Links

ENTREVISTA


Alexandra Bircken. © Beatriz Pequeno / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © António Jorge Silva / Cortesia Culturgest


Vista da exposição SomaSemaSoma, de Alexandra Bircken, Culturgest, 2025. © Vera Marmelo / Cortesia Culturgest

Outras entrevistas:

ALICE DOS REIS



FERNANDO MARQUES PENTEADO



CARLOS CARIMA



CAO GUIMARÃES



HANS IBELINGS E JOHN ZEPPETELLI



ALEXANDRA CRUZ



ANA LÉON



ASCÂNIO MMM



YAW TEMBE



SILVESTRE PESTANA



ANA PI



ROMY CASTRO



AIDA CASTRO E MARIA MIRE



TITA MARAVILHA



FERNANDO SANTOS



FABÃOLA PASSOS



INÊS TELES



LUÃS ALVES DE MATOS E PEDRO SOUSA



PAULO LISBOA



CATARINA LEITÃO



JOSÉ BRAGANÇA DE MIRANDA



FÃTIMA RODRIGO



JENS RISCH



ISABEL CORDOVIL



FRANCISCA ALMEIDA E VERA MENEZES



RÄ DI MARTINO



NATXO CHECA



TERESA AREGA



UMBRAL — ooOoOoooOoOooOo



ANA RITO



TALES FREY



FÃTIMA MOTA



INÊS MENDES LEAL



LUÃS CASTRO



LUÃSA FERREIRA



JOÃO PIMENTA GOMES



PEDRO SENNA NUNES



SUZY BILA



INEZ TEIXEIRA



ABDIAS NASCIMENTO E O MUSEU DE ARTE NEGRA



CRISTIANO MANGOVO



HELENA FALCÃO CARNEIRO



DIOGO LANÇA BRANCO



FERNANDO AGUIAR



JOANA RIBEIRO



O STAND



CRISTINA ATAÃDE



DANIEL V. MELIM _ Parte II



DANIEL V. MELIM _ Parte I



RITA FERREIRA



CLÃUDIA MADEIRA



PEDRO BARREIRO



DORI NIGRO



ANTÓNIO OLAIO



MANOEL BARBOSA



MARIANA BRANDÃO



ANTÓNIO PINTO RIBEIRO E SANDRA VIEIRA JÜRGENS



INÊS BRITES



JOÃO LEONARDO



LUÃS CASTANHEIRA LOUREIRO



MAFALDA MIRANDA JACINTO



PROJECTO PARALAXE: LUÃSA ABREU, CAROLINA GRILO SANTOS, DIANA GEIROTO GONÇALVES



PATRÃCIA LINO



JOANA APARÃCIO TEJO



RAÚL MIRANDA



RACHEL KORMAN



MÓNICA ÃLVAREZ CAREAGA



FERNANDA BRENNER



JOÃO GABRIEL



RUI HORTA PEREIRA



JOHN AKOMFRAH



NUNO CERA



NUNO CENTENO



MEIKE HARTELUST



LUÃSA JACINTO



VERA CORTÊS



ANTÓNIO BARROS



MIGUEL GARCIA



VASCO ARAÚJO



CARLOS ANTUNES



XANA



PEDRO NEVES MARQUES



MAX HOOPER SCHNEIDER



BEATRIZ ALBUQUERQUE



VIRGINIA TORRENTE, JACOBO CASTELLANO E NOÉ SENDAS



PENELOPE CURTIS



EUGÉNIA MUSSA E CRISTIANA TEJO



RUI CHAFES



PAULO RIBEIRO



KERRY JAMES MARSHALL



CÃNTIA GIL



NOÉ SENDAS



FELIX MULA



ALEX KATZ



PEDRO TUDELA



SANDRO RESENDE



ANA JOTTA



ROSELEE GOLDBERG



MARTA MESTRE



NICOLAS BOURRIAUD



SOLANGE FARKAS



JOÃO FERREIRA



POGO TEATRO



