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BEATRIZ ALBUQUERQUE
Beatriz Albuquerque vive e trabalha entre o Porto e Nova Iorque, onde desde 2009 frequenta um doutoramento na Columbia University. Conhecida pelas suas práticas interdisciplinares entre a performance e o multimédia, foi já galardoada com vários prémios a nível nacional e internacional. Em conversa com a Artecapital, Beatriz Albuquerque fala do seu percurso artístico e do actual papel social e político que a performance pode desempenhar.
Por Victor Pinto da Fonseca
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VPF: Vives e trabalhas fora de Portugal. Imagino que o teu percurso no estrangeiro terá começado com uma bolsa para estudares performance nos EUA, país com uma longa tradição de artistas que optaram pela performance ao vivo como meio de expressão das suas ideias: estou-me a recordar da Marina Abramović, provavelmente a mais conhecida performer, e que foi tua professora!
Fala-nos da tua experiência internacional (estou certo que os leitores da Artecapital ficarão entusiasmados por conhecer)... E da performance na base da tua criação artística.
BA: O meu percurso pelo estrangeiro começou em 2004 quando fiz parte da turma lecionada pela Marina Abramovic na Alemanha e fui convidada (por ela) para fazer parte do “Independent Performance Group” (IPG) em Nova Iorque. Nesse ano entro para The School of the Art Institute of Chicago e sinto um choque com a diferença nos valores na sociedade capitalista americana. No ano seguinte ganho o prémio PAC/edge Performance Festival, com a performance duracional chamada “Question YorSELF” como uma crítica à sociedade americana.
Entre a produção de performances e new-media arte candidato-me em 2009 para um Doutoramento na Colombia University em Nova Iorque, tendo adquirido uma bolsa Fulbright e Fundação da Ciência e Tecnologia. Em 2014 ganho o prémio “Myers Art Prize: Cross Media Art” com uma instalação política performativa chamada “Action Game”, no qual é a primeira vez que uma peça com carácter performativo e de interacção com o público ganha esse prémio. Actualmente vivo em Nova Iorque e estou a finalizar o Doutoramento.
VPF: Na última década a performance emergiu através das maiores instituições, bienais, project spaces e mesmo festivais internacionais dedicados exclusivamente à performance; verificou-se simultaneamente o aumento exponencial do número de artistas que introduziram a performance no seu trabalho como um médium para prender o público e atrair a visibilidade!
- O recente sucesso na Bienal de Veneza da Anne Imhof - Leão de ouro: "Fausto" / Pavilhão alemão - é reflexo do recente desenvolvimento da performance?
- O que se passa com a performance que agora de repente se tornou tão sedutora?
BA: Aconteceu com a performance o mesmo que no séc. XIX com a fotografia. Existe um novo meio de expressão artística e os artistas começam a utilizá-lo, primeiro individualmente e depois intercalando-o com outros medias. Neste momento estamos a assistir à era da socialização da performance. Ela interage naturalmente com a arte em geral e com todos os media. Já não precisa de autonomia.
VPF: A performance centra a nossa atenção no momento, no "aqui e agora". Actualmente, discute-se muito a questão da nossa dependência cultural da imagem em movimento, a circulação das imagens online ou através do Instagram, da ânsia da audiência por conexão!
- A experiência de partilhar a experienciação de um trabalho artístico directamente com o público - de uma apresentação estática para uma experiência dinâmica da arte que se desenrola ao longo do tempo -, situação diferente da ênfase na prática solitária do artista no atelier e da exposição na galeria, é uma nova saída no conceito da exposição de arte? A performance obriga o público a reavaliar a sua relação com a arte?!
BA: Acredito que experienciar a arte muda as pessoas e são elas que mudam o nosso mundo. É nessa interacção que a mudança existe. A simplificação de muitos processos, anteriormente manuais e agora transformados em processos tecnológicos - rápidos e simples, faz com que se abra os limites da peça artística. Pensando nisso, o meu projeto “Crisis of Luck” de performance e instalação apresentada na 17ª Bienal de Cerveira surge, como uma resposta à crise em Portugal e na Europa, onde me apresento como uma sacerdotisa que predizendo e respondendo às perguntas que me são feitas sobre a crise, forneço uma solução para esses problemas. A partir desta ideia, criei uma instalação no espaço com esculturas 3D, fotos, vídeo e comida. O público foi convidado a entrar e a interagir comigo. A instalação tornou-se um oráculo.
VPF: O facto da coreografia ser agora cada vez mais performance e não exclusivamente artes cenografadas ou prática de dança, e o número crescente de coreógrafos que trabalha no contexto da performance (que tem como resultado artes visuais) acrescentando a coreografia como um elemento de trabalho, aproxima cada vez mais o artista performativo da representação teatral, do criador e director de espectáculos públicos!
- O que explica a recente popularidade que a coreografia gera no campo da performance e das artes visuais - e o facto da performance ser agora fruto de meses de ensaio, repetir-se diversas vezes, seguir um guião como acontece com os actores - , distante da prática da performance do século XX, da história da performance como um meio de expressão artística maleável, simples, do amor à improvisação?
