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ENTREVISTA


Sérgio Mah


Exposição “Los mejores libros de fotografía del año”. © Julio César González. PHE08


Bill Brandt, “Billingsgate Fish Porter”. © Archive of Modern Conflict. Exposição “The Home”. PHE08


Ramón Mateos, da série “One Country, one Army. We count on You”. © Ramón Mateos. PHE08


Miguel Soares, da série “Liine”, 2008. Cortesia: Galeia Graça Brandão. © Miguel Soares. Exposição “BES Photo”. PHE08


David Claerbout, “Sections of a Happy Moment”, 2007. Cortesia: Galerie Mcheline Szwajcer, Antuérpia e Yvon Lambert, Paris, Nova Iorque. © David Claerbout. PHE08


Roni Horn, “Dead Owl”. Cortesia: Hauser & Wirth, Zurique e Londres. © Roni Horn. Exposição “To Place”. PHE08


Cristina García Rodero, “Three Flames”, 2005. © Cristina García Rodero. Exposição “Maria Lionza. La diosa de los ojos de água”. PHE08


Javier Vallhonrat, “#10”, 2001. Cortesia: Galeía Helga de Alvear. © Javier Vallhonrat. Exposição “Acaso”. PHE08


Claudio Rasano, da série “Living inside Tbilisi”. © Cláudio Rasano. Exposição “Descubrimientos PHE08”. PHE08


Harri Palviranta, “A Finn hit by a Finnish-Swede”, 01.15. © Harri Palviranta. Exposição “Battered”. PHE08


Thomas Demand, “Detail XI”, 2007. © Thomas Demand, VG Bild Kunst, Bona / VEGAP, Madrid. PHE08


Gusmão + Paiva, “Chave”, 2007. Fotograma. Película 16 mm. © João Maria Gusmão e Pedro Paiva, produção ZDB. Exposição “Horizonte de acontecimientos”. PHE08


Marcellvs L., “0778”, 2004. Still. © Marcellvs L. PHE08


Pablo Pérez-Mínguez, “Cutting the Smoke”, 1978. © Pablo Pérez Minguez. Exposição “Detalles invisibles”. PHE08


Leonardo Cantero, “Untitled. Branding Place. Men branding a beast”, c. 1952. Cortesia: MNCARS, doação Herdeiros Família Cantero. © Herdeiros Família Cantero. PHE08


Robert Smithson, da série “Hotel Palenque”. Solomon R. Guggenheim Museum, Nova Iorque. © Robert Smithson. Exposição “Hotel Palenque”. PHE08


Florian Maier-Aichen, “Untitled”, 2005. Cortesia: Blum & Poe, Los Angeles / 303 Gallery, Nova Iorque. © Florian Maier-Aichen. PHE08


Ignasi Aballí, “Malas Hierbas”. Instalação. © Ignasi Aballí. PHE08


Eugene Smith, “Steelworker with Googles”, 1955. Cortesia: Center for Creative Photography, Eugene Smith Archive/Doação do artista. © Herdeiros de Eugene Smith.


Juan López, “Leisure Time”, 2007. © Juan López. “Exposição Cuenca: la versión de Juan López”. PHE08


Esteban Pastorino, “Untitled, Snatch”, 2006. © Esteban Pastorino. PHE08


Mathieu Pernot, “Meaux, 24 April 2004”, da série “Implosions”. © Mathieu Pernot. Exposição “Utopia”. PHE08


Ignasi Aballí, “Manual abierto 01”, da série “Manipulations” © Ignasi Aballí. Exposição “Sin actividad”. PHE08

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SÉRGIO MAH


Sérgio Mah, que dirigiu as duas edições da Bienal LisboaPhoto, em 2003 e 2005, é o comissário-geral do PHotoEspaña, o festival internacional de fotografia e artes visuais que se realiza anualmente em Madrid. Fomos conversar com ele com o objectivo de saber tudo sobre este evento e acabámos por fazer muitas perguntas sobre o estado actual da fotografia nacional e internacional.

Por Sandra Vieira Jürgens
Lisboa, 20 de Maio de 2008


P: De que modo se pode definir a identidade do PHotoEspaña, considerando a profusão de mega-eventos dedicados à arte contemporânea e a necessidade que têm de se diferenciar por uma estratégia de afirmação na paisagem internacional?

R: A PHotoEspaña é um evento que vem na sequência dos festivais de fotografia. Essa é a sua primeira imagem pública: é um evento dedicado à fotografia, ainda que já não seja um festival de fotografia apenas. E isso já é um sinal dos tempos, que revela a forma como nos últimos anos se tem pensado a questão da fotografia. Hoje, a designação correcta é “PHotoEspaña: festival de fotografia e artes visuais”. Acho que é um evento com muitas características similares aos grandes eventos de arte contemporânea, por uma questão factual: há muitos artistas e, ao mesmo tempo, tem muito a ver com a sua natureza mais social, transversalmente social. Quando eu digo “social”, estou a chamar a atenção para um aspecto que é importante na fotografia, que é de não a reduzir apenas a um contexto artístico. São eventos em que, muitas vezes, vemos em simultâneo propostas artísticas com propostas de utilização funcional da imagem fotográfica. A PHotoEspaña, sendo um evento que privilegia a fotografia, deixa isto em aberto. Eu diria que é algo a meio caminho entre a tradição de um evento dedicado a uma área disciplinar mas, ao mesmo tempo, é um evento que, em termos estruturais e organizacionais, segue a tendência dos grandes eventos de arte contemporânea.