JOSÉ BARRIAS



JORGE MOLDER



RUI POÇAS



JACK HALBERSTAM



JORGE GASPAR e ANA MARIN



GIULIANA BRUNO



IRINA POPOVA



CAMILLE MORINEAU



MIGUEL WANDSCHNEIDER



ÂNGELA M. FERREIRA



BRIAN GRIFFIN



DELFIM SARDO



ÂNGELA FERREIRA



PEDRO CABRAL SANTO



CARLA OLIVEIRA



NUNO FARIA



EUGENIO LOPEZ



JOÃO PEDRO RODRIGUES E JOÃO RUI GUERRA DA MATA



ISABEL CARLOS



TEIXEIRA COELHO



PEDRO COSTA



AUGUSTO CANEDO - BIENAL DE CERVEIRA



LUCAS CIMINO, GALERISTA



NEVILLE D’ALMEIDA



MICHAEL PETRY - Diretor do MOCA London



PAULO HERKENHOFF



CHUS MARTÃNEZ



MASSIMILIANO GIONI



MÃRIO TEIXEIRA DA SILVA ::: MÓDULO - CENTRO DIFUSOR DE ARTE



ANTON VIDOKLE



TOBI MAIER



ELIZABETH DE PORTZAMPARC



DOCLISBOA’ 12



PEDRO LAPA



CUAUHTÉMOC MEDINA



ANNA RAMOS (RÀDIO WEB MACBA)



CATARINA MARTINS



NICOLAS GALLEY



GABRIELA VAZ-PINHEIRO



BARTOMEU MARÃ



MARTINE ROBIN - Château de Servières



BABETTE MANGOLTE
Entrevista de Luciana Fina



RUI PRATA - Encontros da Imagem



BETTINA FUNCKE, editora de 100 NOTES – 100 THOUGHTS / dOCUMENTA (13)



JOSÉ ROCA - 8ª Bienal do Mercosul



LUÃS SILVA - Kunsthalle Lissabon



GERARDO MOSQUERA - PHotoEspaña



GIULIETTA SPERANZA



RUTH ADDISON



BÃRBARA COUTINHO



CARLOS URROZ



SUSANA GOMES DA SILVA



CAROLYN CHRISTOV-BAKARGIEV



HELENA BARRANHA



MARTA GILI



MOACIR DOS ANJOS



HELENA DE FREITAS



JOSÉ MAIA



CHRISTINE BUCI-GLUCKSMANN



ALOÑA INTXAURRANDIETA



TIAGO HESPANHA



TINY DOMINGOS



DAVID SANTOS



EDUARDO GARCÃA NIETO



VALERIE KABOV



ANTÓNIO PINTO RIBEIRO



PAULO REIS



GERARDO MOSQUERA



EUGENE TAN



PAULO CUNHA E SILVA



NICOLAS BOURRIAUD



JOSÉ ANTÓNIO FERNANDES DIAS



PEDRO GADANHO



GABRIEL ABRANTES



HU FANG



IVO MESQUITA



ANTHONY HUBERMAN



MAGDA DANYSZ



SÉRGIO MAH



ANDREW HOWARD



ALEXANDRE POMAR



CATHERINE MILLET



JOÃO PINHARANDA



LISETTE LAGNADO



NATASA PETRESIN



PABLO LEÓN DE LA BARRA



ESRA SARIGEDIK



FERNANDO ALVIM



ANNETTE MESSAGER



RAQUEL HENRIQUES DA SILVA



JEAN-FRANÇOIS CHOUGNET



MARC-OLIVIER WAHLER



JORGE DIAS



GEORG SCHÖLLHAMMER



JOÃO RIBAS



LUÃS SERPA



JOSÉ AMARAL LOPES



LUÃS SÃRAGGA LEAL



ANTOINE DE GALBERT



JORGE MOLDER



MANUEL J. BORJA-VILLEL



MIGUEL VON HAFE PÉREZ



JOÃO RENDEIRO



MARGARIDA VEIGA




ALEXANDRA BIRCKEN


03/12/2025 


 

[English version]

 

 

