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EXPOSIÇÕES ATUAIS


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Rodrigo Magalhães


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Rodrigo Magalhães


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Alcino Gonçalves


Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Rodrigo Magalhães

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ARQUIVO:


RUI CHAFES

ACREDITO EM TUDO




GALERIA FILOMENA SOARES
Rua da Manutenção, 80
1900-321 Lisboa

20 SET - 15 NOV 2025


 

Acredito em tudo, a exposição mais recente de Rui Chafes na Galeria Filomena Soares faz retornar sob os moldes férreos da resistência e durabilidade matérica, a força inelutável da contração e cristalização da abscôndita formulação escultórica. Formas aguçadas, angulares, irregulares, desviadas e desviantes, oferecem ao olhar uma imponderável travessia abstrusa no desconhecido, no atemorizante, na dificuldade de traçar um mapeamento diáfano na escuridão que se presenteia. É como se uma grande sombra se alastrasse no habitual conforto desvelado pelo agenciamento organoléptico, invertendo-o, ou pelo menos, dificultando a sua operação reguladora de inscrição e referenciação dos objectos que se estendem à volta de um corpo receptor de sentido. Os sentidos são postos em causa, quando Chafes decide suprimir ou reduzir a assunção clarificada do material, da sua textura, da sua morfologia sujeita a erosões ou a oxidações, cujos habituais sinais de deterioração denotariam na matéria a sua subserviência ao tempo imperial. Aqui o tempo suspende-se, interrompido, descontinuado, encapsulado numa atmosfera de densidades e nebulosas paisagens, onde se veda a razão e se franqueia passagem para um sentido outro, para uma causa outra. É Chafes que refere que não faz escultura, mas poesia. Nesta razão desviante, poetizada da forma, o artista trabalha em constante desequilíbrio, pelas dicotomias ou dialécticas habituais de trabalhar o ferro, estruturando-o, ora resvalando a sua formatação em pujantes e potentes afirmações perenes da gravidade maciça, ora ressalvando-a em aéreas e esvoaçantes formas de filigrana que pairam na tessitura etérea. Tudo na sua obra demonstra a possibilidade do confronto antinómico, de irresolução e indistinção de solução de continuidade entre agenciamentos díspares, pois tudo se enquadra numa aspereza e aguda condição de apresentar o irrepresentável. Talvez assim surja o negro, como a miscelânea total das cores que se reúnem num dispositivo absoluto e indiscriminado de tudo absorver ou sugar, ou como sintoma falível de uma luz que se afasta ou ausenta. Schöne Welt, wo bist du? Kehre wieder [1] (mundo belo, onde estás? Retorna). Na ausência do belo, a beleza deve contrair-se na sua ínfima redução. O negro pode muito bem ser a traumatização da volúpia, a maceração da carne desamparada, exposta à implacável violência da ignota noite, como também a proteção da inclemente e predatória agressão do vazio, do nada. Nesta ambivalência, Chafes autonomiza o negro como a mais radical e mais perfeita das condições de mostração, de um corpo saliente que se sobressai numa modelação formal e de um corpo demasiado exigente para com o seu desvelamento aos olhos da multidão, demasiado incauta para o amparar. Por isso Karoline von Günderrode escreve Des Herzens Wunde hüllt sich gern in Gräbernacht [2] (a ferida do coração gosta de se velar na noite sepulcral).

Nestas peças revestidas a negro, Chafes intensifica um processo de crescente desmaterialização volumétrica da escultura, retirando-lhe a carga densa, opaca, severa da gravidade inexorável do ferro, implicando nela uma certa estruturação em desequilíbrio que ressalta condições impressionantes de movimentação e oscilação impressas pela hábil modulação dos elementos tremulantes ancorados ao longo de um eixo vertical. Há de certo modo uma ambivalência entre os registos de densidade e leveza na construção desta série de 23 peças, coexistindo com uma irrefutável presença antropomórfica conferida pelas escalas e respectivos posicionamentos das peças em exposição. Parecem-nos bandeiras ou estandartes, brandidos por presenças ausentes que os transportam para a infindável noite dos despojos de guerra. As suas formas lembram-nos a movimentação caótica das bandeiras da obra Die Alexanderschlacht de Albrecht Altdorfer ou mesmo as do primeiro painel do tríptico Battaglia di San Romano de Paolo Uccello, mas as suas ancoragens escultóricas viabilizam o contacto com Alberto Giacometti e Julio González. Em Giacometti as esculturas são finas e ligeiras, como que vistas à distância, quase imateriais e inacessíveis. É como se a obra de arte só pudesse rivalizar com a realidade situando-se a uma distância infranqueável, nunca se reduzindo. O diálogo entre Chafes e Giacometti é profícuo e eloquente na medida em que ressalva o vazio silente da inominável e inquietante presença das aparições escultóricas, verticalizadas e desapoiadas de aparente realidade. Já Julio González na sua posição metodológica de dibujar en el espacio, desencadeou a eliminação do horror vacui de outrora, apresentando volumes esvaziados, delimitados por formas finas e isentes de eixos facilmente detectáveis, apresentando na escultura em ferro, irregularidades e posições angulares devedoras tanto do cubismo como propiciadoras de uma nova possibilidade de elaboração escultórica. Neste sentido, os vazios são entrecortados com formas incrustadas pelos tecidos ou fiapos férreos dos estandartes de Chafes, traduzindo a mobilidade paradoxal de um corpo bailarino, bamboleando pelas forças meteorológicas captadas ou mesmo pela turbulência dos vórtices que impregnam a activação dos desenhos espaciais das formas. Este corpo torna-se análogo à marioneta mencionada por Heinrich von Kleist pela posição vantajosa de antigravidade, que à inércia da matéria, a mais oposta das qualidades para a dança, ela é capaz de a sobrepor por uma anulação antigravitacional, elevando-se até ao ar, em vez de continuar enraizada no solo [3]. Estas peças isentes de terra, aspiram à elevação e suavidade do movimento exultante do frémito incessante, quase como o funâmbulo que dança sem cair, referido por Jean Genet, esse intrépido e inconsciente guerreiro do ar, que antes de se lançar ao arame, deve morrer, porque aquilo que dança está morto. Não tendo mais nada a prendê-lo ao chão, nenhuma possibilidade de falhanço ou medo da consciência do abismo, o defunto dançarino poderá dançar sem consequências de queda [4].