P: Considera que essa dupla vertente (o facto de ter fotografia e de ter também artes visuais) podia ser uma das marcas da sua identidade?

R: Eu vou procurar a minha própria identidade, não é uma coisa que eu queira expor de uma forma muito evidente, e na sequência da resposta que dei, posso afirmar que, de momento, estou interessado na questão da fotografia em si como disciplina, mas muito mais interessado numa categoria bastante mais ampla, que é a do fotográfico. Pensar a identidade de um evento é uma coisa muito relativa, porque os próprios eventos mudam com as figuras que os lideram. É um evento que está em Madrid. O próprio panorama institucional e os equipamentos que normalmente expõem fotografia, logo por si, definem um pouco a identidade do evento, por exemplo, pelo facto de não ser concentrado em termos espaciais, o que obriga a uma espécie de experiência do espaço urbano: são espaços muito diferentes entre si. Pode entrar-se num museu como o Thyssen e, a seguir, pode entrar-se no antigo Matadouro de Madrid. Isto define logo muito a identidade do evento. Em relação à questão mais propriamente programática, eu não quero insistir muito nisso, porque não elaboro um programa para fazer uma demarcação teórica – não é esse o meu objectivo – mas, sendo um evento que privilegia a fotografia, é óbvio que o meu programa tem necessariamente de reflectir sobre a fotografia hoje, em 2008. Sobre o que é que significa, a partir de hoje, pensar o presente da fotografia, olhar para o futuro e que tipo de passado é que faz sentido resgatar para pensar a questão da fotografia. Eu hoje diria que me interessa uma categoria muito mais aberta, que faz muito mais justiça à própria extensividade da fotografia, que é o período fotográfico. Eu penso que o fotográfico tem a mesma relação com a fotografia que o pictórico tem com a pintura, que o cinemático tem com o cinema. Ou seja, o cinemático não cabe todo no cinema. Certamente que lhe está na origem, mas, do ponto de vista da experiência e de todos os pressupostos perceptivos que estão ligados a estas categorias, isto suplanta em muito a origem disciplinar, material destas categorias. O que pode ver-se no programa da edição de 2008 é uma grande cumplicidade (e isso não surge por não querer ser ilustrativo em relação ao fotográfico): encontramos fotografia exibida do ponto de vista mais convencional, na parede, vemos projecções de slides, imagens manipuladas, vídeo, cinema, esculturas, instalações (como, por exemplo, a dos portugueses João Maria Gusmão e Pedro Paiva). Eu acho que tudo isso – que não foi escolhido para ilustrar o fotográfico – são exemplos de como a cultura da fotografia extravasa e se reproduz para territórios vizinhos. E, nesse sentido, quando fala da identidade, eu diria que me interessa colocar o fotográfico, repensar as suas competências e as suas contradições. Espero que isso seja perceptível dentro do programa.


P: De que forma o tema deste ano - Lugar – é produtivo e pertinente para pensar o fotográfico e quais foram as suas referências ao decidir-se por esta abordagem?