Na véspera da inauguração da exposição SomaSemaSoma, a primeira de Alexandra Bircken em Portugal, vão sendo instaladas na Culturgest esculturas de um mundo onde a atenção é um bem cada vez mais escasso. Esta itinerância, que já passou pelo museu KBCB Biel/Bienne e segue depois para o Centro de Arte Contemporânea de Bordeaux, reúne um conjunto de obras da artista dos últimos 15 anos, justapondo um mundo orgânico e um tecnológico onde a arte é frequentemente chamada a justificar o seu lugar. A prática artística de Alexandra Bircken destaca-se pela sua recusa em se render a essa lógica, através de uma obra profundamente física e material, construída predominantemente através da técnica de assemblage, convida a uma contemplação mais lenta, um diálogo íntimo com os objetos e as suas memórias.

A exposição percorre um território vasto: da relação intrínseca entre os materiais e as emoções que evocam, à crítica mordaz do consumismo alimentado pelas redes sociais; da transição orgânica da moda para a escultura, encarando o corpo como um suporte escultórico, até às complexas interações entre os objetos de arte e o espaço museológico. Alexandra Bircken não teme de modo algum a abordagem a grandes temas da contemporaneidade como a busca quimérica pela imortalidade plástica ao impacto profundo da inteligência artificial na sociedade, sempre com um olhar cético sobre o poder da arte para mudar o mundo, e as pessoas que o moldam e se deixam moldar pelo mesmo.

A exposição é um testemunho de uma prática artística que valoriza a linguagem interna dos materiais e a coreografia da exposição, oferecendo uma reflexão urgente e necessária sobre o nosso tempo e das práticas e saberes que nos tornam humanos em potência, seja através de motas de embalar, uma AK-47 cortada cirurgicamente ao meio, postes de sinalização em cerâmica, ou até mesmo uma placenta conservada em solução de Kaiserling.


Por Pedro Vaz

 

 

>>>

 

PV: Parece que a arte contemporânea está na vanguarda da luta contra o crescente défice de atenção do mundo. Uma vez que o seu trabalho se centra numa forte utilização da técnica de assemblage, como pensa em captar a atenção do visitante? O foco está nos pequenos detalhes (os objetos que compõem a estrutura das obras) ou na unidade como um todo?

AB: Em primeiro lugar, não penso realmente em querer captar o espetador. Fora da criação de uma obra de arte, isso não é realmente a minha preocupação. Preocupo-me muito mais em ter uma vontade urgente de fazer o que estou prestes a fazer e considerá-lo como um todo, e acredito realmente que, se se procura captar alguém, é como se se estivesse a vestir os buracos pelo lado errado. Porque pensas no que isso pode evocar, e acho que nunca vai acontecer, ou torna-se algo muito legível, planeado e forçado. E acredito realmente que os materiais, os têxteis e as estruturas têm uma linguagem interna, porque temos uma experiência de como eles se sentem e como se sentem ao toque: como este couro ser macio, suave e tudo isso. Temos uma experiência e sabemos. Então, de certa forma, acho muito interessante usar materiais para escultura porque evoca emoções ao controlar como as coisas são montadas, como são apresentadas, como são feitas, como são bem acabadas. E é isso que acho interessante. Mas nunca é sobre se eu faço isso ou aquilo, se isso fala com o espetador de uma certa maneira, porque acho que isso é algo que o espectador tem que decidir. E acho que, quando mostro os meus trabalhos, encontro tantas ideias e reações diferentes que é melhor nem sequer entrar nesse terreno.

PV: Ao ver a sua abordagem quase cirúrgica em alguns dos seus trabalhos, particularmente o corte e a estética da interioridade, penso nesta interação entre as artes plásticas e a cirurgia plástica. O que pensa sobre estas ideias de plasticidade no abstrato? Quero dizer, a vida plástica da Barbie é viável para a busca da imortalidade que o mundo almeja ou é uma utopia bárbara que não se encaixa no nosso mundo e até contribui para a sua deterioração? Como é evidente em termos de questões ambientais, por exemplo.

