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ENTREVISTA


Paulo Reis


Costa Vece, “Revolucion-Patriotismo, Raftâ€, 2009. Instalação com materiais diversos. 240 x 360 x 360 cm. © Fernando Piçarra


Costa Vece, “Me as a revolutionary, dictator, guerilla, freedom fighter, terrorist, Jesus Christâ€, 2007. Fotografia, Epson Ultra Chrome 8 Color Ink Jet Print, 112,6 X 86 cm. © Fernando Piçarra


Costa Vece, “Dark Daysâ€, 2006. 69 fotografias a preto e branco, Epson Ultra Chrome 8 Color Ink Jet Print, 35,8 x 47,9 cm (cada). Cortesia: Galleria Franco Noero (Turim) e o artista. © Fernando Piçarra


Costa Vece, “Dark Daysâ€, 2006. Pormenor. 69 fotografias a preto e branco, Epson Ultra Chrome 8 Color Ink Jet Print, 35,8 x 47,9 cm (cada). Cortesia: Galleria Franco Noero (Turim) e o artista. © Fernan


João Tabarra, “SEA ©â€, 2008. Produção: PLANO 21 a.c. / Paulo Mendes e João Tabarra. © Fernando Piçarra


Nuno Sousa Vieira, “Chão Mortoâ€, 2009. Chão em tacos de madeira intervencionados e madeira, 185 x 145 x 150 cm. © Fernando Piçarra

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PAULO REIS


Recentemente inaugurado, o projecto Carpe Diem – Arte e Pesquisa ocupa o Palácio Pombal na Rua do Século. Tendo como objectivo apostar na promoção e divulgação da arte contemporânea, assenta numa programação de carácter internacional que se materializa não só numa vertente expositiva, como no agendamento de conferências e master classes que trarão artistas e teóricos de referência a Lisboa. Paulo Reis, professor e curador que dirige o projecto, falou-nos da sua sustentabilidade, factores de diferenciação e perspectivas para um futuro próximo.

Por Cristina Campos
Junho de 2009


P: O Carpe Diem – Arte e Pesquisa é um projecto recente (inaugurou a 29 de Maio de 2009) que aposta na promoção da arte contemporânea através de uma estratégia ambiciosa em termos programáticos (e consequentemente de sustentabilidade). Quais as bases fundamentais em que assenta?

R: O Carpe Diem sustenta-se na infinita generosidade dos artistas. Esse é o part pris do projecto. São eles, que emprestam os seus nomes, os seus tempos, as suas ideias e a sua vontade de trabalhar em prol de um projecto que não lhes pode dar mais que uma parceria em nome de um ideal comum: uma profunda melhoria das relações entre criação e circulação das obras de arte. A estratégia passa pelo acolhimento de artistas, tornando a cidade de Lisboa um lugar ideal para o pensamento, a criação e a veiculação do objecto artístico. Discutir, somar e conjugar esforços para a realização de projectos expositivos onde os artistas e os promotores fiquem felizes com o resultado final. Quando falo da imensa generosidade dos artistas é o que sinto, pelo menos dos que conheço e com quem trabalho, na medida em que estão sempre dispostos para colaborar, às vezes sem nenhuma condição favorável. Foi graças à generosidade de Costa Vece, João Tabarra e Nuno Sousa Vieira que abrimos o Carpe Diem e é graças à generosidade de Barthelemy Toguo, Fernando Sanchez Castillo, Christian Jankowiski, Ângela Ferreira, Dominique Gonzalez-Foerster, Renata Lucas e Wendelien van Oldenborgh, e de outros artistas já convidados, que o Carpe Diem seguirá existindo.


P: O panorama da capital em termos de espaços e projectos que se dedicam à divulgação da arte contemporânea não é propriamente deficitário. Quais são as grandes novidades subjacentes ao Carpe Diem? Em que medida se distingue de outros projectos de génese semelhante?