P: Antes de pensar especificamente sobre o tema, tentei perceber que tipo de evento era aquele. É preciso ver que a PHotoEspaña é o terceiro maior evento cultural de Madrid, sendo que o primeiro é o Desfile dos Reis Magos na rua e o segundo é a Feira do Livro. A última edição da PHotoEspaña teve 600 mil visitantes. Tenho também de ter noção sobre a cidade em que isto decorre. Madrid partilha com Nova Iorque, Londres e Paris (de uma forma mais imediata) um fenómeno que existe em poucas cidades do mundo e que é muito importante para qualquer coordenador cultural: são cidades com um turismo cultural muito acentuado e fundamental para a própria política e economia cultural da cidade. Ficou, desde logo, claro para mim, que o tema tinha de ser algo que não iria limitar uma diversidade e uma qualidade eclética, que é absolutamente decisiva para o programa da PHotoEspaña. Como comissário e programador, a primeira coisa que fiz foi perceber os objectivos e as preocupações, quer da organização, quer das instituições parceiras da PHotoEspaña. E apercebi-me rapidamente de que uma das preocupações é o público das exposições. Eu tive de ter a preocupação em ter pontos de atracção no programa. O programa foi sendo moldado em função de múltiplos critérios, um dos quais foi a distribuição geográfica e tipológica: tinha de ter exposições que fossem pontos de atracção para os vários públicos. O programa foi pensado para servir muitos públicos, para ter muitas portas de entrada, para as diferentes sensibilidades e interesses que as pessoas têm em relação às artes visuais hoje em dia. O tema foi pensado para não dificultar o meu trabalho no programa. Depois, pareceu-me, também por ser a minha primeira edição, que tinha de ser um tema muito próximo da história e da cultura da fotografia. Se nós seguirmos em retrospectiva, não tenhamos dúvidas de que a fotografia foi um dos meios de representação que promoveu uma atenção aos lugares da experiência quotidiana, ao ponto de associarmos o trabalho de muitos fotógrafos a lugares concretos. Por exemplo, as fotografias que Robert Smithson tirou nas suas instalações na viagem ao México ou em vários lugares da América; ou um grande fotógrafo francês, Eugène Atget, o imaginário que nós temos de Paris, que tanto intrigou um pensador como Walter Benjamin; as fotografias de Walker Evans, a descoberta do Oeste... A fotografia colocou-nos muito – e ao longo do tempo, isso foi-se complexificando – entre este paradoxo da nossa relação, da nossa percepção geográfica entre o reconhecimento e a especulação sobre a própria geografia. O segundo factor importante era ter de ser um tema confortável para a fotografia, que também me permitiria, numa primeira edição, ter uma grande flexibilidade para escolher fotógrafos contemporâneos e referências históricas que são importantes. Quanto ao outro elemento, mais actual e não menos importante, sou mais prudente: não tenho a pretensão de dizer que escolhi um tema para repensar as grandes questões do nosso tempo, mas de facto, se pensarmos, grande parte dos fenómenos e das problemáticas contemporâneas passam, de alguma forma, pela questão do “lugar”. Hoje discute-se a globalização, o capitalismo pós-moderno, em que uma das consequências é um processo de homogeneização cultural, sendo que as entidades locais tendem a desaparecer. Ao mesmo tempo, existem sinais de confronto e de afirmação de identidades específicas geográficas, o que mostra até que ponto a questão do “lugar” está muito presente na maneira como vemos o tempo de hoje. O que também se reflecte na questão da ecologia: perceber que o nosso comportamento num determinado ponto no espaço tem um efeito de arrastamento muito pernicioso sobre outros lugares. É efectivamente um tema que podemos perceber como sendo transversal a muitas grandes questões contemporâneas. Já para não falar sobre a guerra. Indiscutivelmente, a questão do “lugar” é um tema da nossa história moderna. Quando muitos historiadores discutem quando é que acabou a modernidade, a modernidade acabou com Auschwitz... Auschwitz é o “lugar” por excelência, na sua pior ilustração. E a noção de “lugar” parece aberta, mas tem as suas especificidades. Muitos autores da geografia humana, da antropologia ou até mesmo da filosofia utilizam o “lugar” para se distanciarem de um conceito muito mais abstracto, o de “espaço”. O “lugar” faz referência a espaços que, por alguma razão, se tornaram significantes para as pessoas, ou porque estão associadas a uma experiência ou acontecimento do passado, ou porque há uma dimensão simbólica relevante... Ou seja, são espaços em que a topografia meramente física não dá conta de toda a complexidade que está presente, quando nós, perante um lugar, o tentamos perceber. É um pouco como Auschwitz, se alguém lá for, pode olhar hoje para os resquícios, há uma arquitectura, há um território, mas aquilo que é mais importante sobre Auschwitz não está lá. Isto mostra estas contradições, que são cada vez mais fundamentais hoje em dia, entre aquilo que vemos e o que não vemos, entre aquilo que sabemos, o que não sabemos e o que era suposto sabermos. O “lugar” também serve para discutir algumas destas questões.


P: Dentro do tema e da secção oficial, quais são as exposições que destacaria, como pontos fortes, atractivos, para o grande público?

R: Para o grande público, naturalmente as exposições que têm um carácter de consagração histórica, como por exemplo, a exposição do Eugene Smith, que eu diria que é uma espécie de último grande foto-repórter. É interessante analisar porque é que incluí o Eugene Smith. Não é propriamente um fotógrafo que tenha enfatizado muito a noção de “lugar” – o Robert Smithson foi muito mais explícito nesse interesse sobre o “lugar”. O Eugene Smith é um caso muito interessante, é um fotógrafo que começa a trabalhar nos anos 30, é um foto-repórter, trabalha para jornais (destaca-se sobretudo, a sua longa colaboração com a revista Life) mas desenvolveu, a partir de determinada altura, uma espécie de conceito que se tornou axial no seu trabalho, o de ensaio fotográfico. Há uma série de trabalhos que são muito conhecidos, como por exemplo, a “Aldeia Espanhola”. Ele viveu um período numa aldeia espanhola, fotografando as pessoas, tentando perceber como é que eram os seus modos de vida... Mais tarde, fez um trabalho, “Country Doctor”, em que acompanhou um médico na província. O seu último grande trabalho intitulou-se “Minamata”, que é uma aldeia no Japão onde ocorreu um desastre ecológico com consequências trágicas para a população: houve uma geração que nasceu com deficiências físicas muito evidentes. Em todos estes casos, eu ressaltaria um aspecto que é, de facto, singular: é que hoje em dia desapareceu, de certa forma, o fotojornalismo, a presença da imagem na imprensa, que era a ideia de que o fotógrafo, pelo facto de contar uma história ou fazer um trabalho fotográfico sobre um assunto, devia envolver-se, devia criar cumplicidade com esse próprio assunto. Partindo desta premissa absolutamente fundamental: eu posso dizer coisas mais justas e mais complexas sobre aquilo que conheço melhor. Ele teve uma atitude muito antropológica de criar laços, proximidade, fazer uma representação a partir de dentro, não tendo a pretensão de ser objectivo. E isso é um aspecto que eu associo muito à pertinência ou valor do tema “lugar” no domínio da fotografia, que é esta ideia da fotografia poder promover uma nova atenção sobre um determinado fragmento do real. No limite, é apenas isto que nos fala das imagens. Já vimos quase tudo. Já não há aquele espanto que os primeiros espectadores tiveram quando viram as imagens – ainda na primeira metade do século XX, algumas imagens deixavam-nos surpreendidos com o assunto – hoje em dia, eu diria que a questão essencial se prende com a atenção, como o fotógrafo consegue reconfigurar, recontextualizar a atenção sobre determinados aspectos ou representações. Isto faz-me retomar um aspecto que abordei no início, sobre a questão dos eventos de arte contemporânea, sobre a fotografia, já que, em última instância, eu estou preocupado se o evento está muito próximo da arte contemporânea ou se vem esepecificamente do ramo mais disciplinar da fotografia. Aqui o que me interessa, hoje em dia, mais do que esses subsistemas sociais, é criar contextos de reflexão sobre representações contemporâneas. Eu privilegio o trabalho sobre a fotografia, portanto, muito mais do que por arte contemporânea, interesso-me por representações contemporâneas, porque a fotografia não pode ser fechada dentro de um debate que tem a sua especificidade, como é o da arte moderna e o da arte contemporânea. Eventualmente, um dos aspectos mais importantes da fotografia na História foi o ter obrigado as artes plásticas a redefinir os seus próprios limites e a sua relação entre aquilo que é arte e aquilo que não é. E a fotografia foi decisiva nesse ponto. O fotográfico teve um papel decisivo nessa fronteira, de recategorização: a própria fotografia recategoriza-se permanentemente. Não admira que práticas tão específicas como as práticas da apropriação tenham passado muito pela fotografia, com esta relação com o exterior, com a ideia de contexto, de nomeação.


