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VERA CORTÊS
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Começou em 2003 a produzir exposições em espaços diversos da capital, através da sua agência cujos “dois grandes objetivos eram dar visibilidade a jovens artistas e criar novos colecionadores”. Em 2006 estabelece-se num espaço próprio e começa a representar artistas, criando a Galeria Vera Cortês, uma das mais dinâmicas e internacionais galerias portuguesas.
Em conversa com Sérgio Parreira, a galerista traça aqui um percurso pessoal e profissional, revisitando estes 15 anos de trabalho, sem arredar olhos do futuro.
Por Sérgio Parreira
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SP: Eu diria que um pouco de background é sempre uma ajuda para se entender como chegámos onde estamos hoje. Queres tentar descrever sucintamente como tudo começou: desde a Vera Cortês Art Agency e eventualmente antes disso. Quando começa a tua paixão por arte contemporânea / artes visuais?
VC: A minha paixão por arte contemporânea vem dos artistas, de os conhecer e do convívio com eles. Após trabalhar dois anos com o galerista Luís Serpa, decidi abrir o meu próprio projeto que não era uma galeria no sentido convencional. Não tinha espaço expositivo próprio e não representava artistas. Os dois grandes objetivos eram dar visibilidade a jovens artistas e criar novos colecionadores. Mostrar que a arte pode ser acessível e deve fazer parte da vida de todos. Ser jovem artista em 2003 não era fácil, as galerias eram poucas e não havia as bolsas, prémios ou a necessidade de media que há hoje. Tinha um pequeno escritório/ showroom no Largo Barão de Quintela no Chiado e íamos procurando espaços para expor (Galeria do Promontório Arquitetos, Politécnica 38, etc.).
SP: Como acontece a transição de Vera Cortês Art Agency para Galeria Vera Cortês? Que fatores determinaram essa transição, e quais foram concretamente as especificidades dessa mudança?
VC: A mudança dá-se em Janeiro de 2006 quando passámos a representar artistas e a ter um programa regular no nosso próprio espaço na Av. 24 de Julho, para onde tínhamos mudado em Setembro de 2005 por uma necessidade programática e de estabilidade expositiva. Entre os finais de 2005 e meados de 2006 ainda houve um misto entre agência e galeria. Fazíamos duas exposições por mês, muitas de artistas que ainda não representávamos.
SP: Queres contar-me um pouco como foi / é o teu processo de escolha dos artistas que tens hoje na galeria?
VC: É fácil... Os artistas e curadores que eu admirava, tanto como pessoas, como pelo seu trabalho, são os que, na grande maioria, me foram recomendando e sugerindo outras pessoas.
SP: Tens algumas estratégias ou, talvez seja mais correto, práticas e / ou valores enquanto galerista que gostasses de destacar, e que ilustram a forma como te relacionas e atuas no meio, seja em Portugal ou internacionalmente?
VC: Muito trabalho em conjunto com os artistas, respeito por todos e pelo meio, e persistência.
SP: Queres desvendar um pouco o que é esse trabalho que realizas em conjunto com os artistas?
VC: Esse trabalho conjunto, essa colaboração, passa por definir estratégias de carreira que incluem desde a internacionalização, em posicionar as suas obras em museus e coleções de referência, na edição de publicações, e até na produção e montagem das exposições tanto dentro como fora da galeria. Afinal de contas o que gosto é desse trabalho “side-by-side” com os artistas.
SP: Imagino que visites os ateliês de alguns dos teus artistas, daqueles que pelo menos se encontram numa distância geográfica que te permite fazê-lo…
VC: Claro! Visito frequentemente os ateliês dos meus artistas. No caso daqueles que não vivem em Portugal, conversamos muito pelo Skype e afins, de forma a manter o contacto e para estar a par do que estão a produzir ou a planear. Faz parte do nosso processo de trabalho.
SP: Ainda no tópico de relacionamento profissional e humano com os artistas, e nomeadamente no caso daqueles que se encontram um pouco mais distante de Portugal, neste momento tens patente até dia 5 de Maio uma exposição individual da Susanne S. D. Themlitz. Colocando de parte as questões mais pragmáticas ou burocráticas de trabalho e produção, e considerando que a Suzanne vive na Alemanha, o que gostarias de salientar do processo até ao momento de abertura da exposição?
VC: A Susanne e eu trabalhamos juntas desde 2000; estava eu ainda a trabalhar na Galeria Luis Serpa. Por isso conhecemo-nos muito bem pessoal e profissionalmente. A Susanne vive em Colónia, mas é raro passar mais de uma semana sem nos falarmos… Quanto ao processo, no momento em que marcamos a data (como habitual, com um ano de antecedência), começamos a falar das suas ideias para a exposição e acompanho através de videochamadas e fotografias o decurso da produção (confesso que adoro a fase de produção!). Mais tarde decidimos o título, pedimos um texto crítico à Ana Cristina Cachola (maravilhoso!), preparamos as imagens de divulgação, o evento da inauguração, etc. O dia em que as obras chegam à galeria é sempre uma alegria! E aí, em conjunto, montamos a exposição.
SP: Uma galeria difere obviamente de outros espaços expositivos não comerciais. No entanto, o galerista é também um curador / programador de um espaço eminentemente cultural.
Concordas com esta afirmação?
