um modo que implica uma absoluta liberdade face à vossa obra; antes, consiste numa dialética entre culturas diferentes, para dar algo novo! É este novo, esta admirável fusão - como tão bem refere a Virgínia no texto de sala -, que me encanta nesta exposição. Podemos saber a sua origem?

NS: Há várias origens e não uma origem. Há 3 coisas que aconteceram em simultâneo. Uma foi um encontro que eu tive com a Virgínia em Madrid e ficámos com vontade de fazer um projecto; em simultâneo havia uma vontade já há algum tempo de fazer alguma coisa com o Jacobo; e ao mesmo tempo a Vera [Appleton] perguntou-me se eu queria fazer uma exposição. De repente, fez sentido juntar os 3 momentos.

 


VPF: Virgínia, o teu texto da exposição é muito bonito: associa a essência da obra do Jacobo com a do Noé com uma escrita de enorme clareza ainda que complexa!
Explica-nos como é que se desenvolveu esta aventura e articulou este processo criativo árduo, entre os artistas e a comissária....

VT: O projecto da exposição, que parece complicado, produziu-se com bastante naturalidade, numa ordem encadeada de sucessos. Noé Sendas e Jacobo Castellano conheciam o trabalho um do outro, mas quase não se conheciam. É aí onde surge a ideia curatorial de experimentar com um possível resultado conjunto dos dois, mas sem forçá-lo… a ver o que saía… primeiro estava a ideia base de realizar alguma peça a quatro mãos, que com o tempo resultou ser a exposição completa! Com Noé, que viaja bastante, organizamos uma agenda dos seus tempos em Madrid para poder trabalhar no atelier do Jacobo, e assim, ao largo de um ano, foram-se completando as obras da exposição Espantoso, esquisito. Começou-se com um colocar em comum objectual, interesses de ambos artistas sobre uma mesa de trabalho, a modo quase de tabuleiro de xadrez, de um jogo com um desafio estratégico e experimental forte, e desses objectos foram descartando-se uns e tomando maior importância outros, saltando fora dessa mesa de trabalho e ganhando forças no espaço … tudo isto, pouco a pouco, num lapso de um ano, deixando tempo para a reflexão entre um movimento e outro… com visitas da comissária ao atelier quando os artistas o pediram ou ela o pediu, para aportar um terceiro olhar externo. O meu trabalho foi quase como uma espécie de “árbitro” deste jogo expositivo… O resultado foi tão frutífero, que umas quantas obras ficaram de fora da exposição! Também é de destacar que nada estava fechado até ao final, havia certas linhas abertas e tudo se concretizou in situ, no próprio espaço da Appleton Square durante os dias de montagem. Ideias de obras que vinham fechadas mudaram e se potenciaram ao vê-las na sala nesses dias de trabalho antes de inaugurar…

 


LV: O título da exposição remete-nos para o conceito de “falsos amigos” que existe nas línguas que são semelhantes. Como é que chegaram a estas duas palavras – Espantoso, Esquisito – para nomear a colaboração que aqui se mostra?

VT: O título surge ao pensar em todos os “mal entendidos peninsulares”, ao juntar um artista espanhol e outro português, tudo o que têm em comum e os separa, sinónimo dos disparates linguísticos, etc.… o título não deixa de ser uma piada, um jogo mais que está presente em toda a exposição… por exemplo, os “bastones” em castelhano chamam-se “bengalas” em português, que para os espanhóis são esses foguetes pequeninos… foguetes em português… e assim, esse eterno jogo de entendidos e mal entendidos, de “falsos amigos”… Noé comentava um dia sobre este “diálogo de surdos” que surge no atelier, para finalmente chegar a uma compreensão perfeita entre os dois artistas, tanta como para assinar todas as obras em comum!

 


LV: As vossas colecções pessoais de objectos (encontrados, comprados em feiras, etc.) foram o ponto de partida para a realização destas obras. Mesmo sendo de produção alheia, um objecto, ainda que seja encontrado, tem qualquer coisa de identidade pessoal de quem o possui. Não vos custou partilhar esses objectos com o outro e permitir que este atue sobre eles?

