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ENTREVISTA


João Gabriel


2013, 30 x 22. Acrilico sobre papel.


2014, 20 x 15. Acrilico sobre papel.


2014, 28x22. Acrilico sobre papel.


2014, 50x65. Acrilico sobre papel.


2015, 26x20. Acrilico sobre papel.


2015, 30x25. Acrilico sobre papel.


2016, 65x50. Acrilico sobre papel.


2016, 65x50. Acrilico sobre papel.


2016, 560x50. Acrilico sobre papel.


2017, 65x50. Acrilico sobre papel.


2017, 160x150. Acrilico sobre tela.


2017, 120x150 cm. Acrilico sobre tela.


2019, 165 x 150. Acrilico sobre tela.


2019, 65x100. Acrilico sobre papel.

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JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




JOÃO GABRIEL


 

 

João Gabriel (1992) estudou Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha. Em 2017 foi um dos nomeados para o Prémio Novos Artistas da Fundação EDP, com exposição no MAAT, em Lisboa. O uso da fotografia como referente e o interesse pela representação de espaços vazios, esquemáticos, característicos do início do seu percurso, veio dar lugar à descoberta da imagem em movimento e do imaginário pornográfico. Na sua pintura actual é distintiva a presença do corpo humano masculino, em imagens cuja proveniência vem dos interstícios narrativos dos filmes pornográficos gay dos anos 1970/80. “Os filmes são sempre um ponto de partida, uma forma de chegar ao que quero fazer, e dar-me-ia imensa satisfação saber que as pinturas são autossuficientes”, afirma aqui nesta conversa com Sérgio Parreira, onde se falará também do processo de trabalho, dos referentes iconográficos, dos artistas influentes e dos projectos mais recentes.

 


Entrevista por Sérgio Parreira
14 Abril 2019

 

 


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SÉRGIO PARREIRA (SP): Eu achei extraordinária a seleção cronológica que me enviaste do teu trabalho que começa com obras de 2013 - por inúmeras razões – mas gostava de iniciar esta conversa por destacar as tuas pinturas deste primeiro ano; abstratas, com linhas tendencialmente geométricas não rigorosas, onde fui capaz de identificar talvez um início da exploração do espaço, da luz, e de uma identidade cromática que creio manteres até hoje. Questiono-te se esta minha leitura faz sentido?

JOÃO GABRIEL (JG): Essas primeiras pinturas foram e continuam a ser muito importantes, principalmente porque, olhando para elas agora, consigo ver já uma espécie de síntese daquilo que mais me interessa. Foi a primeira vez em que mergulhei a sério, com tempo e todos os dias, no acto de pintar. Havia por isso um grande fascínio da minha parte: estava a descobrir o uso da cor e a forma como poderia usá-la para criar uma ideia de espaço, que na altura era sempre muito sintético. Estava também completamente maluco com o trabalho do Álvaro Lapa, e esses trabalhos devem-lhe muito. No final, acho que essa experiência imprimiu coisas em mim que continuo a usar nos trabalhos mais recentes, coisas que não consigo explicar de forma concreta, mas que quando estou a pintar me surgem como recordações dessa altura - nomeadamente quando volto a usar determinadas cores.  Na altura era eu que fazia a maior parte das tintas com aqueles pigmentos para colorir cimento que se compram nas drogarias, e às vezes ainda uso esse amarelo.  Depois disso houve um processo de passagem à figuração que foi também muito divertido.


SP: Algumas das pinturas de 2013 e 2014 fizeram-me pensar em Edward Hopper e também em Mark Rothko - talvez simultaneamente, mas por razões diferentes – e agora após o mencionares, é de facto muito evidente o teu interesse em Álvaro Lapa; reportei a estes artistas pela maneira como exploras e isolas planos geométricos, de uma forma particularmente fiel em termos de perspetiva, e como por vezes desconstróis estes planos atribuindo-lhes um caráter mais abstrato em termos de configuração e volumetria…  

JG: O que acontecia com esses trabalhos era que usava sempre fotografias como referente e essas fotografias eram sempre, ou quase sempre, fotografias que eu próprio tirava a espaços por onde passava - estava muito entusiasmado com o exercício de retirar apenas os elementos que me servissem para que a pintura pudesse funcionar, sem ir além de um equilíbrio mínimo. Consequentemente, o que restava dessas imagens, sempre cheias de informação, eram pequenos detalhes de objetos, as linhas gerais da arquitetura e algumas sombras. Depois, essas sínteses serviam-me como ponto de partida para fazer o que me apetecesse com as tintas, e daí resultava muitas vezes desconstruir aquilo que tinha feito e anular de certa forma uma representação mais rígida do espaço. Ao longo do tempo, essa desconstrução foi-se tornando cada vez mais constante.


