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MEIKE HARTELUST
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Meike Hartelust é directora geral da Tom Postma Design, uma empresa sediada em Amesterdão que se especializou em desenhar os interiores de instituições culturais, feiras de arte, eventos e exposições. Em conversa com Sérgio Parreira, Meike Hartelust traça não só o percurso desta empresa, fundada em 1998 por Tom Postma, mas também reflecte sobre algumas das delicadas questões que se balançam nestes ambientes: a necessidade de optimização do espaço e promoção do carácter comercial, versus o desejo de melhorar a experiência do visitante e responder à sua “sensibilidade estética”.
Por Sérgio Parreira
Nova Iorque, 13 de Abril de 2018
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Sérgio Parreira (SP): O modelo da feira de arte que reconhecemos hoje como contemporâneo começou em Colónia, e um pouco mais tarde em Basel na Suíça. O vosso atelier (Tom Postma Design), assina o design das feiras de arte mais importantes a nível mundial como é o caso da Art Basel e da TEFAF. Como ponto de partida eu gostava de entender qual é a vossa visão enquanto designers destes espaços onde se comercializam obras de arte, e qual foi o vosso primeiro projeto para uma feira de arte?
Meike Hartelust (MH): De fato não destacamos no nosso site o primeiro projeto. Mas deixe-me começar com uma descrição sucinta da nossa história enquanto atelier. Eu sou a diretora geral da Tom Postma Design. Estudei história de arte e arquitetura de interiores. A minha especialização é efetivamente arquitetura de interiores e no nosso atelier a minha função é de gestão financeira da empresa. O Tom (Tom Postma) é naturalmente o diretor. Ele começou a sua carreira como artista, com bastante sucesso enquanto escultor, representado em galerias e comissariado para vários projetos. A certa altura na sua carreira, o Tom apercebeu-se que se encontrava extremamente isolado no seu estúdio. Coincidentemente com este período na sua vida, a TEFAF convidou-o para realizar um projeto escultórico de larga escala para constar num espaço comum de uma das feiras, uma praça. Enquanto desenvolveu este projeto, apercebeu-se que a execução e desenho das feiras de arte acabavam por tocar em inúmeras vertentes artísticas que lhe interessavam profissionalmente. Um pouco por acaso e após esta experiência inicial, surgiram outros convites para intervir mais ativamente em todo o espaço e desenho da feira. A dimensão das colaborações foi sendo mais significativa até nos encontrarmos onde estamos hoje. Isto aconteceu há cerca de dezoito anos.
SP: Ele desenhou o espaço arquitetónico da praça ou criou uma escultura para ocupar esse espaço?
MH: Pode dizer-se que foi um misto de ambos, um projeto escultórico que acabou por definir a praça como espaço arquitetónico.
SP: Trabalha com o Tom desde o início?
MH: Não, eu comecei a trabalhar no atelier há cerca de cinco anos. Não fiz parte de toda a história da empresa.
SP: Consegue descrever o que equacionavam como soluções de design no momento em que começaram em comparação com o presente? Ou seja, continuam a procurar soluções para as mesmas situações ou os desafios mudaram assim como a forma de os resolver?
MH: Acho que o que mudou imenso desde que começamos a desenhar o espaço físico da feira de arte, foi o nível de investimento dos organizadores destes eventos no design e na execução do espaço. Como tem conhecimento, a evolução nos últimos vinte anos deste tipo de eventos foi exponencial. Logo, as expetativas hoje são diferentes, e mudam de ano para ano, seja por parte da organização das feiras, ou dos próprios visitantes. Como nós costumamos referenciar, as pessoas que visitam as feiras de arte, têm uma sensibilidade estética bastante aprimorada, principalmente em relação aos objetos de arte. Esta perceção e gosto é necessariamente refletida no espaço onde os eventos se realizam. Nos casos da Art Basel e da TEFAF, os organizadores estão a investir muito mais no design dos espaços com o intuito de responder às necessidades estéticas do próprio cliente que por norma viaja imenso internacionalmente e se tornou num cidadão global. Há hoje uma preocupação com o espaço que não existia antes. Simultaneamente, uma profissionalização e especialização nas várias vertentes de conceção e execução. Parte desta especialização passa pela otimização da planta das feiras, em que se tenta sempre executar uma implementação funcional que induza o espetador a visitar todos os stands, sem deixar passar nenhum espaço/galeria, por este estar escondido ou num local menos exposto. Criar um espaço amplo e fluido é também uma das prioridades. Os locais de lazer e restauração, como é o caso dos bares e restaurantes, mudaram imenso ao longo dos anos. Há mais cuidado no garantir do conforto do espetador/cliente, assegurar que tem uma experiência positiva, com espaços para contemplação e reflexão, onde se possa recarregar energias, com um ritmo agradável e relaxante. Se o ambiente é convidativo, os visitantes permanecem mais tempo, o que pode seguramente ter um impacto positivo nas vendas, que em suma é o objetivo da feira de arte: comercializar obras de arte.