P: Imagino que intelectualmente o seu trabalho seja muito gratificante. Quais são actualmente as questões mas debatidas entre os especialistas da fotografia, da imagem?

R: O debate da fotografia é curioso, eu não acho que exista um grande debate sobre a fotografia. Quando analiso a história da fotografia, em comparação, por exemplo, com a história do cinema – para falar de uma coisa mais próxima – se eu comparar o volume de produção teórica no cinema e o volume de produção teórica na fotografia, é entre oito e oitenta. A produção teórica na fotografia é bastante reduzida. Não deixa de ser curioso que, ainda hoje, muitos autores e ensaios sobre fotografia voltam a pegar nos textos do Walter Benjamin, da Susan Sontag, do Roland Barthes, que não são propriamente teorias, são divagações sobre a fotografia, e isso é muito interessante. Isso pode ser um sinal de uma menor reflexividade no domínio da fotografia mas não é necessariamente isso. Grande parte dos livros de fotografia e dos mais eficazes exemplares são como que teorias inacabadas, porque há um problema permanente do que é que delimitamos quando dizemos que queremos fazer algo sobre fotografia. Posso dar um exemplo sobre a história da fotografia, de um debate permanente entre historiadores, que é mais ou menos consensual, que é: não há uma boa história da fotografia. E isto não porque os historiadores tenham um trabalho sem qualidade, mas porque talvez seja impossível fazer uma boa história da fotografia. Quando nós fazemos uma história da pintura, podemos fazer uma história dentro de um subsistema social concreto: há pessoas que se denominam artistas, fazem exposições em museus, galerias ou outros espaços e, a partir daí, é possível construir uma história. Há uma unidade material, que foi variando, com a própria materialidade da cultura. Agora, com o exemplo da história da fotografia, dizemos o quê? É uma história da arte fotográfica? É uma história do fotojornalismo? Da fotografia na ciência? Grande parte da história da fotografia entra neste dilema, entre falar de tudo mas não falar de nada. Os fundamentos, os alicerces conceptuais, ontológicos, epistemológicos da ciência médica e como esta utiliza a fotografia não têm nada a ver com os mesmos critérios que se utilizam no âmbito da produção artística. Por isso é que alguns historiadores – e isso foi muito comum na década de 70, sob influência do pós-estruturalismo – diziam que o que fazia sentido era fazer uma história da fotografia dentro de cada contexto de uso: uma história da fotografia na imprensa (muito sob a influência da própria filosofia da linguagem e de Wittgenstein), uma história da fotografia no campo social da arte, na publicidade, etc. No caso da publicidade, não foi a fotografia em si que foi mudando, mas sim a própria doutrina e pressupostos da publicidade que foram variando com o tempo e foram tendo consequências na prática fotográfica. E, para além disto tudo, há um outro dado que nunca esquecemos. Eu não tenho um número, mas, sendo um produto que depende de uma economia industrial, eu tenho quase a certeza (tenho ideia, mas não tenho nenhum dado) que, do ponto de vista económico, a produção pessoal e familiar será maior, de longe, do que toda a produção artística, do que toda a produção de fotografia na ciência. E como é que é possível teorizar este domínio? Tínhamos de fazer uma teoria social global. É por isto que muitas vezes é difícil ter uma discussão teórica geral sobre a fotografia. O que existe, e parece-me que é pertinente, é uma discussão sobre obras, tendências – por exemplo, a tendência para uma certa fotografia sob influência do cinema... Pode construir-se uma teoria a partir daí. Ou, agora mais recentemente, a questão do debate digital, que está muito em voga. Há imensos textos sobre o assunto mas, pessoalmente, confesso que não é um debate que me interesse muito, por variadíssimas razões. No essencial, daquilo que me interessa na fotografia, o digital não veio alterar nada: a natureza das imagens não é diferente. Dizemos muito, numa teoria mais canónica, que a imagem fotográfica é uma imagem indicial, tem uma relação de índice, de continuidade física com o assunto fotografado. Isso existe na fotografia analógica e também na digital. O que o digital fez foi prescindir da película, mas se calhar, a película que se utilizava em 1995 já não tinha nada a ver com a que se usava em 1910. A única coisa que, no digital, é de facto notória, é o ter agilizado muito o trabalho de pós-produção de imagem. Mas não foi o digital que inventou a manipulação. Eu posso dar exemplos de manipulações que datam de três anos a seguir à invenção da fotografia e mais tarde – montagens fotográficas, que estiveram sempre presentes na história. O digital fez, eventualmente, algumas coisas importantes: agilizou estes processos; possibilitou alargar os mecanismos de exibição das imagens, por via do vídeo, a maneira como as imagens circulam na net – e acho que a fotografia foi a que beneficiou mais com isso. De facto, vê-se muito melhor fotografia num ecrã de computador, do que uma pintura ou uma escultura – nesse sentido, favoreceu a fotografia; o ter democratizado ainda mais a produção fotográfica – hoje em dia, todos temos máquina fotográfica e um telemóvel que tira fotografias; e o mais importante de todos, o ter instalado definitivamente o senso comum de que a fotografia é uma imagem que tem uma relação muito paradoxal com o real. Instalou-se um senso comum, de uma forma muito mais abrangente, uma espécie de distanciamento sobre o peso real da imagem. Mas tirando isso, no essencial, no fundo teórico da imagem na produção fotográfica, não há nada de absolutamente revolucionário. Há imagens que são totalmente geradas por computador, não são feitas por máquinas fotográficas, mas curiosamente muitas delas tentam seguir o modelo fotográfico, para se parecerem com uma fotografia. É um debate muito insistente, há uma série de textos, sobretudo na literatura anglo-saxónica e americana, como “Photography after photography” e “The end of the photographic era”, mas eu acho que, no essencial, não há nada de absolutamente significativo nessa perspectiva.