R: Penso que o Carpe Diem vem somar-se a outros, distinguindo-se deles em primeiro lugar por sermos três pessoas à frente do projecto, que decidem em conjunto, respeitando a diferença de opiniões. O que não é comum em Portugal onde a programação está muito centralizada no poder unívoco do director da instituição. É uma prática estalinista que eu não quero repetir. Em segundo lugar diferencia-se porque trabalhamos em efectiva parceria com os artistas, fazendo literalmente o que for possível para concretizar o projecto idealizado. E isso vale para tudo, desde escrever até limpar o chão. A minha formação é de trabalhar em museus e sempre achei insuportável o status quo dos directores que não pegam num esfregão e nem cumprimentam o colaborador do escalão mais baixo. Já tive um cartão de curador de instituição e é a maior ilusão do mundo. Ficar trancado numa sala participando de questões alheias à criação é a ocupação mais “boring†que existe. O espírito do projecto Carpe Diem é o de produzir em proximidade com o artista e isso eu não vejo acontecer com frequência. Quanto à programação, ainda é cedo para se fazer uma avaliação mais profunda, somos ainda bebés mas estamos cheios de força para marcar a diferença e, se depender de nós, isso acontecerá.


P: A dupla vertente da programação – que se traduz, por um lado, em exposições temporárias e, por outro, no agendamento de master classes e conferências – é apresentada como uma das principais marcas identitárias do projecto. Pode falar-nos da complementaridade destas duas vertentes?

R: Leonardo da Vinci já considerava que a arte era “cosa mentaleâ€. Arte e Pesquisa é o mote de nosso projecto, aliar a criação que deriva de um pensamento de arte, ao pensamento sobre a própria arte. Elas não são complementares, são dependentes como uma hydra: movimenta-se com duas cabeças num só corpo. Hans Belting, Michael Hardt, Jacques Rancière ou Nelson Brissac Peixoto são autores importantes que li e, por causa destas leituras, tornei-me próximos deles, criando singulares ligações que me levaram a convidá-los. Como são generosos, aceitaram o desafio de virem ao Carpe Diem mesmo que não sejamos um grande museu ou fundação que lhe pode pagar bem. Convidei-os e disse-lhe que o nosso projecto não teria a mesma verba de uma instituição grande, mas eles conhecem-me o bastante para saber que a verdade é a melhor maneira de se conseguir adeptos para qualquer coisa. Fiz muitos seminários no Brasil, convidei Irving Sandler, Thierry de Duve, Germano Celant, Christopher Turcke, Dominique Chateua, Fiona Ray, entre muitos outros e todos foram com a mesma disposição, viajando inclusivamente em classe económica e com um fee simbólico. É esta prática que usaremos no Carpe Diem. Estas pessoas são tão importantes quantos os artistas, são o pulmão esquerdo e o direito do projecto Carpe Diem.


P: O formato de residências artísticas é outra das linhas estratégicas do projecto tal como a promoção de estágios. Como funcionam?

R: Convidamos o artista para estar connosco pelo tempo que lhe seja possível e necessário e, é claro, que devido às suas agendas preenchidas, chegam e ficam alguns dias, depois voltam para realizarem os seus projectos e indicam-nos o tempo de que necessitam. Temos um apartamento mobilado e uma equipa pronta para atender às suas necessidades. Os estágios passam por aproximar jovens a este universo da criação/pensamento, uma vez que não há nada mais salutar que a convivência com artistas com trajectórias, curriculum, projecção e sabedoria dispostos a passar-lhes as suas experiências. Qualquer instituição cultural tem obrigações sociais devendo contribuir para a formação dos jovens, acolhendo-os, proporcionando-lhes uma aprendizagem efectiva, em real life. Eles vêm e ficam o tempo que pretenderam. Durante os estágios, são cooptados e estimulados a apresentar os seus próprios projectos de pesquisa, dentro da sua área de interesse. Esperamos que a sua contribuição seja para eles um factor de orgulho.


P: O projecto está instalado no emblemático Palácio Pombal situado na Rua do Século. Como descobriram o espaço e em que pressupostos assenta a parceria com a EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural), que o cedeu?

R: O Palácio é um sonho que se materializou graças à enorme generosidade do Miguel Honrado, que acolheu o projecto com confiança e disposição. O António Pinto Ribeiro apoiou-nos e estabeleceu a ligação com o Miguel Honrado que havia assumido a presidência da EGEAC. Apresentei-lhe o projecto, que foi a concurso na DGArtes (Direcção-Geral das Artes), e de seguida ele encaminhou-o para a Câmara Municipal de Lisboa, a partir daí foi tudo mais fácil. O nosso convénio é por dois anos e pode ser renovado. O contrato estabelece que a nossa intervenção no Palácio se restringe a acções de melhoramento ao nível das condições de uso - limpeza, manutenção e recuperação, desde o jardim às salas.