SP: Consegue dizer-me se o conceito de “fadiga das feiras de arte” (art fair fatigue), ainda é uma preocupação para os designers destes espaços, ou será que o conceito, como resultado da otimização que estamos a falar, está ultrapassado?
MH: Ainda é uma preocupação. Mas a perspetiva mudou. Atualmente olhamos para o conceito, não como uma preocupação direcionada a uma feira específica, mas porque nos encontramos num período de globalização da feira de arte. Apesar desta leitura, o nosso trabalho será sempre focado num determinado cliente e nas suas expetativas. Seguramente que ajuda termos um entendimento da “problemática” pois dessa forma podemos expressar uma opinião e dar sugestões para uma potencial resolução ou minimização do impacto. Como teve oportunidade de referir na introdução que me enviou antes da entrevista, quase 50% das vendas de obras de arte acontecem hoje em feiras de arte. É na feira de arte que os colecionadores têm contato presencial com as obras do seu interesse, e também onde descobrem novos artistas. Assegurar que este local proporciona conforto e espaço para essa contemplação torna-se fulcral. A obra de arte continua a requerer uma experiência presencial, mesmo apesar do mercado online ter conquistado um crescimento considerável nos últimos anos. A feira de arte cria uma plataforma para o contato com a obra e a possibilidade de aquisição. Claro que estamos cientes de que há cada vez mais feiras de arte, e o desejo de estar presente em todas elas, o que naturalmente pode resultar numa fadiga latente. O que nós tentamos fazer é criar um espaço confortável e prazeroso, distante da experiência de entretenimento característica de um parque de diversões. Nós costumamos dizer que quando desenhamos a entrada de uma feira de arte, que esta deve transmitir claramente ao visitante, que ali acontece um momento de transição: ficam para trás os problemas do dia-a-dia, interioriza-se essa mudança e entra-se num local onde se vai disfrutar arte. Nós tentamos encontrar soluções com uma cadência e aparência suave, o que denominamos como execução e planeamento de um género de uma cidade. Costumamos também mencionar, figurativamente, que neste planeamento o visitante apenas encontrará, localizações A e B, e nunca localizações C. Ou seja, a simplificação máxima da cadência para a circulação, em que as pessoas se apercebem facilmente do percurso, entendem o início e o fim, e identificam sem dificuldade zonas de serviço, como é o caso de saídas de emergência, casas de banho, ou locais de restauração. Parte do nosso trabalho passa também por assegurar que todas estas estruturas encaixam no espaço disponível com a fluidez desejada. Nós trabalhamos sempre com a experiência do visitante em mente pois reconhecemos que a feira de arte pode tornar-se num acontecimento muito intenso, e com essa consciência, tentamos executar um espaço eficaz que proporcione uma experiência agradável.
SP: Há dois anos, quando visitei a Art Basel em Miami, fui agradavelmente surpreendido com uma espécie de ilhas com relva e oliveiras, espalhadas pelo espaço e corredores da feira. Recordo-me perfeitamente, e após deambular por mais de três horas no espaço particularmente inundado de visitantes, que me deitei num destes minijardins e recarreguei as energias que começavam a escassear. Naturalmente que esta solução não é um acaso e provavelmente é um exemplo das soluções que está a referir (…)
MH: Precisamente. Assegurar que há esse espaço de descanso e reflexão, pensar no que se viu até esse momento, se deverá ou não comprar esta ou aquela obra, faz parte do processo. Essas “ilhas”, para além de permitirem um espaço de descanso, funcionam como uma solução de “quebra” de uma possível monotonia espacial que os stands acabam por transmitir: tem um resultado muito prático de ajuda à “navegação” no espaço.