 

Vista da exposição Acredito em Tudo, de Rui Chafes. Galeria Filomena Soares, 2025. © Rodrigo Magalhães

 

A morte alastra-se, propaga-se como aguilhão tenaz das foices ou dos estiletes que vemos em algumas peças (Acredito em tudo III; Acredito em tudo XV) ou nas ossadas ou restos de crânios encimados nos eixos (Acredito em tudo XXII; Acredito em tudo XXIII) expostos aos predadores e agentes de rapina. Estas deformações estruturais apresentam um jogo dinâmico de irregularidades salientes no binómio construtivo assente em convexidades e concavidades, expondo os planos e as superfícies à desregulação uniforme do acidente e das tendenciais contorções, distorções, no corrompimento da proporcionalidade. Entre formas alongadas ou contraídas, estes rostos representam o resultado da crença no nada, naquela inquietante estranheza, ou no mistério aporético, que como Schelling refere, do escondimento, da latência soterrada, tende a irromper na visibilidade [5]. Antes de ser uma incógnita para os sistemas racionais de pensamento, o mistério é a inconsciência primigénia de um corpo não condicionado por alguma espécie de relação civilizacional. Como consequência da ferida nunca cauterizada que é o corpo, esse corpo atormentado e dilacerado pela voragem da história e do tempo, o deperecer é a condição inexorável da sua existência. Existe a angústia da inevitabilidade, perante o verdadeiro horror, aquela inominável e indefinida frieza metálica que vai ultrajando a matéria, tentando Chafes reduzi-la a uma inscrição perene e afirmativa de um negro que a encobre numa ilusória virtualidade da sua materialidade. Por isso, os corpos escultóricos são instâncias de contínua atração pela transmutação e pela metamorfose, através de processos de desvelamento e velamento inusitados daquilo que deveria permanecer inumado, retraído no fundo dos tempos. São condições atormentadas de uma realidade desmesurada para a cognição de um sentido. São, portanto, corpos insensíveis ao significado, mas hiperestésicos ao contacto fortuito e confirmado de uma mutação da errância, da imparável passagem da concretude para o reino da pura possibilidade. São, como consequência, anti-corpos, paradoxalmente inscritos no veemente e possante ferro, como inscrições de uma negação da sua própria condição, impossibilitados de se inscreverem no território da simples aparência. Por isso, o ferro ascende, sobrevoa o pesado terreno da gravidade, abrindo-se à voragem da simples aragem como da imoderada ventania, oscilando, sem peso, na medida da pura contradição, em tudo crendo. Rui Chafes desenha no espaço o território da morte, a sua condição inelutável, na terna esperança redentora de uma instância, não salvífica, mas de possibilidade, tal como os adejantes estandartes, de se elevar para a outridade da realidade.

 

 


Rodrigo Magalhães
Nascido no Porto em 1993. Doutorado no presente ano de 2024, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em Estudos do Património, vertente de História da Arte, versando a obra de Alberto Carneiro, Pedro Cabrita Reis e Rui Chafes. Colaborador mensal há cinco anos do Jornal Cultural As Artes Entre As Letras. Os meus interesses de investigação ancoram-se na História da Arte, nomeadamente na análise e historiografia de tendências, movimentos e desenvolvimentos estéticos da arte contemporânea com o intuito de caracterizar, salientar e valorizar aspectos do património material, tanto nacional como internacional, na ligação com aspectos imateriais do pensamento contemporâneo. Investigador Independente.

 

 

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Notas

[1] SCHILLER, Friedrich. Sämtliche Gedichte und Balladen. Insel Verlag, Berlin. 2013, p.127.
[2] GÜNDERRODE, Karoline von. Gedichte, Prosa, Briefe. Reclam Verlag, Stuttgart. 1998, p.40.
[3] KLEIST, Heinrich von. Sämtliche Werke in einem Band. Droemer Knaur, München. 1965, p.828.
[4] GENET, Jean. No sentido da noite. Sistema Solar, Lisboa. 2012, p.74.
[5] SCHELLING, Friedrich. Schelling – Ausgewählt und vorgestellt von Michaela Boenke. Eugen Diederichs Verlag, München. 1995, p.408.



RODRIGO MAGALHÃES