JC: O Noé é um óptimo coleccionador, ou tem uma maneira muito particular de coleccionar objectos (da feira de rua, etc), e eu em princípio também tenho. Por isso pusemo-nos a trabalhar no atelier com a nossa colecção de objectos. Verdadeiramente, o início do projecto foi o buscar as relações entre os teus objectos e os meus objectos. A maneira que arranjámos foi trabalharmos juntos no meu atelier. E resulta que a sua maneira de trabalhar e a minha são extremamente intuitivas. Eu tinha na minha cabeça uma fotografia dele que mostrava umas calças numa cadeira, quase violentadas, e eu também tinha já trabalhado com umas peças que eram sapatos cortados. Havia uma urgência do corpo físico, tudo aquilo que rodeia a pessoa. Foi aí que surgiu a ideia de trabalhar em conjunto. A ideias das peças em comum começa com estas calças.
Quase todas as peças são fruto da nossa maneira muito intuitiva de trabalhar.

NS: Ele tinha a sua colecção de objectos e eu a minha. Estes objectos encontrados foram sempre entendidos como pecas de xadrez, nós não actuávamos fisicamente sobre os objectos, o que nos interessava era potenciar um jogo mental, uma jogada possível... criar uma lucky strike a partir desses objectos. No final o que ficou não foram as peças mas a movimentação entre peças, o mais invisível. O que nos permitiu fazer isso foi a confiança no outro. Fazes um gesto e o gesto a seguir do outro vai desconstruir tudo o que fizeste. Havia sempre essa abertura, essa confiança total no outro. E as coisas acabavam feitas para os dois ao mesmo tempo.

 


VPF:Jacobo, o lúdico, a memória do teu território ancestral (a tua origem, o Sul?), parecem-me ser pontos cardiais associados à tua obra...mas, também tens uma visão artística submetida à religião...

JC: O fervor religioso em Espanha é enorme, mas por trás dessa parte religiosa mais profunda, há uma parte popular incrível. Por exemplo, no meu bairro de Granada há uma procissão na Semana Santa que é muito importante, que é quando saem os "costaleros", os que carregam o andor. Toda a comunidade se reúne à volta da procissão da Semana Santa. Durante os 11 meses antes os jovens treinam para conseguir levar o andor. É quando se experimentam os charros, se começa a beber, a enrolar-se com as raparigas... Há uma tensão entre a parte religiosa e a parte pagã. Para mim a parte religiosa é portanto uma parte lúdica, social, de amizade e reunião com os amigos. Eu fico mais com os 11 meses anteriores que com o mês pontual! A religião na Andaluzia está por todo o lado, está muito enraizada.

 


VPF:[para Noé] Recordo-me dos teus sem-abrigo, belíssimas obras, mas personagens dramáticas que não convocavam nada de feliz; a iconografia do Jacobo, num certo sentido, exprime (no meu entendimento) uma certa dramaturgia...Pode isto - a estar certo - significar certas afinidades electivas entre a obra de cada um? Realmente, o que vos ligou aos dois tão admiravelmente?

NS: Podes tornar-te homeless por vontade própria ou por posição social. Nesses personagens que eu criava era sempre por vontade deles, era uma escolha que eles tinham feito, não uma imposição da sociedade. Iam à procura da felicidade.
Mais que afinidades entre as obras e um grande respeito sobre o corpo de obra de cada um, o que intuíamos e se veio a confirmar esta relacionado com o bom entendimento no processo de construção das obras, que passa pela confiança, respeito e pelo sentido de humor.
No entanto o êxito deste projecto deve-se ao facto não termos jogado nem contra nem para o outro.
Tal como no tênis a pares, jogamos os dois contra uma outra equipa, nesta caso o desconhecido....
Na Appleton square a dupla Castellano Sendas saí claramente vencedora.