SP: Habitualmente gosto de entender a opinião dos agentes que trabalham diretamente nas feiras de arte em relação às obras de arte contemporânea. Qual é a sua opinião, adjetivos ou palavras que lhe ocorrem para a descrever?
MH: Não considero que essa questão se dirija a nós. O que nós fazemos com os nossos projetos de arquitetura e design, é assegurar que o que está em destaque é a arte e não a arquitetura do espaço. Claro está, e como já tive oportunidade de referir, há algumas zonas em que podemos transmitir um pouco a nossa identidade, como é o caso da zona de entrada das feiras, ou os espaços de lazer como referiu na Art Basel Miami Beach. No entanto, nós não temos qualquer intuito de competir com os objetos de arte, trata-se de um espaço em que o ponto de foco é a arte e não a arquitetura espacial que a acolhe. Devido ao fato de trabalharmos para inúmeros espaços relacionados com arte, a nossa equipa é composta por membros com as mais diversas formações, como é o meu caso em história da arte e arquitetura de interiores, ou ainda artistas e naturalmente arquitetos. Por isso, estamos bastante cientes das implicações da forma artística. É provável que tenhamos as nossas opiniões pessoais e preferências. Esse conhecimento e talvez opinião, pode ser extremamente útil em projetos como é o caso recente dos Encounters em Hong-Kong. Na Art Basel Hong-Kong foram criadas “praças” quadrangulares, com espaço para o público se sentar e esculturas de grande escala, expostas um pouco à semelhança da Unlimited na Art Basel na Suíça (com uma outra escala mas também faziam parte da planta do espaço). Este género de iniciativa é-nos muito querida, pois acreditamos que o objeto de arte como elemento delineador do espaço, é certamente um contributo para o projeto de design.
SP: Recentemente, tive a oportunidade de falar com a Jane Stageberg do estúdio que faz o design do The Armory Show em Nova Iorque: a Jane disse-me que já houve imensos casos, em que as galerias presentes na feira lhes solicitam diretamente ajuda para encontrar soluções de design para os seus stands/galerias. Fiquei com a ideia que isto é algo bastante comum, o que acaba por ser natural, considerando que vocês são os designers do espaço estrutural, estão no terreno a coordenar a execução do vosso projeto, que ficará concluído com obras de arte das galerias participantes.
MH: Sim, é verdade e fazemos isso muitas vezes. Na TEFAF por exemplo, há objetos e obras de arte com um cariz mais clássico, assim como joalharia, etecetera. Os stands ou galerias, tem visualmente um aspeto de loja quando comparados com os stands de galerias de arte contemporânea. Na TEFAF também fazemos o design para cerca de quarenta galerias presentes. Desenhamos desde o interior do espaço ao estudo em três dimensões da posição e colocação dos objetos, de forma a encontrar a apresentação mais favorável. Quem diz na TEFAF diz noutras feiras mais contemporâneas, embora nestas, as galerias já começam a ter também o seu próprio designer do espaço. Mesmo quando não estamos especificamente a desenhar o seu espaço, os galeristas colocam-nos questões puramente técnicas e práticas. Por exemplo, se tem uma obra de arte extremamente pesada que tem que ser suspensa a partir do teto do edifício; nós apresentamos soluções que consigam resolver tecnicamente a situação. Como desenhamos os modelos dos stands, podemos mais rapidamente imaginar soluções para as múltiplas questões que surgem. É um pouco como desenhar galerias num formato mais reduzido em que também consideramos as obras de arte que vão estar expostas.
SP: Eu tenho a tendência de romantizar e idealizar a feira de arte como um espaço de contemplação de arte, o que por vezes acaba por ser impossível. Como vê esta ideia da feira de arte como local de contemplação? Acha possível ou será um mito?
MH: Eu acredito que acontece. Como já referi no exemplo dos Encounters em Hong-Kong (em contraste com o espaço do stand/galeria,), era amplo e aberto, o que facultava a contemplação de objetos que muito possivelmente não poderia ver num outro local expositivo. Mesmo para o visitante, que não é necessariamente colecionador, a feira de arte expõe obras nunca vistas o que acaba por ser bastante inspirador. Na perspetiva do visitante, e se conseguir abstrair-se um pouco do fato que está numa feira, focando-se unicamente na arte, há imenso para descobrir e experienciar, quase que à semelhança de um museu.