P: Portugal mantém-se a par das referências e dos debates mais actuais sobre o fotográfico?. Que avaliação faz do contexto português no campo da fotografia?

R: Falando da fotografia portuguesa, é importante diluir cada vez mais a distinção entre fotógrafos e artistas que utilizam a imagem, que é uma distinção que pode ser importante para um mercado, mas que, para um programador, não tem interesse nenhum. Eu não dou mais crédito a uma imagem porque é feita por um artista plástico que, pontualmente, utiliza a fotografia, do que a uma feita por um fotógrafo profissional que, de vez em quando, faz trabalhos artísticos. Interessa-me é a realidade da obra. A obra em si autonomiza-se da personagem e desse tipo de convenções que são uma coisa que não me interessa. Mas acho que existe, hoje em dia – se compararmos com a produção fotográfica que havia, quer nos anos 90, quer há 20 anos – uma diversidade, uma abrangência, uma frescura, numa nova geração, que eu acho muito reconfortante. Acho que há trabalhos muito interessantes, que há gente muito interessante. Muitos são novos, apenas dão uma ideia do que pode daí advir, mas eu sinto que há uma contemporaneidade da imagem fotográfica em Portugal que não fica nada a dever a novas gerações que tenho visto em Espanha, em França e noutros países. E, curiosamente, com as dificuldades que são inerentes em Portugal, dificuldades de formação qualificada dentro destas áreas. Eu sou professor na escola Ar.Co, que eu acho que desenvolve um curso de fotografia com bastante qualidade, mas pela realidade da própria instituição, quer dizer, não temos as condições materiais, financeiras ou humanas que existem noutras escolas, por exemplo, em escolas alemãs. Eu conheço algo sobre a escola de Leipzig, que é neste momento uma grande referência da formação na fotografia na Alemanha. Os alunos podem fazer as suas molduras, há ateliers, há tudo, há condições, terminam com uma exposição com catálogo... Tudo isto contribui para ajudar à integração de um artista no mercado e, portanto, apesar de todas as dificuldades para muitos autores em fotografia, eu acho que o panorama é muito interessante.


P: A que se deve o facto de haver poucas publicações sobre fotografia em Portugal? Existem estudos académicos que ficam circunscritos a círculos restritos… Mas, qual será a obra de referência da história da fotografia portuguesa? Há alguma?

R: Não. Quer dizer, em relação à promoção do conhecimento histórico sobre a fotografia e sobre as publicações, eu acho que aí entramos em problemas mais lamentáveis da política cultural dentro desta área. E agora já não há desculpa para dizer que, depois do 25 de Abril, houve um momento em que existiam outras prioridades, como a promoção a estruturas, a projectos... Eu não percebo porque é que, insistentemente, nos últimos 20 anos, as instituições públicas que têm a responsabilidade de financiar e promover a produção fotográfica, canalizaram grande parte dos seus orçamentos apenas para apoio a realização de projectos, exposições e catálogos. Eu estou cansado dos catálogos que se fazem em Portugal. Primeiro, é uma pena que sejam raros os fotógrafos portugueses, já com alguma experiência, que têm obras monográficas. O mercado é pequeno, sabemos que os livros de fotografia têm tiragens de 1000 exemplares e isso não tem nenhum retorno financeiro, por isso, teria de ser o Estado ou alguma instituição privada que faça algum serviço público a ter a responsabilidade de promover a produção teórica e livresca na área da fotografia. Acho incrível que não exista nenhuma obra de referência da história da fotografia universal traduzida para português. O Michel Frizot não está traduzido para português, e só recentemente é que há alguns livros, como o da Rosalind Krauss, que foram traduzidos. E é uma pena, é uma lacuna muito grande e não teria um custo tão alto como pode pensar-se. É uma pena que as instituições que têm a responsabilidade de o fazer não tenham a atenção de, quando definem os programas de apoio, contemplarem a área da produção de livros. E livros que não sejam apenas catálogos, que não sejam apenas reproduções de imagens, que haja produção teórica. Eu estou, neste momento, a fazer um projecto que, dentro de dois anos, espero que possa ser tornado público, que é uma grande base de dados sobre a história da fotografia em Portugal, feita com critérios científicos, que vai estar online, para servir investigadores, fotógrafos, comissários e o público em geral. Qualquer pessoa pode ver 30 ou 40 imagens das 100 figuras da história da fotografia em Portugal, até hoje; é possível ter uma listagem de bibliografia de referência, ter uma cronologia, saber as fontes, onde é que estão as obras... Eu tomei a iniciativa do ponto de vista privado, participei num concurso para uma base de dados... É uma pena que nenhum organismo de Estado o tenha feito antes. Estou a mobilizar investigadores, que trabalham por alguma carolice, porque estamos a descobrir todo um mundo sobre a produção fotográfica em Portugal.