AB: Refere-se à Barbie, a boneca Barbie?

PV: Sim, porque penso na música «In a Barbie world, life in plastic is fantastic» e parece que muitas pessoas também buscam essa imortalidade em torno da plasticidade do corpo.

AB: Acho que é preciso levar em conta de quando essa música surgiu, sabe. Não foi nos anos 80 ou 90?

PV: Acho que foi nos anos 90. É claro que toda a parte misógina não tem nada a ver com o que queremos hoje. Mas essa busca crescente pela imortalidade... a plasticidade... O que achas da plasticidade, na ideia abstrata de plasticidade?

AB: Quer dizer, o plástico foi inventado antes da guerra, quando surgiu a baquelite, havia aquelas pegas que foram os primeiros objetos de plástico moldados e, claro, era uma forma de fazer coisas mais baratas para um enorme mercado consumidor, que fossem acessíveis, como artigos domésticos, garrafões de água. O que quisesses, percebes? Eram feitos de produtos petrolíferos plásticos. Quero dizer, o plástico é como um derivado do petróleo. E era uma forma de satisfazer as necessidades dos consumidores e, de repente, levar as coisas a um público enorme, não apenas a alguns poucos selecionados que podiam pagar por certas coisas. E, claro, agora isso continua, mesmo que não seja correto. Então, para ser sincera, não sei bem como responder a essa pergunta. Quero dizer, há um desejo de eternidade, isso é definitivamente verdade, mas acho que é um problema. Acho que é um problema que as pessoas sejam tão ignorantes, que simplesmente desviem o olhar: querem viver mais, querem voar mais, querem consumir mais. E depois, neste planeta, há sempre incêndios e catástrofes climáticas, e as pessoas simplesmente desviam o olhar e celebram a sua vida, acho eu. Mas é isso que os humanos fazem, e é isso que as redes sociais fazem. Eu realmente culpo as redes sociais por isso porque acho que nessas malditas redes sociais vês sempre que as pessoas têm férias melhores, mais dinheiro, uma casa melhor, uma vida melhor, porque de repente todos se tornam comparáveis nessa pequena foto do mesmo tamanho da tela. E acho que isso realmente alimenta o consumismo.

PV: E parece que isso vai contra a natureza do artesanato, no qual fazemos o nosso trabalho e depois mostramos ao mundo o que temos para oferecer, certo? Não esperamos comparar o nosso trabalho.

AB: E as pessoas têm falta de experiência porque já não saem, limitam-se a olhar para isto, olhar para aquilo, olhar para aquilo outro, e pensam que sabem o que se passa no mundo. Quero dizer, é um problema enorme. Mas não acho que se possa resolver isso. Acho muito difícil que a arte tenha como objetivo educar as pessoas. Quero dizer, há tantos espetáculos agora, como grandes exposições coletivas ou a Documenta, que são referências que conceituam certas ideias ao tentar educar as pessoas. E acho que, se se propuser a fazer isso, não funciona.

PV: E mesmo hoje em dia a museologia tem criado esses novos termos para mudar esse facto. Por exemplo, já não se fala em «serviço educativo». Fala-se em programas de ativação e programas públicos. Portanto, parece que o museu está a tomar consciência desse poder que tem. Na verdade, o espaço do museu, pela sua natureza, remove a funcionalidade das obras em exposição. Lembro-me da história de um amigo meu que trabalhava no Museu Machado de Castro e, um dia, uma das visitantes começou a rezar em frente a uma escultura Pietà enquanto tocava nela. Achei isso maravilhoso, porque mostra como o museu pode ser moldado e contestado, especialmente através das próprias obras. Como é que o teu trabalho ganha vida neste ambiente feito de objetos desprovidos da sua funcionalidade original para servir um propósito estético?