VC: O que te posso dizer é que o desejo de um galerista é que a exposição e o trabalho do artista chame a atenção e que tenha visibilidade e sucesso (com tudo o que daí advêm). Como galeristas fazemos tudo o que for necessário e que esteja ao nosso alcance para conseguir esse sucesso junto das instituições, dos curadores, dos colecionadores e da imprensa. A nossa visão tem que ser panorâmica e acompanhar o processo como um todo; aquilo que nós chamamos “fazer acontecer.” Acredito ainda que o sucesso de uma galeria depende dos seus artistas, e não, o contrário. Uma galeria não existe sem os artistas, mas um artista existe sem uma galeria.
SP: Simultaneamente ao trabalho da galeria tens as feiras de arte que só estas são um projeto por si só. Pelo que vi das feiras que fazes, estas tem sido um processo, que acredito de descoberta, de investimento e tentativas. Manténs-te fiel à ARCO desde 2007, onde perfazes agora 11 anos consecutivos. O que tem a ARCO que outras feiras não têm?
VC: As feiras são muito importantes na estratégia de internacionalização da galeria e dos artistas. É claro que são um grande investimento, mas também é onde temos a possibilidade de apresentar os nossos artistas a novos colecionadores, curadores e instituições internacionais com os quais, talvez de outra forma não conseguíssemos. Neste momento, temos toda a atenção virada para Portugal, mas nem sempre foi assim. E este contacto nas feiras dá sempre frutos. Podem não ser imediatos, mas as coisas acabam por acontecer. No caso da ARCO, foi a primeira grande feira internacional em que participámos. O mercado espanhol conhece bem as galerias e os artistas portugueses e é por isso que, desde há muitos anos, há sempre um português no Comité de Seleção da feira. Desde 2016 calha-me a mim esse cargo.
rnrnÉ a feira internacional onde participam mais galerias portuguesas e isso é muito importante para se entender o contexto da arte portuguesa. Assim, a ARCO, para além de ser uma das feiras internacionais mais importantes, também é aquela onde nos sentimos mais “em casa”.
SP: Tenho imensa curiosidade em saber porque Miami apenas fizeste uma vez em 2007 com a PULSE, e não regressaram mais. Alguma razão para isso?
VC: Não podemos participar em todas as feiras de arte contemporânea que acontecem ao longo do ano por questões de calendário, logísticas e de programação, por isso vamos escolhendo as que fazem mais sentido para nós.
SP: Consideras haver diferenças significativas entre o mercado europeu e o norte-americano? (Da tua experiência e participação em feiras de arte em ambos os continentes.)
VC: Além de Miami que já referiste, a minha experiência de participação são fundamentalmente as últimas três edições do The Armory Show, e salvaguardando que o mercado norte-americano é muito mais do que apenas uma feira, posso obviamente dizer que é um mercado maior e aparentemente mais dinâmico.
SP: O The Armory Show é, possivelmente a par da Frieze New York em Maio, a feira de arte contemporânea mais relevante a acontecer anualmente em Nova Iorque. Este ano eras a única galeria portuguesa no The Armory Show; achas que isso pode ser vantajoso em termos comerciais?
VC: Nunca é bom ser a única galeria portuguesa. Como em tudo, a união faz a força. Quanto mais galerias de uma nacionalidade há numa feira, maior a visibilidade e maior a importância dada aos artistas e às galerias dessa proveniência.
SP: Durante os dias da feira, vi inúmeros posts no Instagram com imagens da peça do Alexandre Farto aka Vhils em styrofoam da série “Highlight.” Que importância consideras ter o Instagram hoje para a divulgação e comercialização de obras de arte?
VC: Hoje, do ponto de vista comercial, é difícil ignorar a importância das redes sociais. A nossa presença nelas, concretamente no Instagram, é muito importante para a divulgação do trabalho dos artistas e para atingir novos públicos.
SP: Nos últimos dois anos, a imagem de Lisboa e Portugal surge recorrentemente como um lugar atrativo para artistas, curadores, colecionadores e agentes das artes interessados em produzir eventos, como no caso da ARCO Lisboa. Só no site internacional artnet.com em 2017, li dois artigos que destacavam Lisboa e questionavam precisamente não apenas o que está a acontecer, mas também as expetativas de Lisboa se tornar num novo centro do mercado de arte internacional? Como vês este novo estatuto? É real, ou será apenas uma ilusão de quem observa do exterior?
VC: Vejo como justo! Como consequência de vários fatores sociopolíticos que conhecemos sobejamente, Lisboa ganhou esse estatuto de importante capital europeia que sempre deveria ter tido. Com isso veio a visibilidade de vários setores, entre os quais a arte. Como já referi em outras entrevistas, quando me perguntavam o que se passou na arte portuguesa nos últimos anos para estar tão interessante, eu respondo que “nada mudou, apenas olharam para nós.” Estamos iguais ao passado recente, exceto economicamente. Acho que o resto dá para ler nas entrelinhas…
SP: E o futuro da Galeria Vera Cortês? Em 2018, tens ainda as exposições individuais do André Romão, Detanico Lain e da Céline Condorelli. A encerrar o ano, uma coletiva com curadoria de Samuel Leuenberger, curador do programa Parcours da Art Basel desde 2015. Como surge esta colaboração com a qual terminam o ano?
VC: Por norma, todos os anos fazemos um group show com um curador, e este ano convidámos o Samuel. Conheci-o em Basel, quando o Daniel Gustav Cramer fez uma exposição no seu espaço SALTS, em 2014; desde aí temos acompanhado o seu trabalho no Parcours, no SALTS e outros projetos.