SP: Exato. O museu é a comparação que eu costumo usar quando quero estabelecer um paralelo com a feira de arte e o número de obras que encontramos no interior destes espaços. No entanto, começo a ter a sensação que essa comparação pode ser extremamente injusta, principalmente devido ao fato da feira de arte ser eminentemente um espaço comercial…
MH: Mas a razão pela qual eu menciono o museu como termo comparativo, é numa alusão a experiências pessoais extremamente satisfatórias desde que trabalho para a Tom Postma Design. Quando as feiras de arte encerram, mesmo antes de inaugurarem, e eu faço a supervisão do espaço e da construção para me certificar que tudo está em conformidade com a nossa planificação; quando tudo está praticamente finalizado e as galerias com os seus artistas, começam a instalar todas as obras de arte… imediatamente antes da inauguração, seja na Art Basel Miami Beach ou em Hong-Kong, ou na TEFAF; e o mesmo acontece em feiras de menor dimensão… Sinto-me imensamente privilegiada ao ter a oportunidade de circular nestes espaços e disfrutar de uma visão que provavelmente poucos têm. Se fizermos uma análise mais pragmática, não é um museu, e não se trata de conservação de obras de arte, e está também muito distante de uma narrativa histórico-museológica, mas o foco é exclusivamente a obra de arte, e isso é extremamente especial.
SP: No que respeita às feiras mais tradicionais (considerando a tipologia de obras de arte expostas), eu conheço particularmente bem a edição da TEFAF no Park Avenue Armory em Nova Iorque. A sensação que tenho sempre que entro nesta feira e neste local em particular, é que o design é de fato impressionante, simples, mas simultaneamente com um aspeto de topo (high-end), “caro” se me permite. Será esta ideia real? E até que ponto a sensação de “caro”, requintado e exclusivo se traduz em vendas?
MH: O que me parece importante salientar no caso da TEFAF em Nova Iorque, é que o público sente por parte da organização um grande investimento em preservar a memória deste espaço. A TEFAF é uma feira extraordinária, e o público desta feira é muito sensível ao design que nós ajustamos ao edifício; a audiência da feira, recebe esta nossa adaptação de forma espontânea, ou seja, o design é sofisticado, e não poderia ser de outra forma. Esta relação, creio que resulta do fato da maioria do público conhecer muito bem o local, pois costumam frequentá-lo regularmente para uma grande diversidade de eventos e iniciativas. Apesar disto, há um reconhecimento por parte do visitante, que a TEFAF está realmente comprometida em lhes oferecer algo especial e único. O público sente esta acuidade e isso traduz-se de forma salutar, e claro, muito provavelmente tem um impacto positivo nas vendas. Pessoalmente, acho que o Park Avenue Armory é um espaço bastante adequado a esta feira. A audiência é ávida e nós tentamos facilitar ao máximo a sua experiência. Mas a TEFAF é capaz de ressoar como especial, pois é diferente de todas as feiras que anteriormente foram apresentadas naquele local. A qualidade da construção de toda a exposição é de altíssima qualidade e estou certa que o nosso design também tem um papel importante para o sucesso. No edifício frontal, por exemplo, respeitamos a estrutura original do edifício. Pretendemos que o visitante nunca se esqueça que está efetivamente no Park Avenue Armory e que o edifício é uma herança. Sempre com esta ideia presente, tornamos o ambiente mais claro e luminoso, e conseguimos alcançar isto criando um segunda pele translucida frontal às paredes originais, o que proporciona uma sensação de modernidade; apesar disto, e se olharmos com atenção através do tecido translúcido, conseguimos identificar todos os elementos por detrás desta segunda pele, os bustos, estátuas, pinturas, etecetera; e acabamos por ser sempre relembrados do espaço onde nos encontramos. Acho que público aprecia muito esta subtileza.