BA: As performances de hoje são feitas tendo em conta a realidade social actual. Estamos numa época de contaminações, quando tudo é alterado e tudo é mostrado, repetido e que poderá ser canibalizado. Mais do que nunca o “Manifesto Antropófago” de Oswald de Andrade foi tão verdadeiro. Os gestos artísticos em público passaram a ser muitas vezes transformados numa forma particular de intervenção, introduzindo uma dimensão política no trabalho. Mais recentemente nos anos 70, Carolee Schneemanm é um dos exemplos de performer que utiliza o corpo para escrever. Em “Up to and Including Her Limits”, esteve suspensa no teto e teve um conjunto de folhas de papel presas na parede, enquanto escrevia com o corpo em movimento descrevendo a vida privada da artista, tornando-a pública. Esta peça é um exemplo dessa passagem da improvisação ao amor.
VPF: A performance privilegia um conceito de arte "virtuosa" - um meio usado pelos artistas para criar uma atmosfera comunitária que inclui o público e o artista -, se assim se pode chamar, em detrimento da arte que se destina a ser lucrativa... Na performance não existe a expectativa "o quão comercial o trabalho pode ser", é mais sobre o desejo de interação, ainda que a performance já seja rentável e comece a ganhar sucesso entre os coleccionadores!
- A declaração de Robert Rauschemberg de querer fazer uma arte que "se recusasse a vender" é ainda a chave para o nosso tempo?
BA: A arte deve chegar a todas as pessoas. Pensando nisso e na sociedade capitalista e no mundo comercial em que vivemos, criei o projeto "Work For Free", no qual ofereço o meu trabalho de criação, gratuita. São obras de arte como o público as deseja. Esta ação performativa é um presente social em que, a obra de arte é criada especialmente para a pessoa que interage comigo. A obra de arte gratuita pode ser escolhida de um conjunto de diferentes meios, tais como: arte electrónica, foto digital, web art, desenho digital, decollage, entre outros. Este projecto iniciei-o em Chicago em 2005. Já o realizei em diversas cidades, como por exemplo no Festival Figment de Nova Iorque, na Bienal de Salónica, totalizando 183 obras de arte gratuitas e personalizadas para o público.
VPF: Sei que apresentaste este mês de Junho em Nova York, no "Performance Mix Festival 2017", a tua instalação “Happy Birthday Mr. President”, que é baseada na performance de Marilyn Monroe, em 1962, na Gala do Democratic Party, em Madison Square Garden com o presidente Kennedy.
- Podes falar sobre esta instalação e como ela aconteceu? Tratasse de uma variação vídeo de uma performance?
BA: Quando chego a Nova Iorque deparo-me com uma realidade política ainda mais forte do que a de Chicago, seja através de manifestações públicas ou do exagero de vigilância nas ruas e nos lugares públicos. Baseada nestas experiências desenvolvo em Nova Iorque na Rooster Gallery através do Bathroom Project a performance “Happy Birthday Mr. President”. A ideia consiste numa crítica à sociedade capitalista e política americana, tirando como ícone a performance de Marilyn Monroe que, em 1962 canta na Gala do Democratic Party, em Madison Square Garden para o presidente Kennedy. O público ao entrar na galeria tem presente um monitor no chão, no qual lhe é mostrado em tempo real a performance que decorria no piso inferior. Ao deslocar-se para o outro piso deparava-se com uma casa de banho com as respectivas peças de cerâmica e a representação em cerâmica de escova de dentes, papel higiénico e sabão, entre outras.
Esta performance teve a duração de 4h e uma câmara de vigilância aonde sempre foi mostrado o que se estava a passar na casa de banho, na entrada da Galeria, através de uma televisão.
O que eu mostrei recentemente em Nova Iorque no "Performance Mix Festival 2017" foi o vídeo instalação que esteve à entrada da galeria.
VPF: És filha do Albuquerque Mendes, um reconhecido artista no universo da arte portuguesa; também é conhecido o importante contributo do teu pai para a performance em Portugal!
- Em que medida a razão que te levou a ser artista plástica e performativa tem a sua raiz no contexto familiar em que cresceste, além da tua natural convicção de artista?
BA: Acredito que somos a soma dos nossos antepassados e que todos os seus antecedentes históricos, sociais e culturais influenciam toda a minha arte e a criação artística. Sou influenciada de diversas maneiras umas mais directas e outras mais indiretas mas abraço-as a todas, na medida em que as aprecio e as refiro, numa presente citação existente no contexto da minha arte. Começo a experienciar essas influências da performance numa idade bastante criança. A minha rotina passava por acompanhar os meus pais aos eventos que eles visitavam. Nos “Encontros de Vila do Conde” fiquei fascinada com Serge III e como a arte podia ser mais do que pintura ou escultura. De certa forma a performance é incutida em mim como uma forma de ser ou de respirar, e torna-se quase “comum” ver performances. Para muitos poderá ser visto como um inconveniente ter um pai artista, mas também poderá ser o oposto como no meu caso. A performance para mim é uma forma traduzida no meu trabalho artístico como também acontece na obra de Albuquerque Mendes. A nossa colaboração começou com uma proposta de Serralves, em que o pedido foi específico para fazermos os dois uma performance juntos como pai e filha e apresentamos a performance "Love me Tender" no Festival Trama, Museu de Serralves, Porto em 2010. A partir daí tomamos o gosto e a nossa mais recente colaboração foi com a performance “Sombras” no Coliseu do Porto em 2016, no qual o Holocausto da segunda guerra mundial foi o tema.