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TRACEY EMINSEX AND SOLITUDE![]() PALAZZO STROZZI Piazza degli Strozzi 50123 Florença 16 MAR - 20 JUL 2025 ![]() Tracey Emin: uma profunda imersão na experiência humana![]()
Sex and Solitude, a exposição que ocupa o Palazzo Strozzi em Florença até 20 de julho de 2025, não é apenas uma retrospectiva da obra de Tracey Emin, mas uma profunda imersão na experiência humana, uma investigação do corpo, da vulnerabilidade e da dor. Emin, uma das artistas mais provocadoras e irreverentes da arte contemporânea, é conhecida pela sua capacidade de transformar momentos pessoais e intensos da sua vida em poderosas declarações artísticas. Nascida em 1963, em Croydon, Londres, e reconhecida internacionalmente desde os anos 90, Emin é uma das figuras centrais do movimento dos Jovens Artistas Britânicos (YBA). A sua obra desafia o convencional, confrontando os limites entre o público e o privado, entre o prazer e a dor, entre a solidão e a reconexão. Ao longo da sua carreira, a artista tornou-se num ícone da arte contemporânea, sendo reconhecida tanto pela crítica quanto pelo público. A sua ascensão à notoriedade foi acelerada em 1999, aquando da sua nomeação para o Prémio Turner e a exposição da sua obra My Bed na Tate Gallery, em Londres. A instalação – que apresentava a própria cama de Emin, cercada por objectos pessoais, preservativos usados, lençóis manchados e vestígios da sua vida emocional tumultuada – gerou um escândalo que foi igualmente acompanhado por uma dose substancial de admiração. Ao colocar a sua vida íntima no centro da discussão pública, Emin não apenas subverteu as convenções da arte contemporânea, mas também forjou uma nova abordagem da vulnerabilidade, transformando-a numa poderosa força criativa. My Bed não era apenas uma representação de um espaço privado, mas uma meditação visceral sobre a sensibilidade humana, uma peça que convidava o espectador a confrontar a sua própria fragilidade. Mais tarde, representou o Reino Unido na Bienal de Veneza de 2007 e, em 2011, tornou-se numa das primeiras mulheres a ser nomeada Professora de Desenho na Royal Academy, um marco na sua carreira. Emin continua a redefinir os limites da arte, desafiando-nos a olhar para os aspectos mais sombrios da condição humana e a questionar as convenções sobre o que é considerado "arte". E é precisamente essa busca implacável pela verdade nua e crua da experiência humana que marca a sua exposição em Florença. Sex and Solitude oferece uma síntese profunda e abrangente da prática da artista britânica, reunindo mais de 60 obras que abordam questões como a sexualidade, a solidão, o luto e a aceitação. A organização do circuito curatorial revela uma narrativa contínua, que vai desde as primeiras investigações de Emin até às suas obras mais recentes, todas marcadas pela tensão intrínseca entre o desejo e o isolamento. O título da exposição sugere uma colisão entre dois estados aparentemente opostos, mas que na prática, para Emin, são inseparáveis: o desejo de conexão e a realidade inevitável da solidão. Em Sex and Solitude, Emin mune-se de mais de 60 obras – entre pinturas, bordados, esculturas e instalações de néon – para desenterrar os maiores dilemas da sua vida: o desejo, a perda, o aborto, a obsessão e a solidão. Ao entrar nesta exposição, somos imediatamente desafiados pela tensão entre o prazer e a repulsão, uma oposição que a artista explora com rara intensidade. “I wanted you to fuck me so much I couldn’t paint anymore”, diz um dos néons expostos, uma frase que parece encapsular a luta entre o desejo e a perda de controle, entre a obsessão e a criação. A sala dedicada ao tema do aborto e da renovação pessoal oferece um dos momentos mais comoventes e poderosos da exposição. Em 1996, Emin passou por um aborto espontâneo que a deixou num período de silêncio criativo, que ela descreveu como um "suicídio emocional". O retorno à arte aconteceu quando se isolou numa sala, nua e rodeada por telas e pincéis, forçando-se a encarar a dor para poder recomeçar. Essa vivência e a obra resultante dela oferecem-nos uma reflexão sobre o sofrimento, a perda e o processo de renascimento, não apenas como uma experiência pessoal da artista, mas como um eco universal de todos nós, em diferentes momentos da nossa vida. Emin trata a solidão, que é frequentemente vista como um espaço negativo, como um território de introspeção e reconexão consigo mesma. Durante o confinamento de 2020, a artista mergulhou nesse espaço, criando pinturas que capturam a quietude da solidão, muitas vezes usando tons suaves de azul e cinza para representar esse sentimento. No entanto, essa solidão não é uma prisão, mas uma oportunidade de reencontro, tanto