SP: No seguimento deste seu pensamento e descrição da experiência do espetador e a vossa resposta através do design, gostava de lhe perguntar se considera que existe uma “fórmula” que incentive e encoraje o visitante a comprar. No caso da TEFAF no Park Avenue Armory, consegue-se antever o tipo de público e a afluência, logo o design do espaço responde às expetativas estéticas dessa audiência. Pode considerar-se isto uma “fórmula” de sucesso?
MH: Não acredito que possa ser considerada uma fórmula. Como já referi, o que nós aplicamos ao design de uma feira de arte é esta ideia de planeamento de uma cidade: garantir que o público percorre todos os corredores e acaba por ver tudo, e que ao perfazer este trajeto, encontra locais para descansar, contemplar as obras, refletir (…) no final, resume-se a uma cadência e um estudo do ritmo adequado.
Quando estamos a trabalhar diretamente para as galerias dentro das feiras, tentamos sempre entender quais são os seus objetivos, que artistas irão mostrar, se há uma história que querem contar ou comunicar; trata-se da identidade da galeria, e esse é o material com que trabalhamos para responder às expetativas dos galeristas. Ouvir o cliente é seguramente a resposta mais eficaz para produzir um resultado que responda aos seus pressupostos. O que temos constatado, e isto aconteceu na última TEFAF em Maastricht em Março, é que as galerias em geral começam a prestar mais atenção e cuidado ao design dos seus stands. Isto é algo que eu tenho notado e certamente que deve haver uma razão para isto acontecer.
SP: A Tom Postma Design, para além de feiras de arte, desenvolve inúmeros projetos para museus, galerias comerciais, outras instituições culturais, todos espaços que exibem exclusivamente obras de arte e onde a contemplação é privilegiada. Alguns destes espaços não são necessariamente comerciais. Acredito que muito do conhecimento que trazem destes projetos seja aplicável à feira de arte. Será esse o caso?
MH: Digamos que o conhecimento pode ser aplicado em ambos os sentidos. Esta manhã tivemos uma longa discussão acerca disso. Creio que lhe mencionei que nós consideramos a feira de arte como um género de planificação de uma cidade, e muitos dos exercícios que realizamos para encontrar soluções, passam por entender como é possível navegar estes espaços e contar uma história. Criar a ilusão de exploração do espaço sem que o visitante sinta que está a ser conduzido ou forçado num determinado sentido, e que ao mesmo tempo, tenhamos a garantia que este circula por todo o recinto, e acaba por ver toda a exposição: é um processo que tem que acontecer sem nunca competirmos com os objetos de arte. O atelier apoia a imposição da arte e facilita o conto de uma história. Por exemplo, no Rijksmuseum, com a exposição Good Hope, que muito sucintamente trata-se de uma apresentação histórica de mais de quatrocentos anos entre a Holanda e a África do Sul. Os fatos históricos nem sempre são agradáveis, mas mesmo apesar disso, têm que ser contados e manter-se fiéis a ambas as fações constituintes dessa história. Pode revelar-se muito complicado. O que tentamos implementar, é feito através de um processo semelhante a um conto, e acontece em diferentes fases: temos os visitantes que entram na exposição e que ao fim de trinta minutos abandonam o espaço, mas que já saem com uma ideia generalista da exposição. Depois, temos que considerar todos os outros que se deixam absorver pela narrativa, precisam de momentos de pausa perante esta ou a aquela história que os toca particularmente. Nós criamos esses espaços de reflexão, enquanto trabalhamos com o ritmo de cada sala, umas repletas de objetos pejados de conotações, outras mais despojadas, onde o cérebro pode respirar e de certa maneira reorganizar-se. Há imensas semelhanças com o design da feira de arte, e é esse conhecimento que fazemos transitar entre projetos e que se revela uma característica superlativa do nosso trabalho. Uma vez mais, nunca são projetos que se acomodam ao nosso design e arquitetura: os elementos que definem e justificam a nossa intervenção, são os visitantes, a arte, o espaço circundante. Nós facilitamos estas interações para transmitir uma história.
SP: Li recentemente uma entrevista com o Marc Spiegler (Diretor global da Art Basel) em que este foi questionado pelo entrevistador, se já se teria ultrapassado a fase em que as galerias e os artistas produziam arte exclusivamente para as feiras de arte (art-fair-art). Qual é a sua opinião em relação a esta assunção? Gostaria de entender se considera ser uma realidade?