AB: Acho que o lado positivo é que, ao contrário da maioria das pinturas, acho que as esculturas frequentemente são mais divertidas de se ver e falam a um número maior de espectadores. Ouço isso com frequência, até as crianças têm uma reação, enquanto talvez não tivessem uma reação se olhassem para uma pintura abstrata. Nesse sentido, não me importo muito com o que mais está a acontecer, desde que eu possa controlar como estou a montar a exposição. E isso é um trabalho árduo por causa dos obstáculos: a maneira como as instituições têm uma ideia de como as coisas devem ser. E é por isso que se passa muito tempo a tentar controlar isso. Mas nunca tive realmente uma experiência má. Quer dizer, às vezes tive uma experiência má com a programação que inventam para entreter as crianças em idade escolar. Inventam histórias tolas, e simplesmente acham que as crianças são idiotas. Mas isso é algo que acontece depois que eu vou embora. Então, vejo isso como uma espécie de forma de instalar, é quase como uma coreografia, tentar pensar no que fica bem, descobrir a iluminação nas primeiras salas, o holofote para realmente destacar os detalhes da obra, quase como em exposições de história da arte, onde muitas vezes se tem esse tipo de iluminação dramática.

PV: E é como se o museu tivesse um pedido de desculpas a fazer aos seus visitantes depois de todos estes anos de arte conceptual e linguagem homogénea. Mas como é que fizeste essa transição da moda para a arte contemporânea? Foi uma mudança radical ou sempre viste algo intrínseco à prática artística na moda, como a prática escultórica? Mesmo os visitantes atualmente parecem procurar textura e tridimensionalidade.

AB: Quer dizer, foi como um processo orgânico que evoluiu. E muitas vezes sentia-me confinada na moda, sentia-me sempre como numa gaiola porque trabalhei como designer durante vários anos enquanto estudava, durante o meu curso básico na Saint Martin's. Basicamente, a natureza destes cursos básicos é muito ampla, faz-se todo o tipo de disciplinas diferentes, desde gravura, a moda, a modelagem. Mas também fazes pintura, poesia, cerâmica, todo o tipo de coisas. E sempre senti isso como algo muito libertador: não pensar na aplicação dessas coisas, apenas fazer essas peças pelo prazer de as fazer. Mas, de alguma forma, eu estava tão interessada em moda. Quer dizer, era na Inglaterra, era 1990... Ainda havia muita coisa por acontecer na moda, e eu sentia que queria mesmo, mesmo fazer isso. Mas quando saí da escola e comecei a trabalhar sempre senti que tinha de trabalhar num ambiente comercial porque tinha de desenhar coisas que as pessoas quisessem comprar e que as pessoas quisessem usar para ficarem bonitas. E o que é essa ideia de beleza? Que tipo de conceito é esse? Achei muito restrito e não me conseguia identificar com isso. Então, aos poucos, ganhei dinheiro como designer, sobrou algum dinheiro, e então aluguei um pequeno espaço em Colónia. Voltei de Paris para Colónia com a intenção de realmente começar uma coleção própria, mas, de alguma forma, fiz peças e elas acabaram na parede, e pareciam ter vida própria. Elas vieram do corpo, mas estavam na parede. E, de alguma forma, percebi isso, sabes? Não precisa do corpo, tem uma aura, tem vida própria. Mas então, tendo estudado moda, trabalhado com moda (tu percebes que)... o corpo é escultura. Quando estás a treinar para fazer algo tridimensional como designer de moda, é um treino de escultura no sentido de que estás a julgar algo que se move, que é tridimensional. Então, esse passo não foi tão grande, sabe? No início, quando fazia desfiles, sentia sempre que, após cada desfile, tinha de ser algo completamente novo, porque na moda sabemos que cada coleção tem de ser muito diferente da seguinte, ou tem de ter uma base, mas ainda assim incluir muitas ideias novas. Por isso, demorei alguns anos a perder essa pressão.

PV: E como lidas com toda essa humanização dos objetos e da tecnologia e, ao mesmo tempo, com a sua condição de extensão do corpo? Como trabalhas com moda, tens de pensar em como é o corpo, como ele funciona e o que ele busca. Mas quando a Apple está a projetar um novo telefone, eles também pensam nos corpos.