P: O projecto é apoiado pela DGArtes/Ministério da Cultura. Como decorreu o processo e de que outros apoios, fixos ou pontuais, dispõem para o viabilizar?

R: Como disse fomos a concurso e tivemos a sorte de ter uma excelente avaliação. O júri era competentíssimo e foi também uma sorte concorrermos no âmbito dos apoios às estruturas. Somos apoiados por um período de dois anos, mas não recebemos o montante solicitado, que era o valor justo para realizar o programa proposto. Mas entendo as razões do júri. Temos a parceria com a EGEAC/CML que cede o Palácio e nos abre outras portas. O fundamental é criar parcerias duradouras e que entendam o projecto. Contactámos organismos como o Institut Franco-Portugais, o Goethe- Institut, a Embaixada da Suiça e a Fundação Pro Helvetia, o AECID (Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento), a Embaixada da Holanda, o Ministério da Cultura do Brasil, o Instituto Italiano de Cultura que nos receberam e estão a apoiar o projecto. Também contamos com galeristas amigos que nos dão suporte financeiro ao nível da produção - nomeadamente as galerias Graça Brandão, 3+1 Arte Contemporânea, Filomena Soares, Vera Cortês, Carlos Carvalho, Caroline Pagès e Baginski. E ainda alguns amigos que contribuem com 1 euro ao dia para o projecto, numa espécie de clube da cultura. Perguntei a muitos dele: darias um euro diário para que a cultura sobrevivesse? Darias um euro por dia para promover uma palestra de Hans Belting aberta ao público em que aparecesses como mecenas? A resposta foi super positiva e agora temos vários amigos a contribuírem. Finalmente, empresas como a Blackmaria, a Laet Comunicações e a Pheebs que fazem parte do projecto e são o nosso suporte e apoio incondicional. É uma rede que está a ser cada vez mais ampliada. Temos muita sorte.


P: O princípio da gratuitidade foi assumido desde o princípio. É uma questão ética?

R: Na medida em que somos suportados pela DGArtes/MC, e agradecemos por isso, temos deveres éticos para com o dinheiro público. Faz-me confusão ver produtores e estruturas que recebem apoios estatais a cobrar entradas e a lucrar. No entanto, na primeira oportunidade que aparece, por exemplo, no âmbito de uma mesa redonda sobre cultura, não se inibem de falar mal do Estado. É uma vergonha, é indecente, é imoral. Se quiserem manter-se neutros e poder acusar o Estado, não recorram a ele, sejam independentes. Morder e soprar ao mesmo tempo, não é possível.


P: Para além do Paulo Reis, que dirige o projecto, a equipa é ainda constituída por Lourenço Egreja e Rachel Korman. Quais são as competências de cada um?

R: Somos os três mosqueteiros, um por todos e todos por um. Jogamos em todas as posições, mas devido às especificidades do projecto dividimos competências: o Lourenço Egreja dedica-se a questões mais teóricas, dá apoio aos artistas e acompanha os estagiários; a Rachel Korman ocupa-se da produção e da comunicação; e eu fico entre o artista, os apoios e a produção das exposições e das palestras. Mas no geral apoiamo-nos uns aos outros em função das necessidades que vão surgindo.


P: E quais são as perspectivas em relação ao futuro?

R: A perspectiva é fazer a programação funcionar a 100%, fazer com tudo o que foi programado passe a existir. Mas sobretudo é construir um lugar para a troca de ideias, de experiências e alegrias, isso é que importa.


P: Considera que o projecto será um incontornável sucesso a médio prazo se…

R: Ninguém nos chatear. Ouvi muitos “nãos†e se os tivesse ouvido a fundo, não teríamos o Carpe Diem. O “não†é apenas um estimulo para quem realmente deseja dar algum contributo e tornar um projecto concretizável. A cada “nãoâ€, enchiam-me de mais vontade de levar o Carpe Diem para a frente, por tanto, um aviso aos que pensam que podem parar um projecto como este: um “não†tem um sabor muito mais doce quando temos uma abertura com mais de quinhentas pessoas a passarem pelo espaço na noite de inauguração. Há coisas fantásticas, não há?



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