SP: Antes de avançar para o início da tua fase mais figurativa, gostava de perceber o teu entendimento da perspetiva. Tenho conhecimento também do teu interesse no trabalho do David Hockney e creio entender o porquê. Hockney, muitas vezes refere-se à execução da perspetiva Ocidental como um exercício extremamente subjugado à “ditadura” do ponto de fuga. Tens alguma “teoria” ou leitura pessoal da execução em perspetiva, consequente utilização ou ausência desta, e dos pontos de fuga?

JG: O trabalho do Hockney é muito importante para mim e tenho-o sempre tido como uma grande referência, por várias razões: pelo uso alegre que faz da cor, pelas representações que faz, tão eróticas, poéticas e ao mesmo tempo tão banais e quotidianas. Estou a pensar, por exemplo, nos desenhos que fez para ilustrar os poemas do Kavafis... Mas sobre o uso da perspetiva, confesso que nunca me debrucei muito sobre o assunto. No caso destes trabalhos iniciais, o uso dos pontos de fuga prendia-se com o facto de estar a tentar fazer uma cópia das linhas gerais das imagens com que trabalhava - na altura isso serviu-me muito bem para o que queria fazer, apesar de ser algo que fazia de forma inconsciente - nunca coloquei lá pontos de fuga, mas eles acabavam por aparecer no decorrer do trabalho, é assim que os nossos olhos estão ensinados. Mas acho que não existem, à partida, métodos de representação melhores que outros, umas vezes funcionam, outras não.


SP: Em 2015 começas a enunciar a introdução do corpo humano, masculino, em algumas das tuas pinturas. Por vezes - e faço esta leitura a partir da cronologia iconográfica que me enviaste - parece que existe um processo inverso ao que referiste anteriormente - ou seja - de momentos de desconstrução de “linhas gerais da arquitetura” e “sombras”, encontras a forma humana…

JG: Tens toda a razão, houve uma altura em que me senti insatisfeito com o que estava a fazer e decidi que devia finalmente materializar a minha vontade de fazer pinturas figurativas, o que até então, por preconceito da minha parte, não tinha sido possível. Tinha encontrado uma série de fotografias lindíssimas, acho que dos anos 60, retiradas de revistas pornográficas gay. Essas imagens foram o motor de arranque que faltava para começar essa série de trabalhos em 2015. O que aconteceu numa primeira fase, e daí que seja o processo inverso, é que continuei o que estava a fazer anteriormente, mas desta vez assumi que esses espaços seriam os fundos onde as figuras se iriam encaixar. Cheguei mesmo a usar pinturas antigas de que não gostava muito e a pintá-las por cima. Foi um pouco doloroso no início porque isso implicou uma certa destruição do trabalho que tinha estado a fazer nos últimos anos, sem saber se dali viria alguma coisa de jeito..., mas depois comecei a ficar tão entusiasmado com o que estava a fazer que nunca mais pensei nisso.


SP: Referiste o teu particular interesse nos desenhos do David Hockney baseados nos poemas de Kavafis; Hockney, mais ou menos na mesma época, desenhou também a partir de experiências e ambientes do seu quotidiano pessoal (Beirute – 1966). Algumas das tuas pinturas, em 2015, ou em anos posteriores, foram inspiradas em pessoas próximas como modelos?

JG: Não. A única coisa que uso nas pinturas e que parte concretamente do meu quotidiano pessoal são por vezes os espaços, as paisagens e os objetos. As figuras foram sempre retiradas dos filmes pornográficos, salvo raras exceções; claro que depois as uso para criar narrativas que me dizem respeito, mas nunca foram de forma concreta retiradas das minhas experiências.


SP: Fala-me desse “Referente”/Fonte (Pornografia Gay) que utilizas para pintar as “figuras” dos corpos masculinos: não será puramente circunstancial, ou seja, corpos masculinos desnudos – mesmo que em interação – não se encontram unicamente na pornografia gay, e simultaneamente, o facto de ser este e não outro, o “Referente” que te oferece os elementos/conceitos para criar?