P: Que avaliação faz da situação do Centro Português de Fotografia?

R: Eu acho que o Centro Português de Fotografia tem vários problemas. Tem um problema de origem que provém da maneira como foram definidas as suas funções. Eu não sou um jurista, não percebo nada desse assunto, mas, à partida, um cidadão comum estranha que possa haver uma instituição que é, simultaneamente, museu, arquivo, escola, que desenvolve programas de apoio a projectos... Acho que há aí uma sobreposição e inclusive uma incompatibilidade de funções. E deviam separar-se as coisas. Eu fiz parte de um júri de atribuição de bolsas no Centro Português de Fotografia e reparei que muitos dos projectos também estavam a ser apresentados ao programa de apoios pontuais do Instituto de Arte Contemporânea... Eu não quero avaliar o Centro Português de Fotografia do ponto de vista pessoal das pessoas que o dirigiram – estou a falar da Teresa Siza em particular, não sei em que condições é que trabalhou e, portanto, acho que não tenho nenhum direito de fazer um juízo crítico. O Centro Português de Fotografia foi sobretudo uma instituição regional, eles criticam muito o centralismo de Lisboa, mas fizeram o mesmo. A repercussão do Centro Português de Fotografia fora do Porto é muito baixa. Eu lembro-me de muito poucas exposições do Centro Português de Fotografia que tenham circulado por Lisboa. Tenho pena que no trabalho feito sobre a colecção, não tenha havido o contributo para a investigação da fotografia portuguesa, não notei resultados muito significativos... Acho que houve uma sobreposição de funções e que isso levou a que não se concentrassem no mais fundamental: trabalhar, investigar e divulgar o património histórico que tinham à sua guarda. É essa a questão essencial. Sobre o património, o Centro Português de Fotografia devia ter ido muito mais longe. Mas eu não sei em que condições é que trabalharam. Quando eu ouço histórias dos directores dos museus a queixarem-se de que não têm dinheiro para comprar papel higiénico, tenho de ter alguma prudência quando critico os resultados da investigação histórica de uma instituição como o Centro Português de Fotografia. Agora, factualmente, os resultados ficaram abaixo das expectativas.


P: Dirigiu a LisboaPhoto em 2003 e 2005 e a Câmara Municipal de Lisboa decidiu não dar seguimento à realização de outras edições da bienal. Qual a sua opinião sobre do assunto? Que opinião formulou quando a CML decidiu não realizar edições seguintes?

R: Não foi uma surpresa. Quando terminou a edição de 2005, estava totalmente claro que eu não ia continuar e, sobretudo, havia uma questão absolutamente essencial, que é a seguinte: trata-se de um evento organizado por uma instituição pública e eu não sou comissário de fotografia da Câmara Municipal, portanto, eles teriam de convidar outra pessoa. Mais do que uma desilusão pelo fim de um evento a que estive ligado, eu acho que, mais uma vez, se perdeu uma oportunidade. Ao trabalhar na 11ª edição da PHotoEspaña, percebe-se que eu hoje estou a lucrar de mecanismos que foram criados pelos meus antecessores, que o tempo construiu o prestígio daquele evento, e que existe uma facilidade de produzir e angariar projectos e financiamento que são o resultado dessa consagração histórica que o evento foi adquirindo. Considero que o problema da LisboaPhoto é uma falta de responsabilidade política em que as equipas mudam – basta mudar um director de um departamento da Câmara para se mudar completamente de política cultural. Não há projecto que resista. E quando está mais do que diagnosticado que o problema, muitas vezes, é uma questão de política cultural, de continuidade e de sustentabilidade, acho que aquilo que se passou é lamentável. A CML argumentou que o problema era financeiro. Eu acho que, se de facto não havia orçamento para fazer a LisboaPhoto, tomou-se a decisão correcta, mas é estranho pensar: se dois anos antes havia – apesar de serem outras pessoas – como é que não conseguiram criar-se mecanismos para salvaguardar o objectivo primordial, que era dar continuidade a um projecto. Aqui há uma questão importante: a LisboaPhoto foi organizada pela Câmara Municipal, mas talvez, não devesse ter sido. Mas esse primeiro passo, saber que estrutura é que deve ser responsável pela LisboaPhoto é um caso muito paradigmático em que a responsabilidade do poder político deve criar condições e promover a criação de estruturas que possam desenvolver estes projectos. No limite, não faz sentido que seja uma Câmara Municipal a desenvolver uma LisboaPhoto. Como não faz sentido que a LisboaPhoto tenha um orçamento em 90% assegurado pelo Estado. Eu, na altura, disse que os eventos de fotografia têm, tendencialmente, sucesso de público, portanto, têm logo, à partida, uma capacidade enorme de angariar patrocínios. Aqui o objectivo a médio ou longo prazo era ser 50-50%: criar-se condições para que a LisboaPhoto pudesse autonomizar-se da Câmara, mantendo o objectivo de cumprir um serviço público e tendo a Câmara uma palavra de peso na sua organização e nos seus fundamentos, mas sem haver bizarrias burocráticas como eu deslocar-me a uma cidade na Europa para pedir um desconto num fee de uma colecção e a minha viagem ter de ser autorizada pelo presidente Pedro Santana Lopes. Quer dizer, é uma bizarria que um projecto destes esteja dependente de que o presidente assine a autorização. Do ponto de vista funcional, acho que a Câmara nunca mais deveria fazer a LisboaPhoto. A Câmara Municipal deve é criar – acho que isso é uma função do Estado – as bases, os fundamentos, sensibilizar a sociedade civil, ajudar a constituição de estruturas e depois, elas seguem o seu próprio rumo. Não é uma preocupação do Estado, o que é uma pena.


