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PLAY IT AGAIN, SAM...![]() ART 41 BASEL2010-06-20![]() Play it again, Sam... Mais um ano passou, tranquilo como o movimento da água do Reno e num dia de nevoeiro reaparecem centenas de curiosos turistas, conhecidos por art addicted na cidade dos spätzle (raviolis típicos suíços). Nesta 41° edição estão presentes 300 galerias de todo o mundo e representados cerca de 2500 artistas, mas a novidade é a forte aliança dos museus e fundações da cidade a este evento (porque será que nada disto acontece durante a Arte Lisboa, que gera imensa divisão entre os galeristas portugueses?) Em Basileia durante a feira encontramos exposições de Mathew Barney, Gabriel Orozco, Félix-González Torres, Rosemarie Trockel, Rodney Graham, Jean-Michel Basquiat entre inúmeras obras públicas temporárias e percursos artísticos no velho burgo. A feira concentra um grande número de coleccionadores, artistas e curadores mas este ano a zona dedicada às obras em grande formato, a Art Unlimited e a Art Statements, divide opiniões. A maioria das intervenções de Art Statements não entusiasmam os críticos de arte, salvo as presenças de Dora Garcia (Valladolid, 1965), com as suas reapropriacões artísticas, e Eva Kotatkova (Praga, 1982) que na sua obra mede a componente humana e estrutural dos corpos vivos e inorgânicos. Como todos os anos a Art Unlimited serve de termómetro ao state of the arts de 2010 que este ano se poderia traduzir numa certa perda de encantamento no mundo e ao fim de uma canção entoada ao som de projectores de cinema. “Frontier” (2009) de Doug Aitken (Redondo Beach, USA, 1968) é uma instalação arquitectónica rectangular, por onde o visitante pode passar submerso por inúmeras projecções simultâneas deste vídeo. Com Aitken, entramos na América que nos foi legada pelo cinema americano do século XX, um mundo que povoou o nosso imaginário, com o grande Oeste, o petróleo, as pipocas que fazem parte de um sonho que deixou de existir. Um personagem, o artista Ed Ruscha passeia num mundo em que a iconografia das imagens desse sonho americano entrou em dissolução. Numa outra sala de projecção deste Unlimited encontramos o último vídeo do colectivo Superflex (Dinamarca e Brasil, 1993), “Flooded McDonald’s” ( 2009): o cenário é um dilúvio dentro de um restaurante da cadeia americana, onde batatas fritas se afundam sob o retrato do empregado do mês que submerge gradualmente à força da água. A mascote da marca, Ronald McDonald, cai como uma Ofélia na corrente de água que inunda o espaço. O símbolo do consumo de massas submerge num cenário de filme hecatombe. Mais longe encontramos uma instalação minimal que nos faz reflectir sobre o fim de uma época: um projector de 35 mm que projecta rushes não editados de “Memory Bucket” (2003) de Jeremy Deller e off-cuts deteriorados de “Cycles” (1972-1977) de Guy Sherwin enquanto um órgão eléctrico toca dentro de um balde de latão repleto de água. É uma instalação multimédia de Hardon Mirza (Londres, 1977), que se intitula “Ar Infinato” (2009). À medida que percorro o espaço, vendo o desencanto nestas obras, recordo o último filme de Godard, Film Socialisme (2010), um filme testamento, em que a saturação das imagens, a ficção que se desenrola num navio de cruzeiros de turismo, e o som das vozes na sua cacofonia internacional se distorce e perde-se no vento de uma tempestade de imagens. Godard resume o que estes artistas visuais transmitem. A feira repete-se, a canção nunca é realmente a mesma, revisitam-se autores da Arte Povera, porque talvez estejamos a tentar voltar a uma nova ascese artística. Mario Merz (Milão, 1925-2003) está presente com uma das suas últimas obras, uma casa de Pitágoras bem como Michelangelo Pistoletto (Turim, 1933) e a nova geração italiana, representada por Massimo Bartolini (Cecina, 1962) que apresenta “Organi” (2007-2008), um órgão musical, na sua forma descarnada, esquelética em que a canção entoada faz lembrar uma marcha fúnebre. Outros artistas apresentam símbolos religiosos reapropriados, como Kader Attia e o seu couscous gigante “Couscous Kaaba” (2009), e Christian Marclay apresenta “Solo” (2008), com uma imagem muito definida que traduz a saturação de um erotismo de fácil consumo. Mais um ano, mais uma feira… com toda a variedade de obras de arte que caracterizam a procura de uma sociedade dividida entre as memórias de «clássicos» do século terminado e as sensações confusas do seu presente. Best regards from Basel. Sílvia Guerra |