AB: Sim, o telemóvel é uma prótese e acho muito interessante como aceitamos isso facilmente e como isso se torna rapidamente uma extensão nossa.

PV: E tu também trabalhas toda a temática dos ciborgues.

AB: Sim, mas, de alguma forma, sempre achei um pouco problemático que essa coisa de ciborgue seja um tema tão discutido. Para mim, é algo muito natural. Quero dizer, atualmente toda a gente tem uma extensão, e houve uma época em que toda a gente falava sobre teorias de ciborgues, e acho isso muito óbvio.

PV: É como as fake news, certo? Sempre houve fake news, e até Júlio César morreu por causa de fake news. Mesmo até os guerreiros tinham as espadas como uma extensão de si mesmos. Então, isso é como um tema milenar que simplesmente se cruzou com a contemporaneidade. E quando chegaste à Culturgest, qual foi a tua experiência em relação ao espaço e à instalação da exposição? Como tem sido trabalhar com a espacialidade do edifício e a energia que ele contém?

AB: Tem sido incrível.

PV: Porque, visto de fora, parece uma fortaleza enorme.

AB: É mesmo uma fortaleza. Parece um pouco com a arquitetura nazista. Claro que não é. Mas, de alguma forma, vindo de Berlim ou do Leste, às vezes dá para ver algumas semelhanças com os edifícios (de lá). Mas acho incrível. Quero dizer, é muito bom trabalhar com o Mário e o Bruno, e a equipa técnica é fantástica. Eles mostraram-nos tudo, íamos à cantina todos os dias e visitávamos diferentes locais, como o centro desportivo. E achei bastante interessante este choque de realidades aqui: temos nós, da área da arte, e depois temos as pessoas do estado e do banco. É muito raro estar num edifício como este, a trabalhar em realidades, empregos e estruturas tão diferentes. Por isso, é super interessante. Para mim, é um pouco como o Barbican Centre em Londres, mas o Barbican Centre é um complexo habitacional, não há nenhum outro negócio associado, mas também é um centro cultural. Acho super interessante, e os espaços não são fáceis, não são cubos brancos, de certa forma, mas para o meu trabalho é bastante bom.

PV: E, na verdade, o que a sua exposição está a fazer aqui é contribuir para remodelar a aura de todo o edifício, e isso é realmente impressionante.

AB: Para mim, foi muito importante abrir esta janela porque, quando olhei para o espaço e vi o mapa, pensei: «Espera aí, há este pátio, mas há estas janelas, e o que está por trás delas?». E então os rapazes disseram que era um depósito, então a minha ideia foi abri-lo. As pessoas que vão para os escritórios descem a rampa, mas para elas descerem a escada rolante ou subirem e olharem o espaço, porque é sempre um obstáculo entrar num espaço, é sempre como uma barreira, mesmo que não tenha de pagar. É sempre uma barreira para pessoas que não são artistas ou que não se interessam por arte. Então, havia um desejo de ter essa janela aberta e comunicar com o exterior, e vice-versa.

PV: Quero saber qual é a tua aposta: as máquinas e a tecnologia aliadas à lógica capitalista dominarão o planeta, ou os humanos resistirão com a sua vontade infinita de viver e expandir-se como seres humanos? Ou essas duas hipóteses fazem parte do mesmo projeto?

AB: Acho que os humanos são tão estúpidos e preguiçosos que todos que conheço já estão a usar IA para as coisas mais simples, o que acho que, em alguns anos, vai reduzir os nossos cérebros a escrever textos por conta própria, até mesmo a investigar mais a fundo. As perguntas enigmáticas e as questões que normalmente pensaríamos, no comboio, simplesmente não existem mais. Então, acho que há certas coisas que a IA não consegue fazer. Ela não é empática, e há trabalhos e jogos que a IA, no momento, não seria capaz de inventar, mas que no futuro será capaz. Os empregos serão perdidos por causa da IA, os centros das cidades ficarão violentos porque as pessoas estarão desesperadas, talvez sem ouvir, porque é uma nova reestruturação com muito dinheiro envolvido. É estranho. Mas, quer dizer, quando se vai à Alemanha, vai-se aos centros das cidades e é sombrio: só há lojas de um euro, lojas vazias e pessoas sem-abrigo por todo o lado, e acho que isso só vai piorar. O governo tem de regulamentar as coisas para que possamos realmente mudar o nosso comportamento, mas tem medo de fazer isso por causa do governo de direita. Se o nosso governo fosse autorizasse a voar apenas x vezes por ano, as pessoas votariam na AFD (Alternative für Deutschland) porque a AFD nega a crise climática. Sinceramente, acho que é bastante negativo, infelizmente.