P: Falámos da LisboaPhoto e da PHotoEspaña. O que há de semelhante e de diferente entre os dois eventos?

R: Há diferenças de escala notórias. Há diferenças na capacidade de produção – não na competência de produção, que essa é igual: a LisboaPhoto foi produzida por quatro pessoas e eu acho que fizemos um trabalho bastante meritório – neste momento tenho uma equipa (de forma mais ou menos directa) de cerca de 30 pessoas, envolvidas na PHotoEspaña. A capacidade de produção é maior. O que sinto, desde logo, mas isso também pode decorrer do facto de ser um evento que já tem história, é que existem objectivos muito mais claros. O programa deve ter atenção a determinados aspectos, a preocupação com o público é muito mais evidente, é uma preocupação real. Nunca fui confrontado com a ideia de se fazer procissões populares, no mau sentido, mas que uma percentagem significativa do programa pudesse ser verdadeiramente abrangente para o público. Aquilo que me permitiu fazer, o que eu tentei fazer – e acho que isso não é uma limitação, pelo contrário, acho que é muito interessante – é criar situações-contraste. Numa instituição está uma exposição de um artista com um trabalho visualmente muito mais impactante, mas dentro da sequência do percurso de exposições da PHotoEspaña, uma pessoa sai dessa exposição, atravessa a rua e a seguir vai ver outra completamente diferente, muito mais fechada, mais específica do debate da arte contemporânea e, portanto, eu acho que estes contrastes são importantes. No Museo Reina Sofía, temos duas exposições: uma é de um fotógrafo dos anos 60, Leonardo Cantero, espanhol, uma das figuras da escola de Madrid, que é um foto-repórter no sentido mais tradicional (é um óptimo foto-repórter): fotografa os ambientes de rua em Espanha, em vários lugares no interior do país, faz uma fotografia documental; e, ao mesmo tempo, temos outro, o Robert Smithson, que expõe um trabalho documental, mas é outro tipo de documental, que nem foi feito como obra de arte: o “Hotel Palenque” foi a conferência que o Robert Smithson deu numa universidade para estudantes de arquitectura, sobre um hotel no México, um hotel próximo das ruínas da Civilização Maia. Possivelmente há uma pessoa que vai ao Reina Sofía mais interessada em ver Robert Smithson mas será confrontada com o Leonardo Cantero e vice-versa. A função de um comissário é criar contextos que favoreçam a percepção do trabalho dos artistas mas, ao mesmo tempo, confrontar o público a ter um outro exercício de atenção sobre os próprios objectos artísticos. Isso é muito importante. Um dos critérios que eu tentei ter muita atenção e, portanto, isso é muito notório no programa em Madrid, porque são muitas exposições, foi a própria territorialização dos projectos, da tipologia dos trabalhos, a criação de situações de contraste. Outro caso, no Círculo de Belas Artes, na sala de Picasso, está a exposição da Roni Horn, que é uma exposição muito fria, de uma artista que segue uma certa herança do minimalismo, há um sentido alegórico da imagem que é muito peculiar e, ao mesmo tempo, está o “Video Sections of a Happy Moment” de David Claerbout – que já esteve exposto na Gulbenkian – uma obra com um carácter muito mais sentimental, um trabalho em que há uma emotividade muito mais imediata. Eu acho que este tipo de contrastes podem ter um valor formativo.


P: Que tipo de experiência espera retirar desta organização? E quais são os resultados previstos? Por exemplo, em termos de público