JG: O referente é e não é circunstancial ao mesmo tempo.... É circunstancial na medida em que poderia ter passado por ele sem lhe dar a devida atenção ou mesmo nunca o ter encontrado, continuando a usar outras imagens para fazer o que queria. No entanto, creio que o meu trabalho seguiria na mesma o seu caminho - Como referi, comecei por usar as fotografias das revistas. O que aí aconteceu foi que fiquei muito rapidamente cansado dessas imagens. A certa altura, por mais que procurasse, eram sempre as mesmas. Sendo fotografias encenadas, a configuração da imagem é sempre muito parecida. Depois, um pouco ao acaso, encontrei um filme dos anos 70 sobre um rapaz que vive numa casa de praia muito bonita e espera pelo namorado que partiu para a guerra, imediatamente aquilo fez um Click: tinha à minha disposição, num único filme, uma quantidade quase infinita de imagens com tudo aquilo de que precisava: paisagens, espaços interiores, objetos e a interação dos corpos... Tudo isto com uma carga narrativa poética com o poder de contaminar as pinturas, e ainda com a indefinição de que tanto gosto por ser uma passagem de VHS para digital. Ao contrário das referidas fotografias, o facto de poder congelar qualquer momento do filme fazia com que pudesse encontrar imagens não convencionais. Comecei então a minha busca por filmes pornográficos e encontrei tantos que me deram ideias para pinturas, que soube que era este o caminho. Neste sentido não foi circunstancial.


SP: Pornografia - mesmo que a palavra possa ter infindas definições - a imediata conotação, é com algo que tem um caráter obsceno, que pode ferir o pudor ou a moral, proibido, privado ou de acesso limitado. Quando identificas as figuras que representas nas tuas pinturas como provenientes deste “universo”, este acto de comunicação da origem tem indiscutivelmente um impacto no recetor / espetador / audiência. Tenho curiosidade em entender o processo desta “revelação” e até que ponto crês que esta é necessária para o entendimento das tuas pinturas figurativas? Ou ainda, se é uma não revelação, mas um conceito que é parte integrante das obras?

JG: Lembro-me da primeira vez que contei a alguém a proveniência das imagens, e pensar que tinha cometido um grande erro porque não queria que isso se soubesse. É que esse facto, não sendo bem clarificado, pode oferecer uma explicação muito fácil e uma razão teórica que na verdade não existe. Os filmes são sempre um ponto de partida, uma forma de chegar ao que quero fazer, e dar-me-ia imensa satisfação saber que as pinturas são autossuficientes. Agora estou mais tranquilo. Na verdade, não havia outro caminho que não esse - e é certo que o uso dos filmes é parte integrante do meu processo de trabalho além de ajudar à compreensão de alguns aspetos e suscitar reflexões que acho interessantes. A ter de falar de alguma coisa mais vale que seja acerca de coisas que me entusiasmam. Colocando-me do lado de fora, penso que iria gostar de saber, nem que fosse apenas por curiosidade. No final, acho um mau princípio tentar controlar as leituras que se possam ter acerca do meu trabalho.


SP: Quando vi pela primeira vez as tuas pinturas, online (Instagram), e te contatei, não sabia nada acerca de ti: de onde vinham as imagens ou quem serias. O que me atraiu - talvez isto será mais obvio e acredito que comum - foi o tema das pinturas, corpos humanos, masculinos, em atos de afeto, carinho, amor, em pinturas que me aparentavam ser tecnicamente excecionais. Esta leitura com a distância que tem a imagem digital “virtual” da observação presencial/real… Ou seja, eu diria que a narrativa que li, foi apenas um veículo para descobrir o que por fim me surpreendeu, a proficiência técnica. Receias que a narrativa ofusque ou se imponha a execução técnica?

JG: Eu acho que as duas coisas estão ao serviço uma da outra. Quando penso sobre isso lembro-me sempre de algo que o Júlio Pomar escreve em “Da Cegueira Dos Pintores”, que é algo como: “O assunto em pintura, ou seja, o que é representado, não é tanto o jogo mas o local onde se joga, o que não quer dizer que o local seja arbitrário, tal como não é arbitrário o local que se escolhe para fazer amor". Acho que é uma afirmação muito certeira, o jogo não acontece se não houver lugar para jogar, e esse lugar tem de ser bem escolhido e sobretudo, para mim, tem de vir de um lugar de afeto. Acho que as duas coisas têm de estar bem equilibradas, aquilo que mais receio é de que elas se tornem demasiado narrativas e que isso consiga ofuscar tudo o resto, seja o erotismo, que para mim é absolutamente essencial, ou o próprio trabalho de pintura.


SP: Fala-me um pouco sobre o que apresentas nesta exposição que está patente na Lehmann + Silva no Porto, até dia 27 de Abril, intitulada “O Lume Dos Olhos, A Luzir No Escuro”.