PV: E é como se a Alemanha, dentro do panorama europeu, fosse um dos países onde as coisas aparecem primeiro, e em Portugal há um atraso, até mesmo a expansão dos partidos de direita está a começar a ficar mais forte agora aqui, e esse é um grande problema que estamos a enfrentar. Mas talvez o que os artistas precisam de fazer é seguir os bons exemplos, como seguir as práticas e ideias do artesanato para voltar aos nossos comportamentos humanos.

AB: Quero dizer, tivemos o Egito, a Grécia Antiga, tivemos os maias, todas elas eram civilizações culturais incríveis, e talvez isto seja como o fim do período romano e talvez seja um ciclo, até que algo novo aconteça. É assim que vejo as coisas. As pessoas que querem ser estimuladas pela arte serão estimuladas por ela, mas não acho que isso vá fazer as pessoas mudarem os seus votos. O poder da arte é limitado, e é limitado àqueles que não querem ver. Acho que Portugal tem uma história muito diferente, porque penso no que o vosso governo está a fazer neste momento, atraindo expatriados com muito dinheiro, dando-lhes isenção de impostos. E acho que isso está a trazer muito dinheiro. E vejo menos sem-abrigo aqui do que na Alemanha, por exemplo. Mas, quero dizer, o que o governo está a fazer também não é saudável, porque não está realmente a pensar na sua própria população. Por isso, não vejo isto de forma muito positiva, desculpa.

PV: Não peças desculpas. Acho que os museus, os artistas e aqueles que trabalham com arte têm uma visão negativa do futuro. Acho que sabemos o que está a acontecer e tentamos lutar contra isso enquanto podemos.

AB: Acho que os políticos e os empresários vêem as coisas da mesma forma. É tudo uma questão de ganhar dinheiro, e eles estão presos a essa máquina de fazer dinheiro. Eles são muito mais extensões do sistema capitalista, e acho que nós negociamos muito mais. É claro que estamos todos presos nisso, e é por isso que, digam o que disserem, eles nunca tomam as decisões certas por causa do poder do capitalismo.

 

 

:::

 

Alexandra Bircken nascida em Colónia em 1967, apresenta uma trajetória artística que reflete uma transição orgânica da moda para as artes visuais. A sua formação na renomada Central St. Martins em Londres, onde concluiu a licenciatura em Moda após uma base em Belas-Artes, e a sua experiência como cofundadora da marca 'Faridi', lançaram as bases para a sua prática escultórica distintiva. Atualmente a reside entre Berlim e Düsseldorf, onde é professora na prestigiada Kunstakademie. A sua obra, que explora o corpo como suporte tridimensional e emprega uma técnica de assemblage materialmente rica, tem sido reconhecida com distinções como o Prémio Stiftung Kunstforsk e residências artísticas em instituições como a National Gallery do Zimbábue.

 

Pedro Vaz começou desde 2014, em Coimbra, a organizar exposições e performances. Completou entre 2013 e 2018 a Licenciatura e Mestrado em Estudos Artísticos pela FLUC. Atualmente é doutorando em Artes e Mediações pela FCSH da Universidade NOVA, e integra o laboratório IN2Past enquanto investigador do grupo Museum Studies do Instituto de História de arte da FCSH. A sua investigação doutoral beneficia de bolsa FCT, e conta com a parceria do museu MAAT enquanto instituição coorientadora do projeto.