R: Eu espero bater todos os records de público (risos). Espero que as pessoas possam ir, naturalmente, há pessoas que vão gostar, há pessoas que não vão gostar, outras que vão estranhar... Mas eu acho que as coisas não podem ser medidas apenas sobre uma apreciação racional das exposições, porque a nossa relação de espectadores com as obras de arte não é assim. Muitas vezes, ficamos muito marcados com peças das quais não conseguimos perceber o nexo, mas há uma transpiração que é específica da nossa relação com os objectos artísticos. O que eu gostaria era que o programa fosse um sucesso de público, que as pessoas experienciassem algo de novo nas exposições – e eu acho que, nesse sentido, uma exposição de arte ainda é um contexto de resistência sobre aquilo que é a experiência quotidiana hoje em dia. Espero que o público goste e que eu próprio possa ter dado um contributo à oferta cultural em Madrid. Isto pode parecer um disparate, mas, no contacto com jornalistas, muitas vezes as pessoas perguntam “o que é que você acha que traz de novo?”. O que eu trago de novo é o facto de ser uma pessoa que não vive cá, de ser uma pessoa diferente, de uma geração diferente dos comissários que me precederam, com uma trajectória diferente. Os festivais, os contextos de exibição de arte contemporânea devem ser espaços de diversidade, devem ser espaços dinâmicos, porque se seguirmos programas completamente contínuos e coerentes, cria-se uma situação bizarra e, pelo facto de ser o primeiro não-espanhol a comissariar a PHotoEspaña, aquilo que eu posso dar é uma perspectiva diferente. Um dos critérios que eu utilizei um pouco para definir o programa prende-se com a minha reacção relativamente ao estereótipo que eu tenho em relação à fotografia espanhola, ou ao leque da cultura artística espanhola. Há uma propensão dramática na arte espanhola que eu não reconheço na arte portuguesa e também reajo um pouco a isso, acho que tenho de reagir, porque sou uma pessoa diferente, com uma história diferente...


P: Qual foi a sua primeira reacção ao ser convidado para comissariar este evento. Aceitou de imediato?

R: A primeira reacção... Da primeira vez, não foi propriamente um convite…


P: Foi sondado?

R: Escreveram-me, escreveu-me a nova directora, que eu não conhecia. Já tinha colaborado uma vez com a PHotoEspaña, mas com um director que entretanto foi substituido. A Claude Bussac disse que gostava de falar comigo sobre o meu interesse em comissariar a PHotoEspaña e que estavam a falar com outras pessoas, como o deveriam fazer. Isto já foi no início de 2007, ainda havia alguns resquícios da ressaca da LisboaPhoto e, portanto, fazer outra vez um grande evento dedicado à fotografia, ainda por cima, três anos seguidos, não era uma coisa que, à partida, me interessasse muito. A minha primeira reacção foi “não sei se vai ser possível, porque eu tenho outros projectos, quero fazer um doutoramento – que, na altura, já tinha suspendido por causa da LisboaPhoto e que está outra vez suspenso – e percebi que a reorganização profissional e pessoal iria ser radical. Mas quem programa, quem gosta de fotografia e de história de fotografia e quem já tinha tido uma experiência neste tipo de projectos, fica sempre com aquela ideia “ok, não dá muito jeito, mas eu adoraria fazer este projecto, aquele projecto e o outro, que ainda não consegui fazer, gostava de fazer uma exposição sobre aquele fotógrafo...”. Rapidamente cheguei à conclusão de que, se eu algum dia conseguiria estar envolvido em 70 exposições em três anos, era agora. Daqui a dez anos, não vou ter energia para o fazer. Só agora é que vou poder fazê-lo. Também pelo facto de o panorama português ser muito limitado e estarmos num período de recessão económica que, naturalmente, limita muito a produção cultural, achei que se o contexto por cá não era animador, então, bestial, vou trabalhar em Espanha.


P: Gostaria de terminar com o seguinte exercício temporal e pedir-lhe uma resposta muito pessoal a esta questão: A notícia foi dada - Sérgio Mah será o comissário geral da 11 ª edição do PHotoEspaña, festival anual de fotografia e artes visuais que se realiza anualmente em Madrid. Se tivesse lido esta notícia há 11 anos o que pensaria?


R: Já há tempos perguntaram-me se eu sentia um orgulho especial ou um peso... Não...


P: Neste momento é o comissário português mais internacional…

R: É um trabalho, eu estou em Madrid a trabalhar, e a maior parte do tempo, não ando com um sorriso nos lábios. Isto é um tipo de trabalho muito entusiasmante, mas também muito extenuante. Do ponto de vista da internacionalização... Eu acho que a internacionalização dos artistas é muito mais difícil do que a dos comissários. Acho que tive a sorte de haver um conjunto de pessoas que percebeu que queria convidar um estrangeiro pela primeira vez, que não queria convidar uma daquelas figuras habituais, comissários de fotografia mais conhecidos, alemães ou ingleses, queria um comissário mais jovem, com uma visão diferente. Depois, algumas das pessoas da instituição já me conheciam, porque eu tinha comissariado uma exposição e o projecto correu bem, a mostra foi muito bem sucedida e o nosso relacionamento pessoal também... E, portanto, chegaram ao meu nome. As circunstâncias foram favoráveis, mas foi um processo muito natural. Isto pode ser estranho porque, por exemplo, em Portugal, devíamos ser mais permeáveis a comissários estrangeiros. Acho que há um contributo sobre como pensar as exposições e programas expositivos e isso é muito importante. Os poucos casos de comissários estrangeiros que estão neste momento a trabalhar em Portugal, acho que são casos muito interessantes, que deram um contributo muito significativo. Uma coisa que é óptima e, de facto, para mim, é uma mais valia em Madrid, é eu não ter nenhuma relação pessoal com o meio, com as galerias, com as instituições e, portanto, eu posso fazer uma avaliação fria. Não tenho de estar dependente, não tenho de fazer diplomacia, que lidar simultaneamente com profissionalismo e amizade. Se eu tiver uma discussão de manhã com alguém, em Madrid, não vou encontrá-la à noite num jantar em casa de um amigo. Em muitos casos, isso facilita o trabalho. Posso fazer uma avaliação fria e não tenho nenhum constrangimento para dizer aquilo que penso.



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