JG: Apresento uma série de trabalhos muito recentes e com dimensões maiores que aquelas que tenho vindo a fazer. Pela primeira vez representei as figuras com um tamanho mais aproximado ao tamanho real de um corpo e gosto de tudo o que isso implica, por um lado com mais espaço e margem de erro para brincar com as cores, e por outro, essa escala cria uma relação com o meu próprio corpo que é nova para mim e por isso ainda muito misteriosa mas que cria outras leituras que as pinturas mais pequenas não podiam ter. Mostro também um dos objetos que costumam vaguear pelo meu atelier, e que faço de forma lateral enquanto espero que as pinturas sequem, que são uns óculos pintados. Acho que trazer coisas das margens pode ajudar à compreensão das outras e estes óculos acabaram por criar uma relação interessante com uma das pinturas presentes. De resto, aquilo que queria com esta exposição, que é o que quero sempre, foi mostrar as pinturas de que mais gosto, da melhor forma possível. 

 

2019, vista da exposição O Lume Dos Olhos, A Luzir No Escuro. Fotografia: Dinis Santos - Galeria Lehmann+Silva.

 


SP: É curiosa essa tua observação do confronto da escala na pintura com a escala do teu próprio corpo… fez-me recordar, e uma vez mais regressando a David Hockney e ao período que falámos previamente dos anos 70, páginas tantas numa publicação sobre Portraits of Cavafy, ele justifica o seu auxílio a modelos reais de corpos humanos por considerar que “coisas como peso ou volume, são muito complicadas de apreender a partir da fotografia”, e acrescenta, “ não se recebe a informação necessária para fazer a linha…”… Talvez desdobre esta pergunta em duas partes; primeira: O teu corpo auxilia-te de alguma maneira na representação figurativa? Identificas no teu processo, em que o “referente” é videográfico, os desafios que Hockney menciona?

JG: Curiosamente, acontece muitas vezes querer usar uma imagem que me deu alguma ideia, mas querer mudar algo na posição do corpo. Aí, fotografo-me na posição que quero para completar a informação da imagem que quero usar. Utilizo apenas essas fotografias para ter uma noção das proporções e completar em desenho a imagem que quero usar, depois não olho para a fotografia enquanto faço a pintura. Nunca senti necessidade de incluir características minhas. Essa relação de que falo é a um outro nível; tem mais a ver com reconhecer as sensações que estou a tentar representar, um pouco como o Gilles Deleuze descreve o trabalho do Francis Bacon em “Logique De La Sensation”. O uso de imagens tem as suas limitações, como diz, e bem, o Hockney. Mas o meu trabalho ainda não passou por pintar a partir do real e nunca senti essa necessidade, por agora está muito ligado ao uso dos filmes e ao grau de indefinição que as imagens têm.


SP: No final deste mês a tua galeria apresenta o teu trabalho na Art Brussels 2019 inserido no programa Discovery que se foca unicamente em artistas jovens e emergentes: Esta será a tua primeira presença internacional num “espaço” que hoje se impõe como o local privilegiado e primordial para a comercialização de objetos arte - a feira de arte. Tens alguma opinião formada, ou expectativas, em relação à Feira De Arte, em geral?

JG: A minha opinião sobre as feiras é um pouco especulativa pois nunca tive obra exposta em nenhuma. Como dizes, é mais uma expectativa do que uma opinião, mas estou certo que pode ser um bom local para mostrar o trabalho e torná-lo acessível a um público que dificilmente o veria fora daquele meio. As feiras de arte atraem um público muito vasto e pode ser que, no meio de tanta gente, alguém se interesse pelo trabalho. De resto, fico sempre entusiasmado quando tenho uma oportunidade de mostrar o que ando a fazer, e as obras que vamos levar para lá são na sua maioria muito recentes e nunca foram mostradas. O facto de ser um projeto a solo permitiu que pudéssemos fazer uma seleção representativa do meu trabalho, incluindo algumas telas e pinturas mais pequenas sobre papel.


SP: No teu atelier trabalhas em diversas pinturas simultaneamente: quantas tens neste momento “em progresso”? Há alguma que te esteja a apresentar desafios específicos que gostasses de partilhar?

JG: Neste momento tenho quatro pinturas em processo - anda sempre à volta desse número - depois tenho muitas outras pelas paredes que penso estarem terminadas, mas por vezes, depois de olhar para elas com alguma distância, volto a trabalhá-las. Há uma que está particularmente difícil de resolver, não sei muito bem porquê, é uma espécie de vista de uma janela à noite, queria fazê-la com poucos contrastes e muitos tons de azul, mas não estou a acertar na cor e há algo de errado também com a estrutura. Já a repintei três vezes e acho que vou desistir por agora... daqui a um mês ou dois volto a olhar para ela. Nestes casos, a distância é essencial: ou chego à conclusão que a pintura afinal está bem, e que fiz o melhor que pude, ou que está mesmo má e faço outra coisa completamente diferente por cima.

 

 

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Sérgio Parreira | @artloverdiscourse
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