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PERSPETIVA ATUAL


Richard Phillips, “Engelbert”, 1997. Óleo s/linho (276,5 x 200 cm). © Colecção Berardo, Lisboa.


Julian Schnabel, “Untitled (Boni Lux)”, 1993. Óleo e gesso s/veludo (304,8 x 304,8 cm). © Colecção Berardo, Lisboa.


Damien Deroubaix, “World Downfall”, 2007. Técnica mista s/papel (268 x 410 cm). © Colecção Berardo, Lisboa.


Julião Sarmento, “Patterns of a Nuclear Family Life”, 2002. Técnica mista s/tela (194 x 217 cm). © Colecção Isabel e Julião Sarmento, Estoril.


Paula Rego, "The Barn", 1994, Acrílico sobre tela (270x190 cm). © Colecção Berardo, Lisboa

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UM NOVO PERCURSO PELA COLECÇÃO BERARDO



ISABEL NOGUEIRA

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O Museu Colecção Berardo propõe-nos um novo percurso expositivo, sob responsabilidade de Eric Corne. Com um título provocatório e elucidativo, portanto, bem conseguido – “Não Te Posso Ver Nem Pintado” –, convida-nos a participar num trajecto da figuração na pintura dos últimos cinquenta anos. Vamos aceitar o desafio e reflectir precisamente sobre esta questão.

Por definição, o termo figurativo opõe-se ao conceito de abstracto, no que diz respeito à possibilidade de reconhecimento de figuras ou de objectos. Desde logo, o campo de acção nesta mostra está conceptualmente reportado aquele binómio.

Nos anos sessenta, a arte ocidental conheceu um intenso debate, inclusivamente no nosso país, em torno da abstracção e da figuração, mais concretamente, da nova figuração. Eduardo Lourenço publicava no suplemento “Cultura e Arte” do jornal O Comércio do Porto (Nov. 1962 - Mar. 1963) um ensaio intitulado “Pintura antipintura não pintura ou a nudez do rei” e, referindo-se à pintura moderna, observava que o seu fio condutor era o “repúdio da imitação do real” e que se viviam tempos de insegurança, não só por parte dos artistas mas, sobretudo, por parte dos críticos. E o autor conclui: «A arte abstracta e informal morre-se de boa-consciência e de facilidade, mas não há outra. Ela é a arte do nosso tempo como as de Monet e Van Gogh eram as do tempo deles. O Rei vai nu pela simples razão de que não pode ir vestido. Se fosse vestido ia mais nu ainda».

Em 1973, seria apresentada em Barcelona, Salamanca e Lisboa uma exposição que teria precisamente o título “Pintura Portuguesa de Hoje: Abstractos e Neofigurativos”. Neste evento, reuniram-se obras de 1960 a 1972, numa encruzilhada plural do abstraccionismo/nova abstracção e da nova figuração. Também no sentido de averiguar o estado da arte e de reflectir sobre algumas das suas problemáticas do momento, a Sociedade Nacional de Belas-Artes organizou, em 1975, três exposições-inquérito: “Figuração-Hoje?” (Janeiro), “Abstracção-Hoje?” (Abril/Maio) e “Colagem e Montagem” (Julho).

De facto, depois do expressionismo abstracto de Jackson Pollock, a segunda escola das vanguardas – vanguarda tardia ou neovanguarda – desenvolve-se na sequência da pop art, colocando em evidência não a vontade de revolucionar mas de assumir a possível decadência da arte, ou seja, o fim da jornada unívoca e unidireccional da arte.

A arte descentralizara-se, pulverizara-se e tornara-se establishment, contudo, apesar de desligada de uma certa utopia, continuaria a revolucionar as gramáticas artísticas. Arthur Danto refere-se do seguinte modo à importância da pop art (1997): «A causa da mudança, no meu ponto de vista, foi a emergência de algo infelizmente chamado de pop art, que considero ser o movimento artístico mais crítico do século. (…) Na minha narrativa, a pop art marcou o fim da grande narrativa da arte ocidental pelo facto de ter tornado autoconsciente a verdade filosófica da arte».

Na verdade, ao longo dos anos sessenta e no correr da década seguinte, tornar-se-ia visível tanto o incremento da arte como ideia – conceptualismo –, como da arte enquanto acção, num certo espírito de revisitação do dadaísmo e de Marcel Duchamp. A arte conceptual, como movimento – distinta do conceptualismo enquanto adjectivo qualificativo de diversas manifestações artísticas que incorporam vídeo, performance, instalação, etc. –, desenvolveu-se entre meados dos anos sessenta e inícios dos anos setenta e, na sua característica antiobjectual – mais do que de antiarte –, abriu a possibilidade de desaparecimento do objecto artístico.