MH: Não faço ideia, e para ser muito honesta não acredito ter conhecimento suficiente que me permita expressar uma opinião informada.
SP: Deixe-me tentar reformular a questão: Eu este ano, vi pelo menos em duas feiras de arte, os galeristas a utilizarem o espaço de exposição do seu stand explorando os limites do próprio espaço. Um exemplo: obras de arte que em vez de terminarem nos limites de altura das paredes do stand, continuavam até ao teto do pavilhão de exposições. Outro exemplo, um galerista trouxe telas pintadas com metros e metros de comprimento, desemolduradas, que fixou no topo das paredes do stand e desenrolou desorganizadamente nas paredes, chão do stand, e ainda conquistou alguns centímetros do corredor público destinado à passagem dos visitantes. Considera que há uma tentativa de exploração mais inovadora, por parte dos galeristas, e artistas, do pouco espaço que têm disponível nas feiras de arte?
MH: Estou certa que todos os expositores, independentemente dos artistas que trazem para as feiras, fazem o melhor ao seu alcance para a apresentação das obras. Em respeito à pergunta original, se os artistas estarão a produzir, ou estiveram em algum momento, obras apenas para feiras de arte, não faço mesmo ideia. O que posso garantir é que os galeristas tentam ao máximo, produzir uma excelente apresentação e proporcionar uma boa exposição das obras. É isso que eu constato, e todos trabalham imenso para atingir esse objetivo.
SP: Posso arriscar dizer que na maioria das feiras de arte, 75% das obras expostas se tratam de peças que podemos designar “de parede” (sem qualquer leitura pejorativa), pintura, desenho, fotografia, técnicas mistas bidimensionais, etecetera. Porque acha (a título de exemplo) que não vemos mais instalação ou mesmo performance?
MH: Como designer de feiras de arte, não temos propriamente espaço para julgamentos de tipologia de obras de arte apresentadas. O nosso trabalho é de facilitadores da apresentação das obras de arte. Se acontece haver necessidade para encontrar soluções para diferentes formas de criação, nós vamos facilitar a instalação unicamente numa perspetiva funcional em termos de design.
SP: Como prevê, em termos de design, a evolução da feira de arte que hoje é seguramente o espaço mais “popular” para a comercialização de obras de arte?
MH: Se eu tivesse uma bola de cristal!… Acho que há pelo menos uma coisa que posso dizer a respeito do futuro, e que acaba por ser uma leitura estritamente pessoal. Considero, e mesmo apesar de toda a evolução e tendências tecnológicas, que as pessoas continuam a estimar a experiência presencial das obras de arte. Não excluo, e reconheço que simultaneamente as mesmas pessoas, apreciam arte online, em alta definição, e a prova disso é que as vendas de arte online têm aumentado nos últimos anos. Não obstante, a arte não se pode dissociar das experiências sensoriais humanas. Se isto que acabo de referir é efetivamente verdade, então podemos concluir que haverá sempre lugar para um espaço de comercialização como a feira de arte, onde se pode ver as obras presencialmente, e simultaneamente adquiri-las se for essa a vontade.
SP: É indiscutível que é inspirador e particularmente emotivo, reconhecer que as pessoas continuam a viajar, deslocar-se entre continentes, para ter a possibilidade de apreciar o maior número de objetos de arte, assim como adquiri-los para coleções…
MH: Se compararmos com os museus, e saliento uma vez mais que isto se trata apenas de uma reflexão pessoal, e olharmos para o exemplo do Rijksmuseum aqui em Amesterdão, têm toda a sua coleção digitalizada em alta resolução e disponível online. Eles incentivam os visitantes virtuais a usarem as imagens livremente. Ou seja, se decidir imprimir um vestido com uma obra da coleção, pode fazê-lo livre de direitos de autor, e eles não receiam estas reproduções pois sabem que o seu público não vai deixar de visitar o museu para usufruir presencialmente do original.
SP: Exato. Entendo perfeitamente a mensagem que está a transmitir. Independentemente do local, seja este o museu ou a feira de arte, as obras de arte só alcançam a sua plenitude com a interação com o ser humano espetador…
MH: Absolutamente! É esse contato que nos enche o “coração”…
Sérgio Parreira
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