com a própria identidade quanto com o mundo exterior. Não é apenas uma metáfora, mas uma experiência genuína que nos convida a refletir sobre os momentos de introspeção necessários para a regeneração. À medida que caminhamos pela exposição, encontramos também a fragilidade do luto e da aceitação, temas que, tal como a solidão, não são abordados com uma simples intenção de lamento, mas com uma proposta de ressignificação. Em peças como I do not expect to be mother, but I do expect to die alone, Emin oferece uma meditação sobre a inevitabilidade da morte e a solidão que a acompanha. Contudo, a artista não se limita à dor; ela transforma o luto num ato de aceitação, de reconhecimento da finitude, e, ao fazer isso, convida o espectador a rever a sua própria relação com a perda e a vulnerabilidade. O trabalho de Emin tem sido uma constante exploração do corpo e da sua capacidade de expressar sentimentos universais. Ao lado da sua vida pessoal, a sua arte revela um campo fértil de experimentação, onde o público é desafiado a confrontar as próprias emoções. Ao longo dos anos, Emin sempre utilizou o seu corpo como uma ferramenta de expressão e, em Sex and Solitude, vemos esta atitude repetida e intensificada. O corpo não é apenas uma ferramenta para expressar sentimentos, mas o próprio lugar onde as emoções mais profundas ganham forma. Se há algo que esta exposição faz de maneira extraordinária é mostrar como a arte de Tracey Emin não é apenas um reflexo das suas experiências mais pessoais, mas uma meditação sobre a condição humana.
Tracey Emin, Sex and Solitude, Palazzo Strozzi, Firenze, 2025. Photo Ela Bialkowska, OKNO Studio © Tracey Emin. All rights reserved, DACS 2025.
Além da intensidade emocional, a obra de Emin é também uma exploração inovadora dos materiais e das técnicas. O bordado, por exemplo, que poderia ser visto como uma prática convencional ou até tradicional, é usado por Emin como uma ferramenta de subversão, carregada de uma carga emocional significativa. Ao utilizar o bordado, tradicionalmente associado ao feminino e ao doméstico, como um veículo de expressão pública, Emin reconfigura esta técnica, tornando-a uma poderosa afirmação da sua própria vulnerabilidade. As peças bordadas, muitas vezes com frases directas e confessionais, criam uma ponte entre o pessoal e o universal, transformando gestos íntimos em declarações públicas de dor e desejo.
Tracey Emin, Sex and Solitude, Palazzo Strozzi, Firenze, 2025. Photo Ela Bialkowska, OKNO Studio © Tracey Emin. All rights reserved, DACS 2025.
A escultura ocupa igualmente um lugar central no trabalho de Emin. As suas esculturas, frequentemente feitas em bronze, representam corpos distorcidos, fragmentados ou desfigurados, interrogando a linha ténue que separa o desejo da obsessão. A peça The Last Thing I Said to You Is Don’t Leave Me Here, por exemplo, revela uma força emotiva palpável, onde a forma física da obra se torna uma extensão das próprias emoções da artista, modeladas de maneira a confrontar o espectador com a sua fragilidade. O uso de materiais como bronze e néon, com as suas características de durabilidade e intensidade, intensifica o impacto emocional da obra, conferindo-lhe uma qualidade tanto orgânica quanto impessoal.
Tracey Emin, Sex and Solitude, Palazzo Strozzi, Firenze, 2025. Photo Ela Bialkowska, OKNO Studio © Tracey Emin. All rights reserved, DACS 2025.
Ao enfrentar a sua própria dor e susceptibilidade, Emin convida o público a fazer o mesmo. E, ao fazê-lo, oferece um espaço onde a solidão, o desejo, a perda e a aceitação não são vistos como fraquezas ou aspectos negativos, mas como partes essenciais da nossa essência. Esta é uma arte que não se desvanece; pelo contrário, desperta em nós uma reflexão profunda, desafiando-nos a focar no que realmente importa: a nossa própria humanidade, com toda a sua intensidade, profundidade e, por vezes, insuportabilidade. Em Emin, a arte não é apenas um reflexo do que nos acontece, mas também um veículo de transformação, um processo que exige que nos confrontemos com as nossas próprias debilidades. A artista não oferece respostas fáceis, nem soluções convenientes para os dilemas que expõe. Pelo contrário, coloca o espectador num terreno instável, onde a arte, em vez de confortar, exige que enfrentemos a nossa própria fragilidade. A exposição Sex and Solitude é, em última instância, um convite – não só para contemplar a arte de Tracey Emin, mas para olhar para nós mesmos, para as nossas fraquezas, as nossas tensões e, talvez, encontrar alguma forma de cura ou, pelo menos, de aceitação. Tracey Emin está em exposição no Palazzo Strozzi, em Florença, até 20 de Julho de 2025.
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