O desaparecimento do objecto não é o mesmo que o desaparecimento da forma concreta, uma vez que este pressuposto atingira um momento determinante já nos anos dez do século XX, quando, entre 1913 e 1915, Malevitch pintava “Quadrado negro sobre fundo branco”, assumido como um “manifesto do suprematismo”.

A grande narrativa formalista no caminho da abstracção – baseada na eliminação gradual da ilusão da tridimensionalidade, a ideia de pintura plana, anti-ilusionista, bidimensional, autónoma no seu medium – preconizada por Clement Greenberg chegaria ao seu final. E, nas palavras de Matei Calinescu (1987): «Quando, simbolicamente, nada mais existe para destruir, a vanguarda é compelida pelo seu próprio sentido de consistência a cometer suicídio».

A arte conceptual articulou os limites da arte formalista com a sua própria crítica, conferindo primado ao processo mental. A arte era trabalhada essencialmente como ideia, proclamando-se a morte do objecto e a primazia de meios, como a escrita, para suscitar a atenção do espectador, para explicar o (não)objecto: a arte do “fim da arte” e o questionar das instituições que a sustêm. Na opinião de Luc Ferry (1990) a este respeito: «Com as exposições sem quadros e os seus concertos de silêncio, as vanguardas moribundas ridicularizaram a arte e prepararam, sem o saber, o eclectismo pós-moderno».

O próprio Clement Greenberg, na conferência proferida na Universidade de Sydney (1980), observaria que qualquer desvio do modernismo estaria na origem de uma corrupção dos padrões estéticos. O pós-modernismo evidenciava o “relaxamento” da arte depois da pop art, e justificava a existência de formas artísticas, na sua opinião, menos exigentes.

Nesta senda, o crítico de arte italiano Achille Bonito Oliva publicava, em 1982 na revista Flash Art International, que a transavanguardia era a única vanguarda, não fraudulenta, possível na presente condição histórica, fora do conceito de progresso unilinear, representativa de um regresso aos valores individuais, subjectivos, fragmentados, nacionalistas, assim como à iconografia clássica.

A transavanguardia correspondeu ao neo-expressionsimo em Itália. A denominada transvanguarda internacional identifica-se com o movimento neo-expressioinsta, o qual inclui uma série de tendências como, por exemplo, além da transavanguardia italiana, a bad painting norte-americana ou o neo-expressionismo alemão. Estava-se perante o designado “regresso à pintura”, mais precisamente, o regresso à imagem da pintura, que volta a confrontar o rigor da fotografia, agora sem a pretensão de competir pela verosimilhança, mas assumindo uma vontade de discutir pictoricamente a imagem, centímetro a centímetro. De um modo absolutamente descomplexado.

Estas novas tendências foram acompanhadas por exposições determinantes, de que são exemplos “New Image in Painting” (Nova Iorque, 1978), “Bienal de Veneza” (1980), “A New Spirit in Painting” (Londres, 1981), “Zeitgeist” (Berlim, 1982) ou “Documenta 7” (Kassel, 1982), organizada por Rudi Fuchs.

O neo-expressionismo implementa-se de um modo particularmente consistente em Itália e na Alemanha – contra as regras da arte conceptual e como espelho da apreensão face a um país dividido, respectivamente –, por exemplo na obra de Carlo Maria Mariani, Francesco Clemente, Sandro Chia, Anselm Kiefer, ou Jorg Immendorff, conhecendo também notável impacte nos Estados Unidos da América da era conservadora de Ronald Reagan, com David Salle, Eric Fischl, Julian Schnabel, Ross Bleckner, entre outros.

No Reino Unido, talvez de um modo mais contínuo, o neo-expressionismo destaca-se com a obra de Christopher Le Brun ou Steven Campbell. Ao nível da divulgação destes artistas e correntes estéticas foi igualmente notória a acção de galerias, tais como a Galeria Michael Werner – primeiro em Berlim, tendo-se posteriormente transferido para Colónia – e a Galeria Mary Boone (Nova Iorque), cuja empreendedora acção levou a que alguns dos seus artistas ficassem conhecido por “boonies”.

Na cena nova-iorquina, em especial no novo bairro ocupado por artistas – East Village –, começavam a florescer galerias dirigidas pelos próprios artistas e locais considerados mais alternativos e acessíveis a jovens, nomeadamente aqueles que se dedicavam ao “grafitismo”, lançado de modo visível por Tom Otterness, organizador da exposição “Time Square Show” (Nova Iorque, 1980), na qual expôs o jovem Jean-Michel Basquiat – “SAMO”, como assinava nos tags.

Em “Não Te Posso Ver Nem Pintado” é possível trilhar um caminho, ao longo do qual nos vamos cruzando com tendências e artistas participantes neste complexo e fascinante movimento que, no fundo, reflecte principalmente sobre o próprio conceito de representação.

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